Lúcia Guimarães

É jornalista e vive em Nova York desde 1985. Foi correspondente da TV Globo, da TV Cultura e do canal GNT, além de colunista dos jornais O Estado de S. Paulo e O Globo.

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Nova York vai internar à força pessoas desabrigadas com transtornos mentais

Prefeito Eric Adams alçou voos retóricos para descrever medida como iniciativa humanitária

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Nova York no mês de dezembro se torna a metrópole mais enfeitada dos Estados Unidos. Nesta quarta-feira (30), a cerimônia anual de inauguração da árvore de Natal do Rockefeller Center, no centro de Manhattan, marca uma tradição que começou há quase um século, distante do atual espetáculo suntuoso com shows de estrelas pop.

A primeira árvore foi acesa no canteiro de obras da construção do Rockefeller Center, em 1931, com o país mergulhado na Grande Depressão, por operários italianos que decoraram um pinheiro modesto com frutas, tiras de papel e latas vazias.

O prefeito de Nova York, Eric Adams, em evento do Partido Democrata - Kena Betancur - 29.nov.22/AFP

Nas linhas de metrô sob o palco do show desta semana começa uma controversa operação policial entre os nova-iorquinos para quem a depressão é presente. O prefeito Eric Adams anunciou que policiais poderão levar à força para hospitais pessoas em situação de rua que aparentem, em sua avaliação, ter transtornos mentais.

A decisão é uma evidente reação a crimes cometidos por agressores que receberam o diagnóstico de algum quadro do tipo. Um desses, qualificado como aleatório e que é raro, mas assustador, ocorre quando passageiros são empurrados nos trilhos do metrô —só neste ano, pelo menos 25 casos foram registrados, com duas mortes de atingidos por trens.

O número de pessoas apreendidas em Nova York com histórico de transtornos mentais subiu nos últimos cinco anos, e hoje elas representam um quarto dos presos na cidade. São duas crises sociais que se alimentam —a da saúde mental, agravada pela pandemia, e da vasta população em situação de rua em grandes cidades americanas.

Estima-se que 3.400 pessoas vivam nas ruas de Nova York —uma fração da população de mais de 70 mil sem-teto em abrigos—, muitas das quais passam mais tempo nas estações e trens quando a temperatura esfria, a partir de outubro; é quando aumentam os incidentes relatados por passageiros.

A Suprema Corte firmou jurisprudência sobre a internação forçada por transtornos mentais na década de 1970, que considerou um cerceamento massivo da liberdade.

Mas o prefeito Adams não mencionou crimes ao anunciar as novas medidas de recolhimento involuntário. Num rebuscado discurso na terça (29), ele alçou voos retóricos para descrever as medidas como parte de uma iniciativa humanitária. Também não explicou como vai cumprir a ambiciosa meta de encontrar leitos psiquiátricos numa cidade que os reduziu pela metade durante a pandemia.

Atualmente a lei determina que um morador em situação de rua levado a um hospital seja avaliado em até 72 horas e, como o leito psiquiátrico é uma das menores fontes de receita no sistema de saúde mais caro do mundo, não é coincidência que esses pacientes sejam rapidamente devolvidos ao relento.

Chamou a atenção como Adams ampliou o cenário que constituiria risco de violência por parte dos desabrigados, usando exemplos como gente que fala sozinha nas ruas. A percepção dos críticos é de que o ex-policial, eleito numa plataforma excessivamente focada em crime, age como se fizesse uma faxina, não um gesto de compaixão, e analistas locais especulam que ações judiciais podem contestar com sucesso a ordem do prefeito.

Pessoas com doenças mentais moram nas ruas em parte porque não existe investimento suficiente em saúde pública —e porque Nova York tem o metro quadrado mais caro do continente. Se fossem ameaçados de internação forçada, quem sabe políticos trabalhassem por uma solução.

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