Dubai se torna refúgio para oligarcas e empresários da Rússia em meio à guerra

Voos diretos e neutralidade da região em relação ao conflito na Ucrânia favorecem diáspora e geram boom imobiliário

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Dubai | The New York Times

Em uma ilha artificial à beira do Golfo Pérsico, Dima Tutkov se sente seguro. Não há nenhuma das atitudes antirrussas da Europa, de que ele ouviu falar. Ele não notou pessoas sem moradia, ao contrário do que viu em Los Angeles. E, apesar de sua agência de publicidade obter grandes lucros na Rússia, ele não precisa se preocupar em ser convocado para lutar na Ucrânia.

"Dubai é muito mais livre, em todos os sentidos", diz Tutkov, vestindo uma camiseta de grife rasgada em um café que acabou de abrir na cidade, onde seus filhos estão agora numa escola britânica. "Somos independentes da Rússia. "Isto é muito importante."

Foto aeroespacial do distrito da Marina, em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos
Imagem aeroespacial do distrito da Marina, em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos - Andrea DiCenzo - 4.mar.23/The New York Times

Um ano depois de um pacote histórico de sanções econômicas contra a Rússia por causa da invasão da Ucrânia, os russos ricos continuam ricos. E em Dubai, a maior cidade dos Emirados Árabes Unidos, eles encontraram seu porto de guerra.

Entre os calçadões à beira-mar, shoppings suntuosos e ruas sem saída nos subúrbios, o russo está se tornando uma língua franca. Oligarcas se misturam em resorts exclusivos. Restaurantes de Moscou e São Petersburgo correm para abrir lá. Empresários como Tutkov estão administrando seus negócios russos em Dubai e abrindo novos.

A nova diáspora russa em Dubai abrange um espectro que inclui multibilionários que foram punidos com sanções e profissionais de tecnologia de classe média que fugiram do recrutamento de Vladimir Putin. Mas, até certo ponto, eles compartilham as mesmas razões para estar nos Emirados: voos diretos para a Rússia, um território neutro na guerra da Ucrânia que, segundo eles, não mostra nada da hostilidade contra os russos que percebem na Europa.

"Por que fazer negócios em um lugar onde não são amigáveis com você?", diz Tamara Bigaeva, que recentemente abriu um posto avançado de dois andares de uma clínica de beleza russa, que já atende antigas clientes. "Na Europa eles claramente não querem nos ver."

Uma grande atração de Dubai é que a região é apolítica, de acordo com entrevistas com russos que se estabeleceram lá. Ao contrário da Europa Ocidental, não há bandeiras ucranianas expostas em público, nem manifestações de solidariedade. A guerra em si parece distante.

Qualquer pessoa em Dubai que tenha sentimentos antirrussos provavelmente os guardará para si, de qualquer maneira; na monarquia autoritária dos Emirados, os protestos são efetivamente ilegais, e a liberdade de reunião é severamente limitada.

A presença de russos ricos em Dubai numa época em que eles foram em grande parte isolados do Ocidente mostra como Putin conseguiu manter o contrato social que é fundamental para seu apoio interno: em troca de lealdade, os próximos ao poder podem acumular riquezas.

De fato, a cientista política Ekaterina Schulmann afirma que Putin tem sinalizado aos empresários que está preparado para remover ainda mais obstáculos ao enriquecimento. Uma lei recente, por exemplo, isenta os legisladores de divulgarem seus rendimentos e propriedades.

"Sim, nós separamos vocês do Primeiro Mundo, mas as coisas não vão piorar", diz ela, descrevendo como ela vê o contrato revisado de Putin com a elite. "Em primeiro lugar, existem muitos outros países que são nossos amigos. Em segundo, vocês terão muitas oportunidades de ficar ainda mais ricos, e não iremos mais processá-los por corrupção."

Publicamente, Putin tem chamado as elites russas do jet set para reorganizar suas vidas e seus investimentos na Rússia. Mas os ricos que se mudaram para Dubai têm outras ideias.

"Para todos nós, esta é uma ilha de segurança durante algum tempo", diz Anatoli Kamenskikh, corretor imobiliário russo que se gaba de que sua equipe vendeu US$ 300 milhões (R$ 1,5 milhão) em propriedades em Dubai no ano passado —a grande maioria para cidadãos russos. "Todo mundo está tentando estacionar seus ativos em algum lugar."

A incorporadora imobiliária de Kamenskikh, Sobha Realty, celebrou o boom imobiliário impulsionado pela Rússia em Dubai montando uma miniatura da Catedral de São Basílio com neve artificial diante do escritório. Uma seção da ilha artificial chamada Palm Jumeirah está repleta de restaurantes e casas noturnas russas, uma das quais estava lotada numa noite de quarta-feira recente. As pessoaspediam garrafas de champanhe Dom Pérignon de US$ 1.200 (R$ 6.300), que os garçons entregavam com estrelinhas acesas.

Quando um convidado bêbado gritou "glória à Ucrânia!", os seguranças rapidamente o fizeram sair.

"Você tem a sensação de que eles estão com a cabeça enfiada na areia", diz Dmitro Kotelenets, produtor de entretenimento ucraniano que se mudou para Dubai com sua família, sobre os russos ao seu redor. "Ou eles não querem saber o que está acontecendo entre a Rússia e a Ucrânia ou acham que nada mudou."

Em seu discurso sobre o estado da nação, em fevereiro, Putin convocou os russos ricos a "estar com sua pátria" e trazer seus ativos financeiros para casa, em vez de ver a Rússia "simplesmente como uma fonte de renda" do exterior.

Muitos ricos da Rússia estão simplesmente mudando suas vidas para os Emirados Árabes Unidos, que –como o resto do Oriente Médio– se recusaram a aderir às sanções do Ocidente contra Moscou. "Estou em Dubai, estou relaxando", diz a letra da atual música número 1 na Rússia, de acordo com a Apple Music. "Sim, sou rico e não escondo."

Os Emirados têm uma população de cerca de 10 milhões, dos quais apenas cerca de 1 milhão são cidadãos emiradenses. O resto são expatriados, incluindo milhões de indianos e paquistaneses, e um número menor de europeus e americanos.

Uma análise de registros de voos feita pelo New York Times descobriu que os Emirados Árabes Unidos se tornaram o principal destino de voos privados saindo da Rússia nas semanas após a invasão, que começou em 24 de fevereiro de 2022. Desde então, segundo todos os relatos, a atração pelo país só aumentou.

Estatísticas do governo russo mostram que os russos fizeram 1,2 milhão de viagens aos Emirados em 2022, em comparação com 1 milhão no ano pré-pandêmico de 2019. Muitos desses visitantes criaram raízes: os russos foram os principais compradores de imóveis não residentes em Dubai em 2022 por nacionalidade, de acordo com a corretora local Betterhomes.

Primeiro, há os magnatas. Andrei Melnichenko, bilionário russo de carvão e fertilizantes, mudou-se para os Emirados Árabes no ano passado depois que as sanções o forçaram a deixar sua antiga casa na Suíça. No mês passado, no saguão silencioso de um resort exclusivo, outro empresário russo penalizado disse que estava na cidade para uma festa de aniversário.

Autoridades russas e suas famílias também visitam, embora tentem evitar chamar a atenção para sua presença, e por um bom motivo: na região de Vologda, o partido pró-Kremlin Rússia Unida expulsou dois legisladores locais depois que postagens nas redes sociais os situaram em Dubai. Um deles, relataram jornalistas russos, estava de férias lá com Ksenia Shoigu, filha do ministro da Defesa russo.

Os caminhos da elite se cruzam no Angel Cakes, um café que Tutkov, o empresário de publicidade, abriu numa ilha artificial chamada Bluewaters, à sombra da roda-gigante mais alta do mundo. Um cliente habitual, ex-presidente de uma grande empresa russa, brincou: "Dubai está se tornando parte da Rússia fora da Rússia".

Dima Tutkov, russo dono de um café, o Angel Cakes, na ilha artificial de Bluewaters, em Dubai
Dima Tutkov, russo dono de um café, o Angel Cakes, na ilha artificial de Bluewaters, em Dubai - Andrea DiCenzo/The New York Times

Tutkov descartou como "ilusão" a ideia de que as sanções arruinaram a economia russa. Sua agência de publicidade, disse ele, estava lucrando com a corrida das empresas para preencher o vácuo deixado pelas corporações ocidentais que saíram da Rússia. Seus clientes incluem a Haier, fabricante chinesa de eletrodomésticos que tenta entrar num mercado que era dominado por marcas mais estabelecidas.

As sanções ao sistema financeiro também não se mostraram um obstáculo. No verão passado, o rublo disparou para picos históricos em relação ao dólar. Tutkov disse que aproveitou a taxa de câmbio usando bancos russos que não foram colocados sob sanção para transferir parte dos lucros de sua agência de publicidade para Dubai.

"Estávamos trocando por dólares e transferindo para cá", diz. "Em dólares, estávamos obtendo lucros colossais, entende? E todo mundo estava fazendo isso."

Funcionários dos Emirados dizem que seus bancos seguem todas as regras relacionadas às sanções dos EUA. De fato, segundo muitos emigrantes russos, uma das partes mais difíceis de se mudar para Dubai é abrir uma conta bancária, atribuindo esperas de meses aos rigorosos requisitos de compliance.

"Há muitos russos que não estão sancionados e se interessam por refúgios mais seguros", diz Anwar Gargash, conselheiro diplomático do presidente dos EAU, a repórteres no ano passado.

Entre os que encontraram um refúgio em Dubai no ano passado está a estrela pop russa Daria Zoteieva, cantora do atual hit número 1 na Rússia. Ela agora mora num condomínio de luxo inacabado no deserto. À noite, um show de luzes brilha à distância no Burj Khalifa, o edifício mais alto do mundo.

Para fazer música, disse Zoteieva em uma entrevista num banco de rua, "você precisa estar de bom humor". Dubai, continua ela, é um "lugar ensolarado" onde a guerra "não o afeta". Ela se recusa a se posicionar sobre a guerra, que chama de "toda essa situação".

"É para não perder meu público e para ganhar dinheiro", diz, explicando seu silêncio. "Porque é muito dinheiro."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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