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Terremoto na Turquia e na Síria: 'Como salvar meu filho em cenário apocalíptico?'

Homem conta ter visto dois prédios residenciais desabarem a cerca de 150 metros de onde estava

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Lina Shaikhouni
BBC NEWS

É o pior pesadelo de todo pai. Seu filho está doente, você o leva ao hospital e o interna. Você dá um pequeno suspiro de alívio e sai por um minuto do quarto. Nesse exato momento, a vida assumiu um tom infernal para Ismael, um jornalista radicado na província de Idlib, no norte da Síria.

Às 4h18 de segunda-feira (6) horário local, noite de domingo no Brasil, ocorreu um forte terremoto de magnitude 7,8. Tudo ao redor tremeu violentamente por dois minutos. "Então o terremoto ficou mais forte", conta ele por telefone. "A luz acabou, e a entrada do hospital, que era feita de vidro, quebrou."

Ismael e seu filho Mustafa no hospital, em foto feita minutos antes do terremoto
Ismael e seu filho Mustafa no hospital, em foto feita minutos antes do terremoto - Arquivo Pessoal

Ele viu dois prédios residenciais desabarem a cerca de 150 metros de onde estava e ficou desorientado na escuridão repentina. "Era um cenário apocalíptico. Comecei a imaginar como resgatar meu filho dos escombros." Um minuto depois, viu Mustafa correndo em sua direção, gritando e chorando. Ele havia arrancado seu próprio soro intravenoso, e o sangue escorria de seu braço.

Por até uma hora, ninguém conseguiu chegar até os prédios desabados.

Também era impossível telefonar para a Defesa Civil devido aos cortes de energia e de internet. A cidade de Al-Dana é controlada pela oposição ao regime da Síria, perto da fronteira com a Turquia. As unidades de Defesa Civil são os únicos socorristas na ausência de quaisquer serviços governamentais. Mas a escala da devastação impossibilitou que eles chegassem aos locais onde há pessoas que precisam de resgate.

Horas depois, Ismael foi verificar a situação em toda a província de Idlib. "O dano é indescritível. As áreas mais afetadas são aquelas que haviam sido bombardeadas pelo governo sírio ou pelas forças russas."

A Primavera Árabe na Síria em 2011 se tornou uma sangrenta guerra civil. O regime sírio, apoiado pela Rússia, atacou áreas controladas pelos rebeldes. A guerra levou a um impasse: hoje, o noroeste do país virou uma "colcha de retalhos" de zonas controladas por forças da oposição ou pelo regime de Damasco.

Ismael conta ter visto dezenas de edifícios residenciais destruídos na cidade de Atareb, ao norte de Aleppo. "As equipes de resgate não conseguem chegar a muitos prédios e bairros por falta de equipamentos. Realmente precisamos da ajuda de organizações internacionais."

Recursos preciosos

Osama Salloum trabalha para a Fundação da Sociedade Sírio-Americana de Medicina (SAMS, na sigla em inglês), que apoia vários hospitais em todo o noroeste controlado pela oposição. "Eu estava no hospital em Atareb horas após o terremoto. Quando saí de lá, havia 53 mortos. Não consegui contar os feridos."

Ele diz que mais de 120 pessoas já morreram só nesse centro médico e que os hospitais têm poucos recursos para lidar com um desastre desta magnitude. "A maioria das pessoas salvas dos escombros tem ferimentos profundos que precisam de tratamento especializado e equipamentos avançados", afirma ele.

O hospital de Atareb tem apenas um tomógrafo antigo.

A maior parte da ajuda que chega à Síria pela Turquia está sujeita a rigorosas verificações. Como a própria Turquia está enfrentando uma crise humanitária, não está claro quais suprimentos chegarão às áreas controladas pela oposição na Síria. "Se ficarmos sem nossos suprimentos médicos atuais, sofreremos."

Em choque

O terremoto também atingiu áreas controladas pelo regime no norte. Aya, que só se sente confortável em revelar seu primeiro nome, estava visitando sua família na cidade de Latakia quando o terremoto atingiu o local. A chef de cozinha de 26 anos estava dormindo com a mãe e três irmãos quando faltou luz.

"Eu me levantei da cama, mas não tinha certeza do que tinha me acordado", conta. "Não entendi o que estava acontecendo até que vi o resto da minha família acordada."

A casa de sua família fica em uma rua grande da cidade e tem janelas de vidro por toda parte. "Não conseguíamos nos mover devido à força do terremoto", diz ela. "Ficamos plantados no mesmo lugar."

A mãe de Aya tem doença de Parkinson. Ela estava completamente em pânico. "Eu estava em choque e não conseguia me mexer. Fiquei vendo as paredes tremendo e se mexendo para frente e para trás. Não consigo nem descrever o quão surreal era essa situação."

Haneen, uma arquiteta de 26 anos, também mora em Latakia. Ela disse que jovens no seu bairro armaram barracas para as pessoas se protegerem da chuva. Na Turquia, tendas geralmente são usadas para abrigar parentes e amigos durante funerais. Para Haneen, a visão das barracas é algo sombrio.

Sua mãe estava em sua vila natal e não corre perigos. Mas Haneen está traumatizada. "Não sei se ajudei minha irmã a sair de casa primeiro ou se fui eu quem saiu. Não tenho coragem de perguntar a ela."

Elas se abrigaram em frente à padaria local, mas depois voltaram para casa. "Passamos pela guerra e fomos forçadas a deixar nossa casa em 2012. A sensação que tive no meio do terremoto foi diferente da que senti durante a guerra. Senti que naquele momento tudo ao meu redor poderia desabar. Senti que poderia perder minha mãe ou minha irmã. Foi muito pesado e difícil."

Elas partiram para Damasco, para fugir do terremoto. Mas, mesmo longe, Aya conta que ficou tonta por horas, como se o terremoto ainda estivesse acontecendo. "Foi como se uma ferida estivesse sendo reaberta. Uma grande ferida que estava cicatrizando lentamente, mas que reabriu novamente", diz, em referência a mais de uma década de guerra civil.

Para Salloum, o terremoto também o trouxe de volta aos piores dias da guerra: os bombardeios ao leste de Aleppo, região controlada pela oposição. "Senti que a morte estava próxima", diz ele. "Continuei ouvindo prédios e pedras desmoronando." Ele descreve o caos dos primeiros momentos do terremoto, ouvindo as pessoas entrarem em pânico e gritarem por socorro. "Eu não conseguia entender o que estava acontecendo. Tem sido um dia difícil e não tem fim à vista."


Este texto foi publicado originalmente aqui.

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