Descrição de chapéu LGBTQIA+ África

Ativistas em Uganda temem volta de lei que previa prisão perpétua para LGBTQIA+

Proposta aplaudida no Parlamento promete endurecer legislação atual, que já proíbe relações homossexuais

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São Paulo

Ativistas LGBTQIA+ de Uganda temem que parlamentares ressuscitem uma lei que previa prisão perpétua para atos homossexuais, como viver maritalmente ou trocar carícias em público com uma pessoa do mesmo sexo. A legislação havia sido considerada inconstitucional pela Suprema Corte do país em 2014, mas por uma questão técnica —segundo o colegiado, a votação do projeto, no ano anterior, não havia registrado quórum suficiente.

Homens exibem bandeira com as cores do arco-íris em que se lê 'junte-se ao movimento para encerrar o genocídio LGBT' durante Parada do Orgulho LGBTQIA+ anual em Entebbe, Uganda - Isaac Kasamani - 9.ago.14/AFP

Relações entre pessoas do mesmo sexo já são proibidas na nação africana, um resquício do código penal da era colonial. Uma proposta apresentada nesta terça-feira (28) pelo congressista Asuman Basalirwa criminalizaria, porém, atividades como "auxiliar, ser cúmplice de, promover" a homossexualidade, espelhando a legislação aprovada uma década atrás.

"Estamos justamente retomando essa lei", afirmou o deputado ao portal ugandês Monitor, acrescentando que algumas mudanças seriam feitas ao texto original de modo a refletir o contexto contemporâneo. Uma delas torna ilegal se identificar como transgênero ou queer, por exemplo.

A essa altura, não estão claros nem o cronograma para a votação da lei nem quem a apoia —o que o Parlamento concedeu a Basarliwa, do partido de oposição ao regime Fórum da Justiça (Jeema), foi uma espécie de sinal verde para que o projeto vá a plenário, endossado por outros sete congressistas. Mas um rascunho inicial do projeto, disponibilizado online, permite entrever seu amplo escopo.

O documento divide os crimes em duas categorias, homossexualidade —isto é, ter relações com pessoas do mesmo sexo—, e ofensas secundárias. A primeira prevê até dez anos de prisão de pena, e lista como agravantes condições como o acusado ser portador de HIV ou ter praticado o ato sexual com um menor de idade, reiterando estereótipos preconceituosos associados à comunidade LGBTQIA+.

Já as penas pelas infrações secundárias, como "auxiliar, aconselhar, ou buscar alguém para se envolver em atos homossexuais" ou manter viver uma relação marital homossexual, tendem a ir de um a dez anos de prisão.

Ao apresentar sua proposta ao restante do Congresso, Basalirwa chamou a homossexualidade de um câncer que "ofende as leis ugandesas e ameaça a santidade da família, a segurança de nossas crianças e a perpetuação da humanidade pela via da reprodução". Foi aplaudido.

Para ativistas, na prática, o projeto tornaria a própria identidade LGBTQIA+ ilegal, dando margem para a repressão de indivíduos que se reconhecem dentro dessa comunidade. "É simplesmente uma lei para perseguir e demonizar pessoas LGBT", afirmou Adrian Jjuuko, diretor-executivo do Fórum de Conscientização e Promoção dos Direitos Humanos, ao Guardian.

A ex-colônia britânica é majoritariamente conservadora e cristã —no censo mais recente, realizado em 2014, 82% da população se declarou cristã, sendo 39% católicos romanos, 32% anglicanos, e 11% evangélicos. Organizações de direitos humanos afirmam que crimes de ódio contra pessoas LGBT são comuns no país, mas a maioria das vítimas não reporta os episódios à polícia.

Recentemente, políticos também têm afirmado que um suposto fortalecimento da comunidade LGBTQIA+ local é um fenômeno importado do exterior. Foi o caso do ditador ugandês, Yoweri Museveni, no mês passado. "Dizemos a eles [os países ocidentais]: 'por favor, este problema da homossexualidade não é algo que vocês deveriam normalizar e celebrar. Mas eles não ouvem, não respeitam a opinião dos outros, querem transformar o anormal em normal e forçar os outros a fazê-lo", disse o líder, no poder há quase quatro décadas.

A presidente do Parlamento, Anita Among, falou algo semelhante em uma missa que reuniu diversos líderes religiosos na Casa. "Queremos agradecer àqueles que incentivam a homossexualidade pelo desenvolvimento socioeconômico que proporcionaram ao nosso país. Mas não apreciamos o fato de que eles estão matando nossas virtudes", disse ela.

A perseguição à comunidade LGBTQIA+ tem crescido no país nos últimos meses. No mês passado, a própria Among designou o comitê de Educação do Parlamento para investigar escolas que supostamente encorajam a homossexualidade por meio de seus materiais didáticos —não há evidências da prática. A decisão da Igreja Anglicana de abençoar casamentos civis de casais homossexuais no mês passado também inflamou parte da população.

Levantamento do ILGA (Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Trans e Intersexuais) de 2020 indica que relações homossexuais consensuais são criminalizadas em mais de 30 dos 54 países africanos. O continente abriga 46% das nações do mundo que consideram a prática ilegal.

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