Como o menor país da Otan enfrenta um grande problema: armar a Ucrânia

Luxemburgo, com 640 mil habitantes e menos de mil soldados, assinou acordo para comprar 6.000 foguetes a Kiev

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Luxemburgo | The New York Times

As Forças Armadas de Luxemburgo consistem em menos de mil soldados, um avião de carga, dois helicópteros compartilhados com as forças policiais e menos de 200 caminhões, variando de jipes Humvee a cerca de dez veículos Dingo de reconhecimento de combate de última geração.

Não há tanques, aviões de guerra ou mísseis de defesa aérea Patriot para contribuir com a pressão ocidental para armar a Ucrânia. Os 102 mísseis antitanque e 20 mil cartuchos de munição de metralhadora que Luxemburgo enviou de seu arsenal eram o máximo de armas que o país poderia fornecer sem colocar em risco sua própria prontidão militar.

Drone é testado em base militar de Luxemburgo antes de ser enviado às forças da Ucrânia
Drone é testado em base militar de Luxemburgo antes de ser enviado às forças da Ucrânia - Jim Huylebroek - 9.fev.23/The New York Times

Assim, Luxemburgo, uma nação com uma população de 640 mil habitantes, decidiu usar sua considerável riqueza para tentar comprar armas para a Ucrânia e assinou um acordo multimilionário para 6.000 foguetes da era soviética. No final, porém, o governo entregou apenas 600 e teve dificuldades para encontrar maneiras de gastar o dinheiro.

Em uma época em que os estoques ocidentais de armas e munições da era soviética estão acabando, as dificuldades de Luxemburgo oferecem uma visão do difícil problema de fornecer as armas necessárias para a Ucrânia repelir a Rússia até a chegada de sofisticados foguetes, mísseis e tanques ocidentais este ano.

A Ucrânia está queimando munição num ritmo prodigioso desde o início da guerra, contando com aliados para repor seus estoques. Mas não há produtores de armas em Luxemburgo, e o governo já havia dado tudo o que julgava possível de seu próprio arsenal limitado.

Determinado a fazer uma contribuição maior para o esforço de guerra, porém, Luxemburgo montou uma equipe interna de dois negociantes de armas logo após a invasão russa. Eles começaram a vasculhar os mercados de armas comerciais na Europa e nos Estados Unidos e demonstrar que o compromisso de seu país em derrotar a Rússia era tão grande quanto o de seus parceiros muito maiores da Otan.

"Somos muito pequenos e não temos um grande Exército e, portanto, um estoque limitado, e queríamos desde o início ajudar a Ucrânia", disse o ministro da Defesa de Luxemburgo, François Bausch, que também atua como ministro dos Transportes e vice-premiê do país. "Mas somos flexíveis e, portanto, podemos comprar no mercado o que eles precisam e entregar diretamente a eles."

Ele também traçou um paralelo com a história de Luxemburgo como um Estado invadido durante a Primeira e a Segunda Guerras Mundiais. "Fomos ocupados muitas vezes no século passado, então temos uma enorme sensibilidade para o significado do que está acontecendo agora na Ucrânia".

"Não podemos deixar Putin fazer o que ele pretende", acrescentou.

A maioria dos países da Otan está doando de seus próprios arsenais militares, num processo bastante claro, mas alguns também estão comprando armas à venda em mercados comerciais.

Mas esse é um negócio mais obscuro, especialmente quando se compram armas da era soviética que, de outra forma, teriam pouca utilidade para a Otan, de vendedores que talvez não queiram ser identificados por medo de irritar a Rússia e prejudicar seus negócios.

Os homens da nova unidade de compra de armas de Luxemburgo pouco sabiam disso quando vasculharam a Europa. Eles logo descobriram que podiam fazer um pedido de foguetes BM-21 Grads, da era soviética, que seriam produzidos numa fábrica na República Tcheca. Mas, como é comum no mundo imprevisível da aquisição de armas, o negócio logo deu errado.

Lidando com a alta demanda por Grads após o início da guerra, o fabricante tcheco ficou sem peças. Para piorar, a maioria dos fornecedores da empresa estava localizada na Rússia ou em países que se recusavam a exportar equipamentos que pudessem ser usados para ajudar a Ucrânia. Afinal, Luxemburgo teve que se contentar com os 600 foguetes, um décimo de sua meta original.

Nem todos os negócios do país deram errado. Luxemburgo conseguiu entregar ou contratar cerca de US$ 94 milhões (R$ 488,8 milhões) em armas e outras assistências militares para a Ucrânia de fabricantes na Grã-Bretanha, França, Polônia e Holanda –cerca de 16% do orçamento de defesa do país, disse Bausch.

Mas tem sido uma luta, e ainda é uma quantia pequena em comparação com os bilhões de dólares em assistência de segurança que potências da Otan como Grã-Bretanha, Alemanha e EUA deram à Ucrânia desde fevereiro passado. Só esses três países prometeram quase US$ 40 bilhões (R$ 208 bilhões).

Luxemburgo gasta menos com suas Forças Armadas que qualquer outro país da Otan, e foi o único Estado da aliança a contribuir com menos de 1% de seu PIB para a defesa nacional no ano passado. (Os membros da Otan se comprometeram a gastar pelo menos 2% de seu PIB em defesa, mas apenas cerca de um terço dos 30 países o fazem.)

E Luxemburgo, com um PIB acima de US$ 130 mil (R$ 676 mil) por pessoa –de longe o mais alto da Otan–, contribuiu com apenas US$ 25 milhões (R$ 130 milhões) para a Ucrânia em ajuda humanitária e contribuições para programas da Otan e da União Europeia que estão apoiam Kiev.

Homem faz manutenção em veículo de reconhecimento em base militar de Luxemburgo
Homem faz manutenção em veículo de reconhecimento em base militar de Luxemburgo - Jim Huylebroek - 9.fev.23/The New York Times

Isso atraiu críticas de aliados habitualmente favoráveis, sobretudo no contexto do conflito em curso. "A rápida evolução do contexto de segurança nos obriga a encontrar argumentos para fazer mais, em vez de razões pelas quais isso seria difícil", escreveu o embaixador dos EUA em Luxemburgo, Thomas M. Barrett.

Mas as autoridades luxemburguesas disseram que é mais complicado que isso. Mesmo que o governo decida destinar mais dinheiro para as Forças Armadas da Ucrânia não há pessoal suficiente em seu departamento para decidir como gastá-lo rapidamente e sem o risco de ser mal utilizado, disse Bausch.

E resta o problema de encontrar armas para comprar, como logo descobriram os dois negociantes internos de armas –ambos oficiais militares que foram enviados para zonas de conflito.

Em uma ampla entrevista este mês, na qual eles insistiram no anonimato por razões de segurança, a dupla descreveu negociações meticulosas e muitas vezes frustrantes com corretores comerciais, ligações frias para fabricantes e até buscas no Google para rastrear armas que a Ucrânia diz precisar.

A munição continua no topo da lista, mas às vezes essa busca leva a um beco sem saída. Algumas vezes os preços foram inflacionados. Em outros casos, disseram eles, outros compradores –incluindo países aliados– arrebataram o material antes que pudessem fechar o negócio.

E há o caso dos foguetes BM-21 Grad, que foram prejudicados pelos limites de fabricação. Nem tudo estava perdido, no entanto, pois os negociantes de armas de Luxemburgo rapidamente contrataram o mesmo fabricante tcheco para comprar munição de calibres da Otan e da era soviética, a serem entregues no final desta primavera. O fabricante, que os negociantes pediram que não fosse identificado por questões de segurança, também vendeu a eles 12,5 mil granadas antitanque RPG-7, uma versão de uma arma soviética, que foram entregues à Ucrânia nos primeiros meses da guerra.

Os comerciantes disseram que há pouco espaço para negociação de preços, visto que as armas estão em alta demanda. E, se tudo correr bem, o que está longe de ser garantido, demora pelo menos duas semanas para aprovar a venda, redigir o contrato e obter as aprovações necessárias.

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