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Romance mistura ficção e história ao falar de elite alemã enriquecida pelo Holocausto

'O Engenheiro da Morte' defende tese já conhecida na historiografia com atalhos que ligam nazistas ao Brasil

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São Paulo

O Holocausto não foi apenas o genocídio provocado pela índole malévola dos dirigentes nazistas. O massacre hediondo de 6 milhões de judeus também exigiu uma retaguarda em que a elite empresarial alemã se empenhou em amplíssima escala.

É esse um dos eixos narrativos do romance "O Engenheiro da Morte: A Participação da Elite Alemã no Holocausto", lançado neste mês pela editora Vestígio. O autor é o brasileiro Marcio Pitliuk, que também é cineasta e estudioso da Segunda Guerra e de questões judaicas.

Portão do campo de concentração de Auschwitz, na Polônia - abr.45/AFP

Sua tese –parte da burguesia alemã ganhou dinheiro com o massacre dos judeus– não é propriamente original na historiografia ou na literatura. Há toda uma corrente que se nega a ver no Holocausto apenas o produto da malvadeza psicológica dos dirigentes do Terceiro Reich.

Foram os livros e documentários baseados nas raízes econômicas da guerra. Ou então em romances como "A Ordem do Dia", pelo qual o escritor francês Eric Vuillard recebeu o Prêmio Goncourt.

Mas o texto de Pitliuk tem outros atalhos. Ele transita com habilidade entre história e ficção –os chefes dos campos de concentração foram personagens reais, e notas de rodapé informam que foram condenados e enforcados pelo Tribunal de Nuremberg.

O romancista ainda transporta personagens para o Brasil do pós-guerra. O que provoca surpresa, por exemplo, em razão do recrutamento de ex-nazistas por grandes empresas alemãs aqui instaladas. Elas foram visivelmente cúmplices dos crimes cometidos anteriormente por alguns de seus quadros.

Em sua primeira metade, o romance constrói biograficamente personagens inventados, o jovem engenheiro químico Carl Farben e Helke, sua jovem e ambiciosa mulher. Farben socorre a alta hierarquia nazista diante de um inconveniente: soldados da SS, a milícia do partido, sofrem crises de nervos quando obrigados a executar individualmente, com armas de fogo, crianças e adultos judeus.

É preciso "industrializar" a cadeia de execuções e torná-la mais anônima. É assim que o engenheiro desenvolve para sua empresa o veneno que seria usado nas câmaras de gás dos campos de concentração. Funcionou muito bem, do ponto de vista alemão. Tanto que em pouco mais de três meses 400 mil judeus húngaros foram executados no campo de Birkenau.

O engenheiro e a empresa ganham fortunas com o invento. O oportunista e prepotente Farben rapidamente passa a integrar a cúpula dos executivos que exerce um antissemitismo sistemático e sanguinário. O governo dá a ele e a sua mulher uma mansão luxuosa expropriada de uma família judaica. E na garagem o casal tem direito a um Mercedes, luxo singular numa época em que a indústria mecânica só estava voltada para o esforço de guerra.

Farben não vive apenas do salário e das bonificações. Ele se corrompe e é corrompido pelos chefes dos campos de concentração, vendendo o gás venenoso em quantidade maior que a necessária e dividindo a propina com esses crápulas da SS.

Mas eis que a guerra dá em 1943 uma reviravolta com a reação soviética ao cerco de Stalingrado. O sentimento predominante é de uma inevitável vitória aliada. Só Hitler não enxerga isso. Carl Farben obtém falsa identidade e deixa a Alemanha antes que os russos penetrem em Berlim.

Capa do livro 'O Engenheiro da Morte', de Marcio Pitliuk, publicado pela editora Vestígio
Livro 'O Engenheiro da Morte', de Marcio Pitliuk, publicado neste mês pela editora Vestígio - Divulgação

A segunda parte do romance não gira mais em torno de um Holocausto presente. Pitliuk troca a cenografia. É para o Brasil que afluem personagens que amadureceram na Alemanha, como um ex-colaborador de Farben rompido com ele, que deserta para não servir o Exército, ou a jovem judia que, em companhia dos pais, foi escondida em Berlim no apartamento de uma ex-professora.

O pai da jovem, o médico Ernest Kaufmann, foi uma das milhares de vítimas do nazismo que não acreditavam que o quadro se deterioraria de forma tão aguda. A um amigo, que tentava convencê-lo a emigrar, Kaufmann argumentou não se dispor a deixar para trás tudo o que construiu. Ele e a mulher terminaram numa câmara de gás.

O romance retrata a apreensão constante dos que temem, durante a nova vida no Brasil, que se descubram os trechos comprometedores de suas histórias pessoais. Carl e Helke, por exemplo, escondem até seus antigos nomes do filho que tiveram em São Paulo. Mas não se arrependem. Acreditam que os nazistas tinham razão e que perderam a guerra por terem sido traídos por uma suposta conspiração judaica internacional.

O romance os pune pela empáfia e não dá a eles a oportunidade de viver um conto de fadas ilustrado com suásticas. O destino dá suas voltas, e o casal de nazistas terminará de modo inglório. O Tribunal de Nuremberg também dita indiretamente o enredo dos romances de ficção.

O Engenheiro da Morte: A Participação da Elite Alemã no Holocausto

  • Preço R$ 64,90; 256 págs.
  • Autoria Marcio Pitliuk
  • Editora Vestígio
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