Coreia do Sul vê exportação de armas escalar na guerra, mas evita enviá-las à Ucrânia

País concentra produção em morteiros autopropulsionados K9 mirando Coreia do Norte e suprimento de demanda ocidental

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Choe Sang-Hun
Changwon (Coreia do Sul) | The New York Times

Um ano se passou desde que a Rússia invadiu a Ucrânia, e, nesse período, a guerra desencadeou um esforço global para produzir mais mísseis, tanques, projéteis de artilharia e outras munições. E poucos países agiram tão prontamente quanto a Coreia do Sul para aumentar sua produção.

Em 2022 as exportações sul-coreanas de armas subiram 140%, chegando ao valor recorde de US$ 17,3 bilhões (R$ 90 bi), incluindo acordos no valor de US$ 12,4 bilhões (R$ 64 bi) para venda de tanques, obuses, caças e lançadores múltiplos de foguetes para a Polônia, uma das principais aliadas da Ucrânia.

O presidente da Polônia, Andrzej Duda, na cidade de Gdynia, durante cerimônia de entrega de tanques produzidos na Coreia do Sul a pedido de seu governo
O presidente da Polônia, Andrzej Duda, na cidade de Gdynia, durante cerimônia de entrega de tanques produzidos na Coreia do Sul a pedido de seu governo - Mateusz Slodkowski - 6.dez.22/AFP

Mas enquanto amplia suas vendas de armas globalmente, a Coreia do Sul se nega a enviar assistência letal à própria Ucrânia. Em vez disso, concentra-se em suprir o déficit mundial de rearmamento, evitando desempenhar qualquer papel direto em armar Kiev.

A cautela sul-coreana se deve em parte à sua relutância em antagonizar abertamente a Moscou, cuja cooperação espera conseguir para impor novas sanções à Coreia do Norte, cada vez mais beligerante. Países da América Latina, Israel e outros também têm se negado a enviar armas diretamente à Ucrânia.

No entanto, são poucos os países cuja indústria da defesa cresceu tanto em decorrência da invasão russa quanto a Coreia do Sul. A despeito de apelos da Ucrânia e da Otan, Seul continua a percorrer uma corda bamba, equilibrando-se entre sua aliança constante com Washington e seus próprios interesses nacionais e econômicos.

Diferentemente dos aliados dos EUA na Europa, que após o fim da Guerra Fria reduziram suas Forças Armadas e capacidades de produção de armamentos, a Coreia do Sul manteve uma robusta cadeia de fornecimento para atender às demandas de suas próprias forças e proteger-se contra a Coreia do Norte.

Desde a invasão russa, a produção de lançadores de foguetes e outras armas de países fornecedores de armas, como os EUA, tem sido insuficiente. A Alemanha e outros países também têm dificuldade em dispor de tanques suficientes para enviar a Kiev. Compradores começaram a procurar em outros lugares.

Com os países do Leste Europeu correndo para reequipar e modernizar suas Forças Armadas depois de enviar seus armamentos da era soviética à Ucrânia, a Coreia do Sul tornou-se uma alternativa atraente.

Os contratos para a compra dos tanques e obuses pela Polônia foram fechados no final de agosto com as maiores empresas sul-coreanas do setor de defesa. O primeiro carregamento levou pouco mais de três meses para chegar. A Polônia apreciou a rapidez.

"Quando um carregamento é recebido, dizem que já estávamos aguardando este dia havia muito tempo", disse o presidente polonês, Andrzej Duda. "Quero destacar com grande satisfação que não aguardamos muito tempo."

Os pedidos da Polônia foram uma dádiva para o governo do presidente Yoon Suk-yeol, que prometeu até 2027 converter seu país no quarto maior exportador de armas, depois dos EUA, Rússia e França.

Entre 2017 e 2021, a Coreia do Sul foi o país cujas vendas mais cresceram entre os 25 maiores exportadores de armas do mundo, tendo ficado em oitavo lugar no ranking, com uma participação de 2,8% do mercado global, segundo o Instituto Internacional de Pesquisas para a Paz de Estocolmo. Isso foi antes de o país fechar contratos com Polônia, Egito e Emirados Árabes Unidos.

A Hanwha Aerospace, maior empresa sul-coreana do setor de defesa, está mais ocupada que nunca e pretende multiplicar sua capacidade de produção por três até 2024.

Numa tarde recente em Changwon, cidade industrial na costa sul da Coreia do Sul, a arma mais vendida do país, o morteiro autopropulsionado K9, estava tomando forma entre faíscas incandescentes e perfurações robóticas dentro de uma fábrica da Hanwha do tamanho de seis campos de futebol.

"Precisamos construir mais duas linhas de montagem para atender à demanda crescente", disse o engenheiro Park Sangkyu sobre os pedidos de K9s recebidos. Ele apontou para espaços vazios onde as novas instalações serão erguidas. O layout da fábrica gigantesca está sendo modificado para recebê-las.

A Coreia do Sul denunciou a invasão da Ucrânia, e Yoon prometeu proteger valores como a liberdade e a ordem internacional "baseada em normas". Mas a ânsia de Seul em aumentar suas exportações de armas no meio da guerra também chama a atenção para suas dificuldades em equilibrar-se sobre a corda bamba.

O presidente russo, Vladimir Putin, avisou a Coreia do Sul que ela não deve dar ajuda militar à Ucrânia, dizendo que isso estragaria as relações entre Moscou e Seul e poderia levar a Rússia a aprofundar seus laços militares com a Coreia do Norte. A Guerra da Ucrânia já aproximou a Pyongyang de Moscou.

Quando Yoon e o presidente Joe Biden se reuniram em Seul em maio, concordaram em cooperar sobre a cadeia de fornecimento da indústria de defesa. Embora a Coreia do Sul não produza as armas da era soviética que a Ucrânia mais precisa, a maioria de seus sistemas de armas é compatível com os armamentos da Otan.

A Hanwha espera compartilhar suas tecnologias de artilharia e veículos blindados com os EUA e ajudar a armar a Otan com armas que os americanos não fabricam mais ou não estão conseguindo suprir com presteza suficiente.

"Os EUA não podem fabricar todos os armamentos", disse Son Jae II, presidente da Hanwha Aerospace. "A geopolítica quis que fosse nosso destino alimentar uma indústria de defesa."

Enquanto os EUA produzem equipamentos de ponta como porta-aviões, submarinos nucleares e aeronaves de vanguarda na rivalidade com a Rússia e a China, a Coreia do Sul tem se concentrado sobre "armas de nível médio, como artilharia, veículos blindados e tanques, acumulando tecnologias competitivas nessa área", acrescentou.

Desde o final da década de 1990 a Hanwha já forneceu às Forças Armadas sul-coreanas quase 1.200 obuses K9 e vendeu centenas mais à Índia, Estônia, Finlândia e Noruega.

Os K9s da Hanwha foram responsáveis por 55% do mercado mundial de exportação de morteiros autopropulsionados entre 2000 e 2021, segundo analistas sul-coreanos.

Com a guerra continuando, a Hanwha está de olho no mercado global, contando com o apoio total do governo e das Forças Armadas.

Yoon se reuniu com seu colega polonês em junho para ajudar a fechar os contratos de armas no ano passado. Em janeiro seu gabinete anunciou a criação de uma nova força-tarefa para promover as exportações de armas.

Tradução de Clara Allain

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