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Guerra da Ucrânia tira Rússia de feira militar mais tradicional da América Latina

Antes maior estrela da LAAD, no Rio de Janeiro, ausência do país levantou suspeitas de veto que Moscou não confirma

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Rio de Janeiro

A Rússia, segunda maior vendedora de armas no mundo até o início da Guerra da Ucrânia, desapareceu da mais tradicional feira militar da América Latina, a LAAD —encerrada na sexta (14) no Riocentro, zona oeste da capital fluminense.

O motivo foi justamente o conflito iniciado por Vladimir Putin em fevereiro do ano passado, mas as circunstâncias da ausência variam a depender da versão, dado a opacidade usual no meio militar: ninguém confirma exatamente o que aconteceu.

Funcionários do Riocentro descansam em estande de editora militar russa abandonado na LAAD
Funcionários do Riocentro descansam em estande de editora militar russa abandonado na LAAD - Igor Gielow/Folhapress

A Rússia sempre foi estrela na LAAD, que chegou à sua 13ª edição neste ano com 364 empresas de 44 países expositores. O país sempre foi representado pela Rosoboronexport, a estatal que promove a venda de produtos de defesa.

Até 2017, o estande russo sempre foi concorrido, tanto por interessados em negócios quanto pelo público geral, ávido por fotografias das maquetes de poderosos caças Sukhoi. Em 2019, o acirramento da crise entre EUA e Venezuela, principal parceira de Moscou na América Latina, levou a uma presença um pouco mais discreta.

Na semana passada, tudo o que se via da Rússia no Riocentro era um minúsculo estande vazio atribuído a uma certa United Industrial Publisher, editora conhecida nos meios militares em Moscou por fazer publicações de baixa qualidade a pedido de empresas.

Ninguém apareceu, e o local virou ponto de encontro de trabalhadores da feira. "Disseram que a gente podia descansar aqui", disse um funcionário do Riocentro que se identificou como José. Ele e outros colegas se revezavam no local, que tinha cadeiras e uma mesinha usada para apoiar uma garrafa de Coca-Cola.

Havia uma segunda presença russa, mais furtiva contudo: uma comitiva de cinco integrantes da Rosoboronexport e diplomatas. Eles não quiseram falar com a Folha, e circularam por alguns estandes.

Segundo uma pessoa com acesso ao grupo, eles se queixaram de que a organização vetou a presença russa para não melindrar os grandes expositores ocidentais presentes. A Suécia, que por causa da guerra busca entrar na Otan (aliança militar ocidental), tinha o sempre popular estande da fabricante do caça vendido ao Brasil Gripen, a Saab, além de outras empresas e um ponto institucional do país.

A LAAD não quis comentar o caso. Segundo pessoas próximas da organização da feira, ela de fato não convidou os russos, mas por alinhamento a orientações de Brasília. Estas sugerem um veto que não combina com a política pró-Rússia de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que voltou a dizer que a Ucrânia tem culpa também pela guerra neste domingo (16) e recebe esta semana o chanceler de Putin, Serguei Lavrov.

O Itamaraty e o Ministério da Defesa dizem desconhecer tal veto. Uma explicação mais plausível vem de integrantes do governo russo em Moscou, de forma reservada. Segundo eles, o convite não veio, mas a Rosoboronexport já havia decidido não comparecer à LAAD para evitar marola política.

A promotora de exportação preferiu concentrar esforços na Sitdef, feira militar que ocorrerá no Peru no fim de maio. A escolha tem lógica: o país andino é um antigo cliente de armas russas, operando até caças MiG-29 que agora deverão ser substituídos. É um ambiente mais confortável, por assim dizer, ainda que haja empresas ocidentais expondo.

A presença militar russa no Brasil é limitada. O país desativou uma frota de helicópteros de ataque Mi-35 que havia comprado na década passada e hoje só opera lançadores de mísseis terra-ar portáteis Igla-S. Ao longo dos anos, Moscou buscou incrementar esse comércio, ofertando por exemplo os caças Sukhoi-35 e sistemas antiaéreos Pantsir, sem sucesso.

As condições geopolíticas se refletiram em outros aspectos da LAAD, como mostrou a a abertura de novas oportunidades para a brasileira Embraer na Otan. A Turquia, que sempre tinha uma pegada discreta no evento, surgiu forte com um grande pavilhão com 26 empresas, vendendo desde seus celebrados drones a tecido de camuflagem para uniformes.

Essas feiras não têm como objetivo fechar negócios, mas sim iniciar conversas. Outro país que chamou a atenção foi a Índia, com um grande estande. Este trazia indiretamente a presença da Rússia na forma do míssil russo-indiano Brahmos, aliás exibido em maquete com um de seus vetores de lançamento, o caça Sukhoi-30MKI —modelo de Moscou que é produzido sob licença por Nova Déli.

Houve outras novidades. Os Emirados Árabes Unidos, que nunca ocupado um posto de destaque na feira, estrearam um pavilhão de seu Edge Group, conglomerado de 25 empresas de defesa que chegou agora ao Brasil. O grupo chamou para ser seu diretor local o ex-secretário de Produtos de Defesa no governo de Jair Bolsonaro (PL), Marcos Degaut.

O conglomerado está negociando parcerias com diversas empresas brasileiras, tendo assinado memorando de entendimento para novos projetos com nomes como a Condor, uma das líderes mundiais em armamentos não-letais, e a aeroespacial Akaer. Também firmou uma parceria para explorar o desenvolvimento de mísseis para a Marinha.

"Firmar alianças estratégicas com atores globais é um pilar fundamental da estratégia do Edge", disse o diretor-geral do grupo, Mansour Almulla. Não por acaso, Lula fez uma parada rápida nos Emirados Árabes Unidos na volta de sua viagem da China, dando continuidade à aproximação capitaneada por Bolsonaro.

O novo diretor brasileiro do Edge, Degaut, era um interlocutor constante com os emiratis e o grupo. Ele chegou a ser indicado a embaixador nos Emirados por Bolsonaro, mas o Senado barrou seu caminho e, afinal, ele renunciou à postulação. Ele negou haver conflito de interesses em seu novo posto, até porque cumpriu a quarentena legal depois de deixar o governo, em agosto.

A presença dos maiores vendedores de armas no planeta, os EUA, foi discreta como nos anos anteriores. Eles tinham estandes pequenos, mas bastante frequentados por oficiais das três Forças e militares de outras nações presentes —nada menos que 190 delegações participaram da feira.

Em compensação, a rival geopolítica China, quarta maior exportadora de armas do mundo, estava com um estande grande e chamativo da estatal Norinco, inversamente proporcional à disposição de seus representantes para falar com a imprensa.

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