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Konstantin Eggert

Não deixem Vladimir Putin e seu chanceler enganarem o Brasil

Presidente da Rússia não dá a mínima para dano que fracasso de mediação de paz causará à reputação de Lula

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Konstantin Eggert

Jornalista russo exilado e analista de assuntos de seu país da rede alemã Deutsche Welle

O chanceler russo Serguei Lavrov chega a Brasília nesta segunda (17) para transmitir a seus anfitriões as mentiras padronizadas do Kremlin sobre a invasão da Ucrânia, que são seu repertório de praxe hoje.

Ele também tentará convencer o presidente Lula a intensificar seus esforços para mediar a paz entre Moscou e Kiev, e, muito provavelmente, discutir o destino do suposto espião russo Serguei Tcherkasov, que cumpre pena de 15 anos de prisão no Brasil por usar a identidade falsa de "Victor Muller Ferreira". A Rússia está muito preocupada com a demanda de sua extradição pelos Estados Unidos.

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, e seu ministro das Relações Exteriores, Serguei Lavrov, durante encontro com representantes da China no Kremlin, em Moscou - Alexei Maishev - 21.mar.23/Sputnik/via AFP

Com o mandado de prisão emitido pelo Tribunal Penal Internacional contra Vladimir Putin, o chefe de Lavrov, esta viagem representa a rara oportunidade de o ministro russo se reunir com políticos de uma democracia importante.

O Kremlin gostou das declarações recentes do presidente Lula sobre a Otan ser pelo menos parcialmente culpada pelo ataque de Putin à Ucrânia. Gostou também de sua conversa com o ditador chinês Xi Jinping. A insinuação de Lula de que, para cessar a guerra, a Ucrânia poderia considerar ceder oficialmente a Crimeia à Rússia também foi música para os ouvidos do líder russo.

Infelizmente, essas declarações reproduziram fielmente os principais argumentos de Moscou. Não surpreende que tenham sido rejeitadas inequivocamente pelos ucranianos. A meu ver, elas também jogaram por terra qualquer confiança que Kiev pudesse sentir na mediação do Brasil.

Moscou tampouco está interessada nos esforços de Lula. Putin ainda espera derrotar a Ucrânia pelo cansaço. Ao longo dos anos, ele já comprovou inúmeras vezes que não precisa de ninguém para "poupá-lo de humilhações" ou "proporcionar a ele uma saída sem perder a moral". Seu carro –ou melhor, seu tanque— não tem marcha a ré.

Putin quer que Lula prossiga com seus esforços de pacificação para que, aos olhos do público russo e também dos países da Ásia, da África e da América Latina, ele possa jogar a culpa pelo conflito na "intransigência ucraniana". Com Estados Unidos, União Europeia, Japão, Austrália e Nova Zelândia firmes e unidos contra Putin, Moscou quer recrutar o Sul Global para ser seu aliado principal, usando para isso do antiamericanismo e do antiocidentalismo de modo geral.

Moscou encara o presidente Lula como um ativo valioso, um potencial porta-voz dos "três quartos da população mundial que rejeitam o 'diktat' dos EUA", como os veículos de propaganda do Kremlin repetem incansavelmente para plateias de seu país e do mundo.

Putin não dá a mínima para o dano que a mediação fracassada de paz causará à reputação política de Lula. O que ele quer de fato é caracterizar o presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, os EUA e seus aliados como instigadores de uma guerra que pisoteia a segurança e estabilidade internacional –mesmo que só o faça por algumas poucas semanas de um ciclo noticioso internacional notoriamente curto.

Em vez de cair nas armadilhas que Putin tanto quer armar para seu próprio ganho político de curto prazo, o governo brasileiro poderia aproveitar a visita de Lavrov para condenar a invasão de Putin dizendo a seu ministro que a única solução justa e duradoura do conflito é que a Rússia saia de todos os territórios ocupados da Ucrânia, incluindo a Crimeia.

Se o presidente Lula pensa que fazendo isso ele estará tomando o partido do Ocidente, do qual ele desconfia e quer guardar distância, está enganado. Não é o Ocidente que ele estará apoiando, mas as vítimas ucranianas da agressão russa não provocada, os princípios da Carta da ONU, da qual o Brasil é signatário importante, e a noção de que, na política internacional, força e razão não podem ser equacionadas.

Com isso, Lula provaria que ele —e o Brasil— ultrapassaram rusgas históricas e concepções tacanhas de uma "solidariedade do Sul Global" para chegar ao plano elevado de uma democracia madura, com aspirações nobres que justificariam sua busca pela liderança internacional.

Tradução de Clara Allain

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