Russos que fugiram da guerra transformam países que os acolheram

Diáspora russa em meio a conflito na Ucrânia altera comunidades em nações como Armênia e Geórgia

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Ivan Nechepurenko
Ierevan (Armênia) | The New York Times

Seria fácil confundir o Tuf com um clube da moda em algum lugar da Rússia. Uma banda indie meditativa tocava, uma família de moscovitas vendia cosméticos caseiros e um tatuador de São Petersburgo desenhava uma foca no braço de alguém.

Mas Tuf está na capital da Armênia. Nasceu da invasão da Ucrânia e do subsequente êxodo de russos, muitos dos quais ainda estão em estado de choque. "Aqui você entende que não está sozinho", disse Tatiana Raspopova, uma russa de 26 anos que ajudou a fundar o clube.

Armênia e Geórgia compartilham a história com a Rússia, mas em apenas alguns meses o fluxo de pessoas modificou cidades como Ierevan, a capital da Armênia, e Tbilisi, a da Geórgia. "Ierevan está quase irreconhecível", disse Raffi Elliott, 33, um profissional de tecnologia armênio.

An employee works at the Otkhi ceramic factory in Tbilisi, Georgia on Dec. 17, 2022. With Russian and Ukrainian potters on their staff, Otkhi established production of artisan vases, cups, and other ceramic products in central Tbilisi.(Sergey Ponomarev/The New York Times)
Funcionária de fábrica de cerâmica em Tbilisi, na Geórgia, que recebeu russos fugindo da guerra - Serguei Ponomarev - 17.dez.22/The New York Times

Nem sempre foi fácil. Os russos impulsionaram as economias locais –Tbilisi agora possui suas primeiras aulas de hidroterapia para cães–, mas também aumentaram o custo de vida.

E a guerra paira sobre tudo, até mesmo sobre um clube de dança techno na capital armênia chamado Dust, que descreveu a música de uma banda como uma "força pelo fim de uma guerra terrível".

No Tuf, Raspopova disse que a ideia não foi reproduzir sua terra natal, mas criar laços com os locais. "Nosso objetivo é unir."

Às vezes, os "transplantados" reinventam suas novas comunidades. Às vezes, reinventam eles mesmos. Pavel Sokolov oferece hidroterapia para ajudar cães a superar traumas, mas em sua cidade natal, Moscou, era especialista em marketing. A adaptação a uma nova vida foi difícil, mas acabou por lhe dar confiança. "Percebemos que somos pessoas competentes e que não vamos morrer de fome", disse.

Outros chegaram com suas ferramentas de trabalho. Dois colegas vieram de São Petersburgo para Tbilisi carregando malas cheias de adereços teatrais e decidiram abrir um pequeno teatro de fantoches para crianças. Eles o chamaram de "Alce e Vagalume". "A única coisa que podemos fazer neste momento da vida é teatro", disse Dasha Nikitina, 31.

Dimitri Tchernikov, um alfaiate de 32 anos de Moscou, abriu um salão em Tbilisi onde produz ternos sob medida. "Comecei do zero em Moscou. Achei que poderia fazer o mesmo aqui."

A crescente influência russa irritou alguns moradores, especialmente na Geórgia, que travou sua própria guerra com o país em 2008. Em Tbilisi alguns abandonaram a fábrica de cerâmica Otkhi quando descobriram ucranianos trabalhando lado a lado com os russos. "Acreditamos que é nossa missão expandir a visão de mundo das pessoas", disse Vlada Orlova, 37, uma das cofundadoras.

Muitos russos, cientes de que sua situação é delicada, tentam agir com cuidado. Eles mantêm um perfil discreto e contribuem para as comunidades locais, trazendo novos serviços e voluntariado.

Em Ierevan, Natalia Iermatchenko, 36, abriu uma escola de osteopatia, ensinando principalmente pessoas que fugiram da Rússia e precisavam de uma nova profissão.

Alguns tentam compensar a agressão de sua pátria contra a Ucrânia —depois que Mikhail Kondratiev chegou a Tbilisi com seu irmão Aleksei, vindos de Moscou, eles visitaram um jardim de infância para crianças ucranianas e ficaram impressionados com a falta de brinquedos.

Os irmãos decidiram esculpir pequenas aldeias de madeira, com árvores, cercas, casas, para ajudar as crianças a se sentirem em casa. Deslocamento, afinal, é um sentimento que eles conhecem bem. "É como se uma nova vida tivesse começado, como se você fosse uma criança", disse Kondratiev, 34.

Outros se dedicaram ao ativismo ambiental e outras causas locais. Alguns russos trabalharam para deixar claro para seus novos vizinhos que a guerra de seu país não é deles. Proibidos de protestar contra a invasão na Rússia, eles às vezes seguram cartazes em comícios antiguerra em seus países adotivos.

Em Ierevan, donos de restaurantes de Moscou arrecadaram dinheiro para refugiados ucranianos por meio de uma mansão reformada que eles chamam de Embaixada da Alegria Estética. O local moderno oferece coquetéis com temas de imigração, uma loja de roupas vintage e um pátio para banhos de sol.

Ainda assim, não é raro ouvir reclamações sobre os recém-chegados. Segundo uma estimativa, uma família russa média em Tbilisi ganha mais de seis vezes mais que uma família média da Geórgia. O grafite ali testemunha a raiva.

Alguns russos, no entanto, ficam maravilhados com o calor que encontram. Dimitri Sorokin chegou a Tbilisi com poucos recursos, apenas uma ideia de abrir um restaurante. Seu senhorio lhe deu uma geladeira e três mesas de metal, e um vizinho deu um liquidificador profissional. Foi o suficiente para abrir o Aut Vera, um pequeno café de rua que vende homus e falafel.

"Nunca recebi tanta ajuda como aqui", disse Sorokin, 38. "Nunca vi um lugar mais acolhedor."

Muitos expatriados vieram do estrato mais empreendedor da sociedade russa. Eles injetaram milhões de dólares em suas novas cidades, lotando cafés e bares, alguns dos quais com atendentes que não falam armênio ou georgiano, apenas russo.

"Muitas dessas pessoas foram deslocadas da noite para o dia e estão tentando recriar o que perderam", disse Elliott, o profissional de tecnologia armênio.

Mas alguns, como Pavel Iaskov, deixaram a Rússia com pouco mais que o desejo de sair. Ele chegou a Ierevan logo depois de Vladimir Putin anunciar um amplo recrutamento para o Exército russo na Ucrânia.

Natural de uma pequena cidade perto de Moscou, Iaskov veio com uma mochila e um saco de dormir, pronto para passar suas primeiras noites em um parque. Ele logo encontrou um emprego em um quiosque de fast-food e dividiu um apartamento com outros russos como ele.

Na Rússia, Viat cheslav Potapenko, 22, trabalhava numa produtora de filmes como assistente de direção. Agora em Ierevan, ele ganha a vida fazendo entregas de comida.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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