Descrição de chapéu The New York Times

Após assassinato de homem negro, polícia de cidade dos EUA promove série de mudanças

North Charleston adotou alterações nos procedimentos das forças de segurança depois da morte de Walter Scott, em 2015

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NORTH CHARLESTON, Carolina do Sul | The New York Times

Quando Walter Scott, um homem negro desarmado, foi morto por um policial em North Charleston durante uma vistoria de rotina no trânsito, a cidade entrou em tumulto.

O vídeo do tiroteio apareceu em toda a parte. Houve protestos, acusações de policiamento racista e agressivo, exigências por reformas e familiares transtornados se manifestando, muitas vezes ladeados por líderes de direitos civis.

Isso foi há quase oito anos. Desde então, o policial que atirou em Scott foi condenado a 20 anos de prisão. A prefeitura fez um acordo de US$ 6,5 milhões com a família de Scott.

Reprodução de vídeo mostra o momento em que o policial Michael Slager se prepara para atirar em Walter Scott em 4 de abril de 2015 em North Charleston, na Carolina do Sul - Reuters

A força policial de 355 membros tornou-se significativamente mais diversa, com 69 oficiais negros contratados desde 2018. É agora liderada por seu primeiro chefe afro-americano, que convida o irmão de Scott para conversar com novos recrutas.

No entanto, a morte de Scott ainda lança uma longa sombra sobre North Charleston, a terceira maior cidade do estado da Carolina do Sul, com uma população de cerca de 117 mil habitantes e números quase iguais de residentes negros e brancos.

Na próxima semana, o chefe de polícia participará de uma reunião pública para responder a perguntas persistentes sobre disparidades raciais no policiamento.

"Foi difícil, ainda é difícil", disse o chefe Reggie Burgess, que começou sua carreira fazendo patrulhas em 1989 e agora está pensando em se candidatar a prefeito. "Estou tentando mudar a percepção do departamento de polícia de North Charleston, e parte disso é fazer que minha força veja o lado humano da nossa comunidade e imagine como seria para um membro da comunidade ser maltratado."

North Charleston mostra como é complexo, lento e, muitas vezes, acidentado o percurso após uma crise como essa, na qual a raça desempenha um papel –o tipo de crise que continua tragando departamentos de polícia e comunidades, anos após o assassinato de George Floyd.

A recente morte brutal por espancamento de Tyre Nichols em Memphis, no Tennessee, mergulhou o país novamente numa discussão sobre policiamento e raça, e forçou outra cidade americana a confrontar uma relação entre polícia e comunidade que provavelmente levará anos para ser consertada.

"Eu vi o vídeo de Nichols e soube o que Memphis enfrentaria", disse a tenente Tireka Wright, membro há 16 anos da polícia de North Charleston. "Seguimos esse caminho depois do tiroteio em Scott. E sabemos que é uma longa estrada."

Em North Charleston, enquanto o departamento tentava acabar com a desconfiança pública e mudar suas estratégias de policiamento, uma auditoria concluída em 2021 confirmou o que alguns residentes achavam: que havia disparidades raciais em muitas interações da polícia com a comunidade, incluindo batidas de trânsito, prisões e uso de força.

Desde então, o departamento tomou medidas para abordar os problemas apontados pela auditoria, e os residentes disseram ter sentido algumas melhorias.

O relatório, que analisou dados, políticas e treinamento do departamento, juntamente com entrevistas com policiais e membros da comunidade, levantou questões sobre a fiscalização. Durante anos, ativistas pediram a criação de um conselho de supervisão civil para atender às reclamações dos cidadãos contra policiais em uma comunidade que às vezes ainda se sente maltratada.

Os assassinatos de Floyd e Breonna Taylor pela polícia desencadearam um movimento social, mas os resultados até agora têm sido ambíguos. Muitos departamentos de polícia americanos cortaram orçamentos, testaram métodos diferentes e deram prioridade à diversidade na contratação de policiais.

Protesto contra a morte da jovem Breonna Taylor, assassinada pela polícia em Louisville, no Kentucky, em 2020 - Bryan Woolston/Reuters

Governos de todo o país aprovaram mais de 140 novas medidas de policiamento, muitas focadas em limitar o uso da força, proibir estrangulamentos, exigir medidas para reduzir as tensões e responsabilizar os policiais. Outros municípios, porém, aumentaram seus orçamentos e abandonaram as promessas anteriores de mudança.

As consequências da morte de Scott mostram como os departamentos trabalham para se recuperar após um assassinato policial. Burgess disse que o trabalho exige fazer malabarismos com demandas conflitantes: equilibrar a honestidade sobre o que deu errado com a elevação do moral dos policiais, enquanto se avança em mudanças para abordar quaisquer aspectos do policiamento que tenham dado errado.

Nesse caso, como em muitos outros, foi uma batida de trânsito que levou à morte de Scott.
O departamento enfatizou o policiamento comunitário, em parte para ajudar a reparar a percepção do público –embora a auditoria tenha descoberto que alguns policiais não entenderam, nem adotaram o conceito. A estratégia incluía tornar os policiais mais visíveis além de responder a crimes.

Os policiais também foram enviados para treinamento sobre equidade racial e combate ao preconceito.

Em North Charleston, as tensões entre a população e a polícia explodiram à vista do público na manhã de 4 de abril de 2015, quando o policial Michael Slager parou o carro de Scott, 50, por causa de uma lanterna traseira quebrada. As tensões se exacerbaram rapidamente, e os dois entraram em choque. Slager disparou sua arma enquanto Scott fugia.

O tiroteio fatal, junto com um vídeo de celular que mostrou inconsistências no primeiro relato do policial, minou um relacionamento já tenso entre a população negra e a polícia. Também renovou as questões sobre a composição racial de um departamento predominantemente branco.

Para os policiais negros, o momento foi especialmente tenso. Esfriou algumas amizades, revelando o delicado equilíbrio entre suas identidades profissionais e pessoais. "Eu chamo o período após a morte de Walter Scott de marco zero", disse Burgess, 57, que servia como delegado adjunto quando Scott foi morto.

"Mesmo na comunidade da minha igreja, o tratamento era um pouco diferente", lembrou Burgess recentemente. "Eu estava acostumado com grandes abraços dos idosos da igreja aos domingos. Eles mudaram para apertos de mãos. Havia distância. Eles não estavam com raiva de mim pessoalmente, mas eu faço parte da instituição."

Após a morte de Scott, o estado aprovou uma lei exigindo que todos os policiais da Carolina do Sul fossem equipados com câmeras corporais, mas a divulgação das imagens foi deixada a critério da agência policial.

Ativistas e grupos comunitários de North Charleston queriam que fosse criado um conselho de supervisão civil com poderes de intimação. A cidade criou uma comissão consultiva, que poderia fazer recomendações, mas não impor punições. Os ativistas também exigiram um estudo de preconceito racial no departamento de polícia.

Familiares de Walter Scott depositam flores no local onde ele foi assassinado em North Charleston, na Carolina do Sul - Jim Watson/AFP

"Na maioria das vezes, nossas demandas foram ignoradas ou descartadas", disse Thomas Dixon, pastor de igreja e ativista comunitário. "Mas devo dizer que, anos depois, as coisas melhoraram. Eu costumava receber ligações o tempo todo sobre maus-tratos da polícia. Isso não acontece mais com muita frequência."

Em 2020, a prefeitura encomendou uma auditoria, que foi conduzida por uma empresa de consultoria com sede na Virgínia. Foi estimulada em parte pelos protestos generalizados por justiça social naquele verão.
Em entrevistas da auditoria, moradores de alguns bairros negros e hispânicos disseram que se sentiam policiados de forma muito agressiva.

A auditoria constatou que, de 2016 a 2020, cerca de 63% das prisões da força foram de residentes negros, embora representassem apenas 47% da população da cidade. Da mesma forma, 67% dos incidentes de uso da força policial naquele período envolveram pessoas negras, e apenas 21% envolveram pessoas brancas, que representavam 45% da população.

Os membros da comunidade expressaram frustração com o fracasso da prefeitura em criar um conselho de supervisão civil, que eles viram como um primeiro passo para uma melhor responsabilidade e transparência da polícia.

A auditoria concluiu que "as disparidades raciais estão presentes em muitas" das "interações do departamento com a comunidade" e apontou um "potencial viés sistêmico, organizacional ou individual".
Dixon disse que o departamento fez progressos, mas ainda enfrenta problemas, incluindo o aumento da violência armada.

"O assassinato de Walter Scott inflamou a comunidade", disse ele. "Mas o ponteiro não se moveu da noite para o dia, e ainda temos alguns policiais que acreditam no regime da lei e da ordem", disse ele, referindo-se às táticas agressivas da polícia. "Eles precisam ser desprogramados."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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