Biden diz pela 1ª vez estar pronto para discutir fim da guerra com Putin

Com retaliação energética europeia em xeque, americano abre possibilidade de diálogo com russo

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São Paulo

O presidente americano, Joe Biden, afirmou pela primeira vez em público que está disposto a conversar diretamente com seu homólogo Vladimir Putin acerca de uma forma de encerrar o conflito iniciado pela invasão russa da Ucrânia, há pouco mais de nove meses.

A fala culmina semanas de sinalizações por parte dos Estados Unidos. Ainda que mantenha e reitere o apoio ao esforço de guerra de Kiev contra Moscou, Washington sugere que há limites para sua disposição.

Biden e Macron se cumprimentam após fim de entrevista coletiva na Casa Branca
Biden e Macron se cumprimentam após fim de entrevista coletiva na Casa Branca - Jonatham Ernst/Reuters

Até aqui, foram quase US$ 20 bilhões (R$ 104 bilhões) em ajuda militar direta, fora a assistência humanitária, e as sugestões americanas haviam sido indiretas —além de repelidas por Kiev como "uma facada nas costas" de aliados. O restante do apoio bélico vem do Reino Unido (cerca de US$ 2,7 bilhões) e, mais abaixo, o auxílio pulverizado de outros membros da Otan, a aliança militar ocidental.

"Estou preparado para falar com Putin se de fato houver interesse em decidir que está procurando uma maneira de acabar com a guerra. Ele ainda não fez isso", afirmou Biden, que amenizou a disposição ao dizer que "não tem planos imediatos de contatar Putin" e que só o fará após consultas aos aliados da coalizão militar.

Simbolicamente, a frase foi dita em uma entrevista coletiva na Casa Branca com o presidente francês, Emmanuel Macron, que desde antes do começo da guerra em fevereiro buscava uma saída negociada para a crise entre o Kremlin e o Ocidente, centrada no papel da Ucrânia —Moscou a quer neutra ou submissa, mas não como parte da Otan e da União Europeia.

Macron, por sua vez, jogou para a plateia. "Nós nunca iremos pedir que os ucranianos façam um acordo que não seja aceitável a eles. Eles são tão corajosos e defendem precisamente suas vidas, as nações e os nossos princípios", afirmou.

Com efeito, o americano e o francês divulgaram uma declaração conjunta na qual negam a hipótese de aceitar a perda de territórios da Ucrânia para a Rússia —um truísmo, dado que Putin já havia anexado a Crimeia (4% da área ucraniana) em 2014. Hoje, segundo Kiev, 17% da Ucrânia está ocupada.

E afirmaram que os crimes de guerra atribuídos aos russos na invasão, como destruição "intencional de infraestrutura civil", devem ser apurados. Hoje, cerca de metade da rede de distribuição de energia da Ucrânia está fora do ar, devido a uma campanha específica dos russos contra ela, iniciada em outubro.

Antes, Macron havia criticado o plano de Biden para reativar a economia americana, dizendo que ele poderia "dividir o Ocidente".

Há outros fatores a determinar o movimento do líder americano. Na próxima segunda (5), passará a valer um veto completo à compra do petróleo russo pela União Europeia, que prevê a suspensão do recebimento do produto por petroleiros e a punição às empresas de seguro e transporte que trabalharem com os russos.

Só que há uma negociação em curso: a UE quer estabelecer um teto para o preço por barril russo, isentando de embargo tudo o que for vendido abaixo desse valor. O Kremlin já chiou, mas o fato é que a realidade sugere que a medida vá ser inócua para demover Putin —e com potencial destrutivo para toda a indústria petroleira.

"O teto proposto de US$ 65 a US$ 70 por barril não é distante das projeções orçamentárias do Kremlin para este ano. Assim, mesmo com o teto, poderá continuar a vender seu petróleo a clientes europeus sem precisar fazer ajustes significativos no seu orçamento", afirma a economista Ekaterina Zolotova, da consultoria americana Geopolitical Futures.

A questão é que o preço do barril Ural, o tipo vendido pela Rússia, está na casa dos US$ 40. Diferentemente do gás, usado para o aquecimento de casas na Europa, o inverno não afeta seus preços, e a aliança entre Moscou e a Arábia Saudita no âmbito da Opep (clube dos exportadores de petróleo) tem mantido estabilidade favorável a Putin nos mercados.

Cerca de 40% do orçamento federal russo, que banca a guerra, é alimentado por royalties do petróleo e impostos sobre venda de gás natural. Como disse em reportagem nesta quinta (1º) a revista britânica The Economist, o teto é uma forma de pressão, "mas não uma solução mágica".

Em resumo, a medida parece natimorta como instrumento para demover Putin de sua aventura militarista —nem as duríssimas sanções ocidentais tiveram esse efeito, passados nove meses de sua aplicação. Ao contrário, nesta quinta foi divulgado que o PMI (Índice dos Gerentes de Compras, na sigla inglesa) russo teve a maior aceleração em seis anos neste novembro.

O indicador composto mede a saúde do setor manufatureiro, o que tem implicação na geração de empregos, sugerindo uma vitalidade não antevista da economia pressionada no país de Putin.

No campo, as batalhas seguem. A Ucrânia, que nesta quinta admitiu ter sofrido de 10 mil a 13 mil baixas de soldados desde o começo da guerra, afirmou ter identificado uma estranha movimentação de recuo de tropas por parte dos russos na linha defensiva ao longo do rio Dnieper, em Kherson (sul).

Já o Ministério da Defesa da Rússia anunciou a captura de uma série de cidades em Donetsk (leste). Ambas as regiões foram oficialmente anexadas por Putin no fim de setembro.

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