Descrição de chapéu União Europeia aborto

Assembleia Nacional da França aprova projeto que fixa direito ao aborto na Constituição

Proposição ainda precisa passar pelo Senado, de maioria conservadora, e referendo

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Paris | Reuters

A Assembleia Nacional da França aprovou, nesta quinta-feira (24), um projeto de lei que fixa o direito ao aborto na Constituição. No país europeu, mulheres hoje podem se submeter ao procedimento até a 14ª semana de gravidez, mas a regra não está na Carta Magna.

Na votação, os parlamentares fizeram menções diretas à decisão de junho da Suprema Corte dos Estados Unidos que reverteu um parecer de quase cinco décadas da corte, suspendendo o direito em âmbito nacional. Na prática, a mudança permitiu que estados pudessem aprovar leis contrárias à interrupção voluntária da gravidez.

O temor de parte dos legisladores franceses é que a Justiça do país tome decisão semelhante; a inserção do tema na Constituição inibiria esse eventual movimento.

Manifestantes se reúnem, em Paris, em apoio ao direito ao aborto após parecer da Suprema Corte dos EUA
Manifestantes se reúnem, em Paris, em apoio ao direito ao aborto após parecer da Suprema Corte dos EUA - Benoit Tessier - 2.jul22/Reuters

"Ao introduzir o direito ao aborto na Constituição, a França se tornaria pioneira em termos de direitos das mulheres", disse Mathilde Panot, parlamentar do França Insubmissa, partido de ultraesquerda. "Não queremos dar nenhuma chance a pessoas hostis ao direito ao aborto e à contracepção."

Relatora do texto, ela dedicou o que classificou de vitória histórica "às mulheres dos EUA, da Polônia e da Hungria, cujo direito está sendo restringido".

A tramitação do texto, no entanto, enfrenta um obstáculo considerável no Senado francês, hoje controlado pela direita. No mês passado, a Câmara Alta já rejeitou um projeto de lei interpartidário que visava tornar o direito ao aborto e à contracepção parte da Constituição.

A interrupção voluntária da gravidez foi descriminalizada na França em 1975, por uma lei apresentada por Simone Veil, ícone da emancipação feminina e sobrevivente do Holocausto. A Constituição do país é de 1958. "Nenhuma democracia, mesmo a maior de todas, está a salvo de retrocessos", disse o ministro da Justiça, Éric Dupond-Moretti, que manifestou o apoio do governo à iniciativa desta quinta.

Se for ratificado no Senado, o texto deverá ser submetido a um referendo. Panot pediu à gestão Emmanuel Macron que apresente um projeto de lei próprio, o que permitiria evitar este último passo e agilizar a mudança.

Pesquisa de julho do instituto Ifop, de toda forma, mostrou que 83% dos franceses estão satisfeitos com o fato de a prática ser legal no país —16 pontos percentuais a mais do que o registrado há 30 anos. O levantamento mostrou ainda que 81% são a favor da inclusão do direito ao aborto na Constituição.

Embora a ultraesquerda tenha procurado incluir o direito à contracepção na Constituição, o partido desistiu desse ponto para chegar a um consenso —na votação, parlamentares dos Republicanos, de direita, e da Reunião Nacional, de ultradireita, se dividiram.

Marine Le Pen, líder desta última, foi uma das que apoiaram a medida, que teve 337 votos a favor e 32 contra. "Há a desonestidade, mais uma vez, em fazer crer que a questão é saber se somos a favor ou contra a possibilidade do aborto. Obviamente não é essa a questão que se coloca aqui. Eu lembro, pela enésima vez, que não há um único movimento político na França representativo da retirada desse direito das mulheres", disse Le Pen.

Na legislatura anterior, a ultradireitista criticou um projeto de lei semelhante e, há dez anos, se opôs ao reembolso público para abortos —tal medida, segundo ela, aumentaria procedimentos feitos "por conveniência".

Nos últimos meses, porém, a política tem tentado se apresentar como mais moderada. Desde julho, segundo o jornal francês Le Monde, ela evitava discorrer sobre o assunto quando questionada, ainda que frisasse ser contra o projeto. No último dia 13, Le Pen disse não concordar com o argumento de que o direito ao aborto estava ameaçado no país.

Sua postura comedida, de qualquer forma, não conseguiu converter todos os legisladores de ultradireita. A parlamentar Emmanuelle Menard, por exemplo, pediu para a seus colegas "pararem de brincar com o medo de uma reversão dos direitos ao aborto", que segundo ela é impossível de acontecer na França.

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