Reino Unido testa Rússia e envia helicópteros pela 1ª vez à Ucrânia

Kiev tem pedido apoio mais sofisticado desde o começo da invasão russa, em fevereiro

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São Paulo

Em um novo teste acerca da elasticidade das linhas vermelhas do Kremlin em relação ao apoio do Ocidente a Kiev contra a invasão russa da Ucrânia, o Reino Unido anunciou que enviará pela primeira vez helicópteros para ajudar na resistência.

É de fato um teste, já que a guerra não mudará de patamar com as três unidades anunciadas pelo secretário de Defesa Ben Wallace nesta quarta (23). Mas um teste simbólico, até pelo equipamento escolhido.

Helicóptero Sea King, da Marinha britânica, quando ainda estava em atividade no Golfo Pérsico, em 2010
Helicóptero Sea King, da Marinha britânica, quando ainda estava em atividade no Golfo Pérsico, em 2010 - 2.fev.10 - AFP

Serão três helicópteros marítimos Sea King, versão da fabricante britânica Westland do modelo americano homônimo. São aparelhos obsoletos para o padrão da Otan, a aliança militar do Ocidente: o último dos 357 produzidos parou de voar em 2018 no Reino Unido; ainda há modelos ativos em outros países, como Alemanha e Brasil.

Assim, o recado é para a combalida Frota do Mar Negro da Rússia, centrada em Sebastopol, na Crimeia ocupada. Ela já perdeu a nau-capitânia, o cruzador Moskva, afundado em abril. Em setembro, talvez metade de seu dispositivo aéreo foi destruído em solo, numa base crimeia. E seu QG foi alvo de ataques diretos de drones, que Moscou acusou terem sido organizados justamente pelo Reino Unido.

O Sea King a ser fornecido deve ser na configuração de busca e resgate, mas ele pode ser usado em guerra antissubmarina. A questão central é que até aqui nenhuma aeronave ocidental tripulada havia sido enviada por apoiadores do governo de Volodimir Zelenski contra os russos.

É um tabu que cai, devagarinho. Na fase inicial da guerra, o foco era o fornecimento de armas portáteis contra tanques e aviões. Deu certo, e quando a guerra mudou seu eixo para batalhas com artilharia no leste do país, foi a vez de os EUA oferecerem sistemas avançados do tipo —que fizeram a diferença também no sul, ao romper linhas de suprimento que eventualmente levaram ao recuo das forças russas a sudeste do rio Dnieper.

A cada avanço, Moscou alerta para linhas vermelhas e fala no risco de um embate direto com o Ocidente, o que levaria a uma Terceira Guerra Mundial, nuclear por natureza. O próprio Vladimir Putin já descartou o uso da bomba de forma ofensiva, mas sempre que pode repete a doutrina atômica russa, de defesa existencial.

Ainda assim, alguns limites são respeitados. Até aqui, os EUA haviam fornecido 20 helicópteros para os ucranianos, mas eram modelos de fabricação soviética Mi-17 coletados entre aliados do Leste Europeu, antigos clientes do Pacto de Varsóvia na Guerra Fria, iguais aos operados por Kiev. Era uma nuance: não se tratava de material ocidental.

Mesmo assim, até aqui a Otan não aceitou a pressão de países de sua franja leste mais preocupados com a Rússia, como a Polônia, de fornecer caças soviéticos MiG-29 para Kiev —segundo o site de avaliação de perdas militares a partir de imagens públicas e checagem com georreferenciação holandês Oryx, 55 das 124 aeronaves ucranianas do pré-guerra já foram perdidas.

Em relação a helicópteros, o Oryx conta 23 de 115 derrubados. O número é relativamente baixo porque há mais controle dos ucranianos sobre a divulgação de imagens de suas perdas militares. Os dados russos sempre são mais abundantes, até para fins de propaganda em solo de Kiev.

Wallace também anunciou o envio de 10 mil peças da artilharia para os ucranianos, o que ocorre depois da visita do novo premiê britânico, Rishi Sunak, à capital do país invadido.

Os EUA são os maiores apoiadores militares de Zelenski, com US$ 18,6 bilhões (R$ 100 bilhões) anunciados neste ano, e o Reino Unido vem atrás, com US$ 2,75 bilhões (R$ 14,8 bilhões). Nesta quarta, Washington prometeu adicionar US$ 400 milhões (R$ 2,1 bilhões) à sua conta.

Novos ataques

Ao longo desta quarta, houve novos ataques aéreos russos na Ucrânia. Sirenes soaram em quase todas as regiões do país, e a Polícia Nacional disse haver ao menos sete mortos, inclusive um bebê numa maternidade de Zaporíjia e três pessoas na capital, e 36 feridos.

Foram ao menos 70 mísseis, dos quais a Ucrânia disse ter interceptado 50. Essas ondas tornaram-se padrão desde o mês passado.

Segundo o prefeito de Kiev, Vitali Kitschko, alvos de infraestrutura energética da cidade foram atingidos na periferia na madrugada. Com a chegada daquele que se anuncia como um dos mais duros invernos em anos, os russos têm focado a campanha aérea em destruir a rede energética dos ucranianos.

Ele previu o pior inverno na cidade desde a ocupação nazista na Segunda Guerra Mundial, e o assessor presidencial Mikhailo Podoliak foi ao Twitter desafiar a Rússia, dizendo que a Ucrânia não se dobrará à campanha.

Até aqui, mais de 60% da infraestrutura do setor foi destruída, e apagões programados têm deixado as grandes cidades sem energia e aquecimento como forma de fazer um rodízio da eletricidade. Na capital, o governo promete montar "centros de resistência", basicamente abrigos contra ataques com aquecimento e luz providos por geradores ocidentais.

Parlamento Europeu condena Rússia

O Parlamento Europeu votou em favor de uma resolução qualificando a Rússia como Estado promotor do terrorismo nesta quarta. A medida é simbólica, sem efeito legal, dado que o órgão não tem poderes executivos.

A denominação era um pedido antigo de Zelenski, devido à destruição de sua rede de energia e a ataques que atingiram hospitais ou escolas nesses nove meses de guerra. Os Estados Unidos, onde a qualificação possibilita novas sanções contra países condenados, resistem à ideia por ora. Washington só classifica assim Cuba, Coreia do Norte, Irã e Síria, todos aliados de Putin.

O Parlamento russo, de forma igualmente inócua, chama de patrocinadores de terror os membros da Otan Lituânia, Letônia, Estônia e Polônia, a linha de frente da aliança no Leste Europeu.

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