Rússia e EUA trocam acusações sobre drone, mas tentam abafar crise

Chefes da Defesa dos rivais conversam sobre derrubada de aparelho americano perto da Ucrânia

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Rússia e Estados Unidos trocaram acusações acerca do incidente em que um drone americano caiu no mar Negro após ser interceptado por caças de Moscou, mas ambos os países trabalharam ao longo desta quarta-feira (15) para buscar evitar uma escalada da crise.

Em uma série de falas que culminou em um telefonema entre o secretário Lloyd Austin (Defesa) e seu par russo, o ministro Serguei Choigu, as potências nucleares mantiveram suas posições básicas sobre o incidente, o mais grave encontro de aeronaves russas e ocidentais desde o início da Guerra da Ucrânia.

Mas tomaram cuidado para evitar o ocorrido entre EUA e China no mês passado, quando a derrubada de um balão de Pequim acusado de espionagem sobre território americano gerou grande atrito entre os rivais —os chineses são os principais aliados dos russos.

Drone MQ-9 Reaper semelhante ao que foi derrubado em incidente no mar Negro
Drone MQ-9 Reaper semelhante ao que foi derrubado em incidente no mar Negro - Ludovic Marin - 14.jul.2022/AFP

Na manhã da terça (14), dois caças russos interceptaram um drone de reconhecimento e ataque MQ-9 Reaper no mar Negro. Moscou disse que o aparelho havia violado o espaço aéreo delimitado pelos russos desde o começo da guerra, em fevereiro de 2022, como restrito. Washington não reconhece essa fronteira.

Segundo o relato americano, um dos Sukhoi Su-27 passou a interferir com o drone, despejando combustível à sua frente e fazendo manobras próximas, quando acabou batendo em sua hélice, levando o aparelho a cair. Os russos negam, dizendo que a queda foi provocada por uma manobra brusca do Reaper.

A advertência principal havia sido feita em um comunicado do embaixador russo nos EUA, Anatoli Antonov, na madrugada desta quarta. Ele havia sido convocado pelo Departamento de Estado para dar explicações sobre o episódio. "A atividade militar inaceitável dos EUA perto de nossas fronteiras é motivo de preocupação. Elas recolhem inteligência, que subsequentemente é usada pelo regime de Kiev para atacar nossas Forças Armadas e território", afirmou.

Os americanos moderaram o tom, focando a acusação no que chamaram de antiprofissionalismo da abordagem russa. Insistiram em que o Reaper, um dos cerca de 300 aparelhos de até US$ 30 milhões cada (quase R$ 160 milhões hoje) que operam, estava desarmado e em ação de vigilância.

O porta-voz da Casa Branca, John Kirby, disse que os EUA pediram, na conversa com Antonov, que "os russos fossem mais cuidadosos". Já o principal chefe militar do país, general Mark Milley, disse que a interceptação agressiva foi "proposital e segue um padrão", mas não falou em ataque.

No fim do dia, os chefes da Defesa se falaram por iniciativa americana. Segundo o relato de Moscou, Choigu afirmou que o incidente ocorreu devido ao aumento nas atividades de espionagem dos EUA na região. Isso é "provocativo e cria precondições para uma escalada no mar Negro".

"A Rússia não tem interesse em tal desenrolar, mas irá continuar a responder a todas as provocações de forma proporcional", disse a pasta. Mais cedo, a chancelaria russa criticou os EUA, mas deu o caso por encerrado.

A repórteres, Austin disse depois da conversa que reafirmou que suas aeronaves irão "voar onde o direito internacional permitir" e que pediu ao russo "cautela em suas operações". Milley, por sua vez, conversou com seu par em Moscou, Valeri Gerasimov —que é o comandante oficial da guerra.

Em sua fala, Antonov havia desenhado a queixa. "Deixe-nos fazer uma questão retórica: como a Força Aérea e a Marinha dos EUA iriam reagir se um drone de ataque russo aparecesse perto de Nova York ou San Francisco? Parem de fazer surtidas perto das fronteiras russas", afirmou.

O ponto do embaixador é óbvio e correto, embora ignore propositadamente a realidade: as fronteiras de atrito entre a Rússia e o Ocidente ficam em torno da antiga esfera soviética: mares Negro e Báltico, Pacífico Ocidental, por exemplo. E, se não têm nenhum drone perto da costa leste americana, os russos voam suas próprias patrulhas de reconhecimento, quando não apenas para testar a velocidade de reação dos adversários, particularmente no norte da Europa.

É assim em todas as falhas geológicas da intrincada política atual: chineses provocam as defesas de Taiwan toda semana e foram acusados de quase abalroar um avião dos EUA, sul-coreanos já atiraram em advertência contra uma patrulha russo-chinesa, bombardeiros estratégicos B-52 americanos lamberam o espaço aéreo russo na semana passada, caças de Moscou já invadiram armados a Suécia desde o começo da guerra.

Até por isso os americanos mediram as palavras, sem chamar o incidente de ilegal. Tecnicamente, como o Reaper que havia decolado da Romênia não estava tirando fotos das belezas naturais do mar Negro, a Rússia tinha direito pelas regras de engajamento militar de derrubá-lo se quisesse.

O mar é, como dito, palco costumeiro desses incidentes. Pouco antes da guerra, os russos jogaram bombas de um jato para afastar um navio de guerra britânico da costa da Crimeia, a península anexada em 2014 que sedia sua Frota do Mar Negro. E, em outubro, dispararam segundo alegado acidente um míssil perto de um avião-espião de Londres por lá.

Por evidente, o risco desses cenários é o de uma escalada não intencional em um cenário conturbado, exatamente o que há hoje entre Moscou e Washington, apesar de as partes estarem colocando panos quentes para evitá-la —como no mais grave incidente da história recente, quando um caça chinês caiu após abalroar e danificar um avião de espionagem americano em 2001, numa crise de semanas.

Para o governo de Vladimir Putin, o apoio americano maciço a Kiev equivale a uma guerra por procuração. Enquanto isso é verdade, como os US$ 47,3 bilhões enviados em armas e defesa até janeiro para os ucranianos provam, também serve à ofensiva retórica do Kremlin, que busca tirar foco do fato de que não dobrou o vizinho nas primeiras semanas de guerra.

Mas o perigo segue, literalmente, no ar. Em solo, a ofensiva russa sobre Bakhmut segue com força máxima, apesar da promessa do presidente Volodimir Zelenski de defender a cidade do leste até o fim. O governo em Kiev, por sua vez, aproveitou o incidente no mar Negro para acusar Moscou de querer ampliar o conflito.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.