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Saiba o que distancia Cristina Kirchner da prisão e do que ela é acusada na Justiça

Vice-presidente foi condenada a 6 anos na cadeia por desvio de verbas; ainda cabe recurso à decisão

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Petrópolis (RJ)

Uma das figuras mais emblemáticas da política da Argentina, a vice-presidente Cristina Kirchner foi condenada a seis anos de prisão nesta terça-feira (6), considerada culpada no processo que ficou conhecida como "Causa Vialidad".

A pena não significa que Cristina será presa em breve. Pelos cargos que ocupa —além de vice ela é líder do Senado—, a política possui foro especial, que só é passível de ser derrubado mediante um processo de impeachment no Parlamento. Mesmo assim, isso se daria apenas quando fossem esgotadas todas as instâncias de apelação, sendo a Corte Suprema a última delas.

Caso a decisão se mantenha após esgotados os recursos, no entanto, Cristina pode ser proibida de exercer cargos públicos para sempre.

Cristina Kirchner gesticula em tribunal no início de seu julgamento por corrupção, em Buenos Aires - Juan Mabromata - 21.mai.19/AFP

O Ministério Público Fiscal acusava Cristina de ter liderado uma "extraordinária matriz de corrupção", armando e administrando, ao lado de outros 12 réus, um esquema de desvio de verbas na forma de concessões de obras públicas na província de Santa Cruz à empresa de um amigo da família Kirchner, Lázaro Báez. Este também foi condenado a 6 anos de prisão.

Cristina nega as acusações e afirma que elas são uma tentativa de perseguição política pelo Judiciário. Entenda o processo.

Quais são as acusações contra Cristina? A vice-presidente está envolvida em ao menos seis ações na Justiça. Na "Vialidad", ela foi acusada de liderar um esquema de desvio de verbas para estradas e vias públicas na província de Santa Cruz —reduto político dela e de Néstor Kirchner, que governou a região.

Nas palavras da Promotoria, Cristina seria "chefe de uma associação ilícita e de uma gestão fraudulenta que causou danos à administração pública".

Quando os supostos crimes teriam ocorrido e quem são os envolvidos? Outras 12 pessoas também são alvos do processo, que enfoca o período de 12 anos em que os Kirchners ocuparam o poder.

De acordo com a Promotoria, os envolvidos teriam desviado verbas continuamente para a Austral Construcciones, construtora que venceu 78% dos editais para obras públicas na província de Santa Cruz na época. Ainda segundo o órgão, foram constatadas irregularidades nos 51 contratos firmados entre a empresa e o governo, no valor de 46 milhões de pesos. Destes, só 27 foram concluídos, 3 deles no prazo.

A Austral Construcciones pertence a Lázaro Baéz, empresário próximo do casal Kirchner que também é réu na ação e já foi condenado em outra, por lavagem de dinheiro.

O que a defesa alegava? A defesa da vice-presidente bate na tecla de que ela é vítima de "lawfare" —isto é, de que o Judiciário, com a ajuda da imprensa, a persegue devido a razões políticas. Ela ainda acusa os promotores Diego Luciani e Sergio Mola de parcialidade.

Em entrevista à Folha, Cristina comparou sua situação à de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que foi condenado pelo então juiz Sergio Moro e por tribunais superiores na Operação Lava Jato, mas teve os processos anulados pelo STF (Supremo Tribunal Federal) por razões técnicas que incluíam a parcialidade de Moro.

Qual foi a decisão da Justiça? O promotor Diego Luciani havia solicitado uma pena de prisão de 12 anos, condenação máxima a casos de associação ilícita no Código Penal argentino. Ele também tinha pedido que Cristina fosse impedida de concorrer a cargos públicos para o resto da vida e que devolvesse aos cofres públicos 5,3 bilhões de pesos (R$ 200 milhões).

O Tribunal Federal 2 inocentou Cristina do delito de associação criminosa, mas a condenou por fraude e aplicou a pena máxima para a infração, de seis anos de prisão. Os juízes também decidiram impedir que ela exerça cargos públicos para sempre.

Além de Cristina e Báez, foram considerados culpados o ex-secretário José López (6 anos), o ex-presidente do órgão que administra rodovias no país Nelson Pieriotti (6 anos), e outros cinco réus, a penas que variam de 3,5 a 5 anos.

Foram absolvidos o ex-ministro Julio de Vido e outros três réus.

Isso significa que Cristina será presa em breve? Não. Cristina tem imunidade parlamentar garantida até dezembro de 2023, quando termina o seu mandato. Para ser julgada antes disso pela Corte Suprema, o Congresso teria de votar um impeachment de suas funções —e não só não há votos suficientes para isso hoje como a política também é líder do Senado.

Além disso, seu mandato termina no mesmo ano em que ela completa 70 anos. Pela idade, poderia também pleitear uma prisão domiciliar. A expectativa, porém, é de que Cristina seja candidata a algum cargo no pleito do ano que vem e, caso seja eleita, renove sua imunidade.

Quais são as próximas etapas do processo? As partes podem apelar para instâncias superiores —a Câmara de Cassação Penal e a Corte Suprema, respectivamente. A última poderia se pronunciar sobre o caso até 2025.

Como a população se posiciona diante do caso? Como quase tudo relacionado ao nome de Cristina, há divisão. Parte da população acusa a vice-presidente de corrupção, enquanto o restante diz acreditar que ela é vítima de perseguição.

O apoio popular à vice-presidente se tornou mais visível depois que ela foi alvo de uma tentativa de homicídio em frente à sua casa, em Buenos Aires, no início de setembro. Um dia depois, cerca de 500 mil pessoas foram às ruas para protestar contra o ataque.

Também nesta terça apoiadores se uniram em defesa da vice-presidente na frente do tribunal de Comodoro Py, mesmo que ela própria participasse da sessão por videoconferência.

E o presidente, Alberto Fernández? Mesmo vivendo uma disputa interna de poder com Cristina, Fernández fez uma série de demonstrações em apoio à sua vice ao longo dos três anos e meio que durou o processo.

Uma delas aconteceu nesta segunda (5), véspera do julgamento, quando ele ordenou a abertura de uma investigação sobre uma suposta viagem que teria sido feita secretamente por um grupo de empresários, promotores e juízes. Entre eles estaria Julián Ercolini, que participou da condução do processo contra a política.

Fernández ainda tem o poder de indultar Cristina segundo a Constituição argentina. Mas juristas têm dúvidas se o mecanismo seria aplicável a esse caso, por ele tratar de crimes de corrupção.

Este é o único processo a que Cristina responde na Justiça? Não. Ela ainda responde a outras cinco acusações de corrupção, relacionadas ao suposto uso de hotéis de propriedade da família Kirchner, na Patagônia, em esquema de desvio de dinheiro público, enriquecimento ilícito e evasão de divisas. Os filhos do casal, o hoje deputado Máximo e Florencia Kirchner, também são acusados de envolvimento e poderiam ser condenados a prisão.

Em outubro e novembro do ano passado, foram arquivados dois casos envolvendo a política: no primeiro, que uniu as ações batizadas de Los Sauces e Hotesur, ela e os filhos eram suspeitos de lavagem de dinheiro; no outro, Cristina era acusada de acobertar os responsáveis pelo atentado contra a associação judaica Amia, em 1994, que deixou 85 mortos e 300 feridos.

Essa última ação havia sido aberta pelo promotor Alberto Nisman —dias depois de indiciar a então presidente, quando seria interrogado no Congresso, ele foi encontrado em sua casa morto com um tiro na cabeça; até hoje não é conhecido o contexto da morte, se ele se suicidou ou se foi assassinado.

Esta é a primeira vez que um vice-presidente argentino é condenado pela Justiça? Não. O anterior tinha sido o companheiro de chapa da própria Cristina, Amado Boudou, em 2018.

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