Descrição de chapéu The New York Times

Nova York contrata funcionário com 'instinto assassino' para combater infestação de ratos

Prefeito Eric Adams vai pagar até US$ 170 mil anuais para chefe de força-tarefa antirroedores

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Dana Rubinstein
The New York Times

A cidade de Nova York está procurando um novo diretor de mitigação de roedores para enfrentar uma tarefa que muitos prefeitos anteriores já assumiram sem sucesso.

A ratazana vive em Nova York desde a época da Guerra de Independência dos EUA (1775-1783), ou por aí. E há pelo menos um século as autoridades municipais tentaram erradicá-la, mas falharam.

Rato corre em calçada em Nova York - Carlo Allegri - 2.dez.19/Reuters

Assim, na quarta (30), séculos após o Rattus norvegicus entrar pela primeira vez num navio com destino a Nova York, a prefeitura tentou novamente, anunciando o cargo de "diretor de mitigação de roedores".

O anúncio de emprego incomumente bem-humorado procura alguém com diploma universitário, cinco a oito anos de experiência e, "mais importante, o impulso, a determinação e o instinto assassino necessários para lutar contra o verdadeiro inimigo —a implacável população de ratos de Nova York".

Ele sugere que o candidato ideal deve ter "resistência e criatividade" para derrotar o exército de ratos, descrito como "astuto, voraz e prolífico". O emprego pagará de US$ 120 mil a US$ 170 mil por ano (R$ 650 mil a R$ 920 mil). O prefeito Eric Adams, com certeza, tem muito a resolver: níveis recordes de sem-teto; um orçamento oscilando no limite; taxas de criminalidade insistentes. Mas há poucas falas mais consistentes na carreira pública do prefeito do que sua fixação em ratos.

Adams, que disse ter possuído um rato como animal de estimação na infância, vinculou sua fixação ao "trauma" que os ratos infligiram às famílias de Nova York. Nos primeiros 11 meses de sua gestão, ele fez nada menos que seis anúncios que foram divulgados, pelo menos em parte, como esforços antirratos.

Talvez em seu ato mais famoso em seu trabalho anterior como chefe do distrito do Brooklyn, ele organizou a demonstração de uma ratoeira moderna que envolvia tirar ratos afogados de um tanque. Alguns especialistas em saneamento temem que o foco de Adams nos ratos desvie a atenção de necessidades mais urgentes, como o compromisso da cidade de praticamente eliminar o lixo residencial até 2030.

Mas a missão antirratos de Adams está em acordo com seu objetivo maior de acabar com a desordem e fazer os nova-iorquinos se sentirem seguros. Ele reinstituiu unidades anticrime que, em sua versão anterior, eram propensas à violência. E na terça-feira (29), antes de viajar para a Copa do Mundo no Qatar, por meio de uma conferência antissemitismo na Grécia, anunciou uma iniciativa para internar mais agressivamente alguns sem-teto com doenças mentais, contra a vontade deles.

A iniciativa dos ratos foi tratada com um pouco menos de seriedade.

"Apesar de sua bem-sucedida estratégia de engajamento público e presença atrevida nas redes sociais, os ratos não são nossos amigos —eles são inimigos que devem ser derrotados pelas forças combinadas do nosso governo municipal", dizia o anúncio de emprego, escrito por um redator de discursos da prefeitura. "Os roedores espalham doenças, danificam casas e fiações e até tentam controlar os movimentos dos funcionários da cozinha na tentativa de assumir os empregos humanos."

Quando o New York Times enviou a postagem para Juan Ignacio Sanguinetti-Scheck, um pós-doutorando em biologia orgânica e evolutiva na Universidade Harvard que estudou o comportamento de ratos, ele perguntou se o Times estava "gozando" dele. "De jeito nenhum isso é real", disse o estudioso por e-mail.

Mas é.

O prefeito de Nova York, Eric Adams, faz anúncio sobre combate a infestação de ratos quando era chefe do distrito do Brooklyn - Angela Weiss - 5.set.19/AFP

O Departamento de Saúde da Cidade de Nova York já tem um biólogo de roedores, Robert Corrigan, um renomado estudioso de roedores urbanos, que está ocupado instalando sensores de movimento nas ruas da cidade para monitorar o comportamento dos animais. O Departamento de Saúde também tem um Gabinete de Controle de Pragas. Há uma força-tarefa antirroedores por toda a cidade.

Mas o que faltou aos esforços existentes, de acordo com Meera Joshi, vice-prefeito da cidade para operações, é um líder para coordená-los. "A ideia é que um líder experiente e habilidoso possa obter o máximo de eficiência dos diferentes ativos que temos", disse Joshi, que será o chefe do novo "czar" dos ratos. "Qualquer pessoa que conheceu nosso prefeito sabe que é claramente uma prioridade para ele."

Jason Munshi-South, professor de ciências biológicas na Universidade Fordham, que trabalhou em questões relacionadas a ratos urbanos, descreveu a nova posição como "potencialmente uma boa ideia", mas disse que lidar com ratos implicaria mudar a maneira como a cidade de Nova York trata seu lixo.

"O maior problema é a forma como lidamos com o lixo nesta cidade, que basicamente são sacos de comida jogados na rua todas as noites", disse Munshi-South. "O que sabemos que não funciona é simplesmente envenená-los, afogá-los, esse tipo de coisas que surgem."

Benjamin Miller, autor de "Fat of the Land: Garbage in New York, the Last 200 Years" (gordura da terra: lixo em Nova York, os últimos 200 anos) e diretor de políticas do Centro de Design para Lixo Zero, concorda. "Nosso sistema de coleta atual é ideal para os ratos", disse Miller por e-mail. "Antigamente, Nova York exigia por lei o uso de latas de lixo metálicas, para evitar ratos."

As ratazanas são uma espécie invasora. Mas, argumentou Sanguinetti-Scheck, nós também somos. Assim como nós, elas podem transmitir doenças, no caso delas a salmonela e a leptospirose. Esta última, em casos raros, pode causar a morte. Elas também são sociais, inteligentes e brincalhonas.

"Não é brincadeira administrar uma população viva de animais numa cidade", disse Sanguinetti-Scheck. "Obviamente, os ratos existem porque os humanos existem, e eles vivem juntos na mesma selva urbana."

Um autodenominado "advogado dos ratos", Sanguinetti-Scheck acha intrigante que os humanos se sintam à vontade com outros roedores, como esquilos, que também podem transmitir doenças, mas não com ratos. "Alguns acham que tem a ver com a cauda nua, contra as caudas fofas de alguns outros roedores."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves 

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