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Governista vence eleição na Nigéria em pleito plural, mas sob sombra de fraudes

Órgão eleitoral declara Bola Tinubu novo presidente do país mais populoso da África em eleições consideradas históricas

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São Paulo

Para os que esperavam uma mudança histórica, houve certa frustração: maior democracia da África, a Nigéria elegeu Bola Tinubu, 70, o candidato governista, para substituir Muhammadu Buhari na Presidência. O anúncio foi feito nesta quarta-feira (1º) pelo órgão eleitoral nigeriano e, como já esperado, despertou acusações de fraude.

Ainda assim, nunca na história democrática do país, que despediu-se de uma ditadura em 1999, o mapa eleitoral se mostrou tão colorido: votos somados, o resultado revela que cada um dos três principais candidatos obteve a maior parte dos votos em 12 dos 36 estados.

Bola Tinubu, presidente eleito da Nigéria, discursa em Abuja
Bola Tinubu, presidente eleito da Nigéria, discursa em Abuja - Esa Alexander - 1º.mar.23/Reuters

No pleito anterior, em 2019, o cenário era distinto: com um sistema que favorece partidos tradicionais, com grande capital político —e, claro, dinheiro—, apenas o governista Congresso dos Progressistas, e a principal legenda de oposição, o Partido Democrático do Povo, partilharam vitórias.

A vitória de Tinubu, que obteve 37% do total nacional de votos, justifica-se pelo modelo eleitoral: para vencer, um candidato não precisa ter maioria em todos os estados, mas sim deve necessariamente obter mais de 25% dos votos em ao menos 24 dos 36 estados, feito alcançado pelo nome governista.

Aí reside o primeiro desafio do novo presidente: conquistar a confiança de um país que, com níveis extremos de violência e uma grave crise econômica, não votou em sua maioria pelo partido governista. Trata-se da primeira vez, desde 1999, que o eleito não supera 50% da preferência dos nigerianos.

Os principais concorrentes de Tinubu, Atiku Abubakar (Partido Democrático do Povo) e Peter Obi (Partido Trabalhista) obtiveram, respectivamente, 29% e 25% do total de votos —o que, durante a apuração, despertou a expectativa de que o país tivesse um segundo turno pela primeira vez em sua história.

As cifras também frustraram a expectativa de maior participação nas urnas. Com um histórico de ampla abstenção, grupos políticos fiavam à introdução do Bvas, sistema de biometria digital lançado para evitar fraudes, a esperança de que os índices de participação fossem maiores.

Votos contados, porém, observa-se que somente 29% dos mais de 87 milhões de eleitores compareceram às urnas —o voto não é obrigatório no país. A cifra é bem menor que a de eleições anteriores: 2019 (35%), 2015 (43%), 2011 (54%), 2007 (58%), 2003 (69%), 1999 (52%).

Amaka Anku, analista para África na consultoria Eurasia Group, ressalta que há mais fatores a serem considerados que a simples porcentagem de participação. Segundo ela, as cifras dos pleitos anteriores, quando ainda não havia um sistema de biometria e a fiscalização era menor, era inflado.

E agora, nas eleições do último sábado (25), o número de eleitores esperados estava acima da realidade, uma vez que houve pouco esforço da administração pública para retirar da lista dos aptos a votar pessoas que já morreram, por exemplo.

Para Anku, que percorreu diferentes polos de votação, "o Bvas funcionou bem, e a eleição definitivamente foi competitiva". Um problema, no entanto, foi identificado no momento de disponibilizar os resultados online, tarefa que, em teoria, seria agilizada pelo novo sistema. Até aqui, uma das hipóteses é de que a dificuldade de conexão à internet em algumas regiões do país atrasou o processo.

Ainda no dia de votação, eleitores reclamaram das longas filas. O prazo de votação foi estendido para que aqueles que já estivessem nos locais designados pudessem participar. Há relatos ainda de unidades onde funcionários do Inec, o órgão eleitoral, não compareceram para supervisionar a votação.

Os principais opositores, Abubakar e Obi —o último um inédito nome de terceira via, líder do movimento autodenominado "obidientes"— não se manifestaram sobre a vitória de Tinubu. Mas seus partidos já fizeram acusações de fraude. O Partido Trabalhista afirmou que "a contestação legal [do resultado] está sendo preparada".

O Inec rebateu as alegações. "Há procedimentos a serem seguidos por partidos que se sintam lesados, mas eles não incluem pedir a renúncia do diretor do Inec ou a anulação de um pleito." Tinubu também defendeu, por óbvio, a integridade da votação: "As eleições foram transparentes, não importa o que digam. Os problemas relatados foram relativamente poucos e não afetariam o resultado final."

Eleito duas vezes governador de Lagos na virada dos anos 2000, o presidente eleito ficou conhecido por ter aumentado as receitas do estado que abriga a cidade homônima, capital econômica da Nigéria. Ele também conseguiu reduzir a taxa de crimes violentos, desafogar o trânsito local e limpar as ruas.

Nos bastidores, é conhecido como o "padrinho da Nigéria" —mesmo quando esteve fora de cargos de poder, usou seu capital político para apoiar candidatos. Dias antes da votação, ele procurou de desassociar de alguns insucessos de seu partido e personalizar a disputa. "Meu histórico deve falar por mim. Olhe para Lagos: antes de eu chegar, tínhamos cadáveres na estrada, um sistema de trânsito caótico, roubos durante o dia e à noite. Vamos lá, batam palmas para mim."

O partido de Tinubu assiste a um processo de desidratação. Em Lagos, somou 45,04% dos votos. A maior fatia, porém, foi para Obi, que abraçou 45,81%. O trabalhista também ficou com a maioria na capital, Abuja, (61,2%), onde o candidato eleito não chegou a somar um quarto dos votos —ficou com 19,7%.

Tinubu terá de lidar ainda com desafios nos quais Muhammadu Buhari, atual presidente, não obteve êxito, em especial a violência que assola a nação de 221 milhões de habitantes —hoje o sexto país mais populoso do mundo e, no final do século, o terceiro, segundo projeções da ONU.

Além da atuação de grupos terroristas, como o Boko Haram e o Estado Islâmico (EI) no norte, crescem os conflitos comunitários envolvendo disputas por terras cultiváveis, além de episódios de separatistas da região do Biafra, palco de uma guerra civil de 1967 a 1970.

O maior produtor de petróleo da África ao lado de Angola também vê a crise econômica se agravar: 33% da população estava desempregada em 2020, e o país vê uma escassez de papel-moeda enquanto tenta atualizar a naira, num esforço contra a lavagem de dinheiro e a corrupção.

Colaborou Clara Balbi

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