Descrição de chapéu Guerra da Ucrânia Rússia

Rússia condena um dos maiores opositores de Putin a 25 anos de prisão

Vladimir Kara-Murza, 41, era um dos poucos críticos do Kremlin que não estava preso ou no exílio

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Moscou | AFP e Reuters

Um tribunal russo condenou nesta segunda-feira (17) o ativista pelos direitos humanos Vladimir Kara-Murza, 41, a 25 anos de prisão. Opositor de Vladimir Putin, ele era uma das poucas vozes críticas ao Kremlin que ainda não estava detido ou exilado.

Kara-Murza nega todas as acusações contra ele, que incluem "alta traição", trabalhar para organizações estrangeiras e divulgação de informações falsas sobre o Exército russo. Sua pena é a maior dada a um dissidente do governo desde o início da Guerra da Ucrânia.

Vladimir Kara-Murza, opositor de Putin, ouve anúncio de sentença em cela de vidro na Corte Municipal de Moscou
Vladimir Kara-Murza, opositor de Putin, ouve anúncio de sentença em cela de vidro na Corte Municipal de Moscou - Assessoria da Corte Municipal de Moscou via AFP

O conflito, aliás, impulsionou a aprovação de leis com fins de censura que possivelmente foram acionadas contra o ativista. Elas incluem a proibição de difamar o Exército (pena de cinco anos de prisão) e de espalhar deliberadamente informações supostamente falsas sobre a instituição (15 anos de prisão).

Muito próximo de outro opositor de Putin, Boris Nemtsov, assassinado em 2015, Kara-Murza de fato criticou o que o Kremlin ainda hoje chama de "operação militar especial". Também já afirmou que seu país bombardeou alvos civis ucranianos, denúncia que Moscou nega reiteradamente.

Já as acusações de traição não foram corroboradas por nenhuma evidência durante o julgamento, segundo o New York Times. Um dos advogados do ativista, Vadim Prokhorov, afirmou em uma publicação no Facebook de outubro que elas fazem referência a declarações contra o governo russo que o ativista fez em viagens aos Estados Unidos e a países da Europa.

Outra integrante da equipe de defesa de Kara-Murza, Maria Eismont afirmou a agências de notícias russas que ela e seus colegas apresentarão recurso contra o veredicto e alegou que o processo judicial a qual seu cliente foi submetido, realizado a portas fechadas, foi palco de "violações graves".

Maria Eismont, uma das advogadas do ativista de direitos humanos Vladimir Kara-Murza, fala com a imprensa em frente ao Tribunal Municipal de Moscou depois de seu cliente ser condenado a 25 anos de prisão - Maxim Shemetov/Reuters

O ativista, que também tem cidadania britânica, disse por exemplo que teve seu direito de ligar para sua família negado ao ser detido antes do julgamento —ele tem três filhos. Agora, ele será enviado a uma colônia penal, onde servirá em regime fechado.

Kara-Murza foi detido em abril do ano passado, horas após uma entrevista à CNN em que afirmou que a Rússia estava sendo comandada por um "regime de assassinos". Na semana passada, em sua última declaração aos juízes, afirmou não lamentar nenhum de seus atos. "Criminosos devem se arrepender do que fizeram. Eu, por outro lado, fui preso em razão de minhas visões políticas", declarou.

"Sei que chegará o dia em que a escuridão sobre a nossa nação se dissipará", prosseguiu. "Quando o preto será chamado de preto, e o branco, de branco; quando, em nível oficial, reconhecer-se-á que duas vezes dois dá quatro; quando uma guerra será chamada de guerra, e um usurpador, de usurpador."

O ativista também comparou seu processo aos julgamentos midiáticos promovidos pelo ditador Josef Stálin nos anos 1930, na antiga União Soviética. Segundo relato da Reuters, Kara-Murza aparentou calma ao ouvir sua sentença em uma cela de vidro no tribunal. Após o anúncio, ele teria esboçado um sorriso e dito "a Rússia será livre", mote tradicional da oposição. Também teria afirmado a Esmont, sua advogada, que o fato de sua sentença ser tão rigorosa era uma espécie de reconhecimento por seus esforços.

A comunidade internacional condenou a decisão. A embaixadora dos EUA no país, Lynne Tracy —presente no tribunal durante a leitura do veredicto—, afirmou se tratar de uma clara tentativa de silenciar a dissidência. "Criminalizar posições contrárias à ação do governo é sinal de fraqueza, não de força", disse.

Já a embaixadora britânica em Moscou, Deborah Bronnert, que também presenciou o momento do anúncio da sentença, disse que Kara-Murza havia sido punido por ousar se opor à Guerra da Ucrânia. O Reino Unido ainda anunciou ter convocado o embaixador russo em Londres —um ato de reprimenda na prática diplomática— para protestar contra o que chamou de uma decisão "politicamente motivada".

Governos de França, Noruega e Alemanha ecoaram as declarações. Enquanto isso, o alto comissário para os direitos humanos da ONU, Volker Türk, e o chefe de política externa da União Europeia, Josep Borrell, exigiram a libertação imediata de Kara-Murza. Já o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, declinou o pedido de repórteres para comentar o veredicto em seu encontro regular com a imprensa, nesta segunda-feira, afirmando que o governo russo nunca discute decisões judiciais.

Kara-Murza passou anos defendendo a imposição de sanções internacionais à administração e a indivíduos russos por supostas violações de direitos humanos. Ele entrou em coma duas vezes, em 2015 e em 2017, segundo ele devido a envenenamentos por parte da inteligência de seu país.

Ele se recuperou em ambas as ocasiões, mas seus advogados afirmam que ele desenvolveu uma polineuropatia, doença que atinge o sistema nervoso periférico e causa insensibilidade nos membros, dores, atrofia muscular e perda de movimentos.

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