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Presidente da Argentina ordena investigação sobre juízes antes de julgamento de Cristina

Magistrado que promove processo contra vice-presidente teria discutido estratégia para ocultar viagem

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Buenos Aires | AFP

Na véspera de um julgamento que pode condenar a vice-presidente da Argentina, Cristina Kirchner, o presidente Alberto Fernández ordenou nesta segunda-feira (5) a abertura de uma investigação sobre uma suposta viagem que teria sido feita secretamente por um grupo de empresários de mídia, promotores e juízes. Entre os alvos está Julián Ercolini, que conduziu o processo contra Cristina.

O presidente anunciou a medida em um pronunciamento em rede nacional, acusando "grande parte do sistema de mídia privado" de deliberadamente "não noticiar o que aconteceu na viagem do grupo à região do lago Escondido", na Patagônia argentina.

O presidente da Argentina, Alberto Fernández, durante pronunciamento na Casa Rosada, em Buenos Aires
O presidente da Argentina, Alberto Fernández, durante pronunciamento na Casa Rosada, em Buenos Aires - Maria Eugenia Cerutti/Presidência da Argentina/AFP

No caso que será julgado nesta terça (6), o Ministério Público aponta que Cristina liderou uma "matriz de corrupção" ao lado do marido, Néstor Kirchner (1950-2010), quando ambos foram presidentes, de 2003 a 2015. O processo apura irregularidades na concessão de obras públicas na província de Santa Cruz, da qual Néstor foi governador.

O pedido de investigação de Fernández foi feito após a revelação de mensagens nas quais participantes do grupo supostamente combinam estratégias para ocultar a viagem. "Fere a democracia ver a promiscuidade antirrepublicana com que alguns empresários, juízes, promotores e funcionários se movem", disse o presidente.

"Até agora eles se sentiram impunes. É hora de começarem a prestar contas de sua conduta."

A viagem teria sido realizada no dia 13 de outubro ao Lago Escondido, segundo reportagem do jornal Página 12. O grupo, que também incluiria funcionários da Prefeitura de Buenos Aires, voou em um avião particular e teria se hospedado na casa de campo do milionário britânico Joe Lewis.

No último fim de semana veio à tona a série de mensagens, em que foram discutidos também meios de ocultar a origem do financiamento do passeio. Alguns propuseram a apresentação de faturas apócrifas e montagens de fotos.

"Parece evidente que a viagem existiu. E tudo parece indicar que, sabendo que o evento havia virado notícia, aqueles que teriam participado dele ficaram preocupados com o risco real de se envolverem em uma série de crimes, tal como a percepção de que [receberam] presentes e faltaram com o cumprimento das funções de servidores públicos", disse Fernández.

O processo contra Cristina Kirchner, 69, foi conduzido pelo juiz federal Julián Ercolini, que estaria no grupo da polêmica viagem. A Procuradoria pede que a vice-presidente seja condenada a 12 anos de prisão.

À Folha, em entrevista publicada neste domingo (4), a vice-presidente repetiu ser vítima de um "pelotão de fuzilamento" e chamou as acusações de "falsidade absoluta". Ela também comparou seu processo ao do presidente eleito do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), dizendo ser alvo de "lawfare", quando juízes perseguem investigados por razões políticas.

Líderes do Partido Justicialista, Alberto Fernández e Cristina Kirchner acumulam atritos no comando do país. Em março, o atual chefe do Executivo disse que "escuta todo mundo, mas que o presidente" era ele, no que foi interpretado como um recado às supostas interferências feitas pela vice em sua gestão.

Em outro episódio de tensão, Cristina afirmou, num raro ato público em junho em que dividiram o mesmo palco, que o presidente deveria "usar a caneta com os que têm de dar coisas ao país" —uma referência a empresários poderosos. Fernández escutou, com ar de cansaço e cabeça apoiada nas mãos.

Depois, o presidente respondeu ao afirmar que "o poder não é de quem tem ou não a caneta, e sim de quem tem a capacidade de convencer". As trocas de farpas, principalmente relacionadas ao âmbito econômico, provocaram a saída de Martín Guzmán da chefia do Ministério da Economia da Argentina, o que detonou nova crise política no país.

Em setembro, Cristina sofreu um atentado no momento em que chegava em casa, no bairro da Recoleta, em Buenos Aires. Na ocasião, um homem tentou disparar uma arma a poucos centímetros do rosto da vice-presidente —ele foi preso, bem como outras pessoas acusadas de envolvimento no caso.

Como resposta, Fernández decretou feriado nacional o dia seguinte ao ataque para que o povo "pudesse se solidarizar" com a vice-presidente. Desde então ele tem pedido mais união à aliança governista Frente de Todos, da qual a sua legenda, o Partido Justicialista, faz parte.

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