Descrição de chapéu The New York Times

Alemanha condena grupo de esquerda por ataques contra supostos neonazistas

Justiça determina prisão de quatro pessoas em caso incomum de violência política ligada a esquerdistas

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Christopher F. Schuetze
Dresden | The New York Times

Um tribunal alemão condenou nesta quarta-feira (31) uma mulher de 28 anos e três cúmplices por organizar e realizar ataques brutais contra pessoas que eles consideravam neonazistas, no que especialistas descreveram como um caso incomum de violência da extrema esquerda no país.

A mulher, que segundo as rígidas leis de privacidade da Alemanha foi identificada apenas como Lina E., foi condenada a cinco anos e três meses de prisão por um tribunal em Dresden, no leste do país, de acordo com a agência de notícias alemã DPA e a emissora pública regional MDR. Três outros membros do grupo –identificados como Lennart A., 28; Jannis R., 37; e Philipp M., 28– receberam sentenças que variam de dois anos e cinco meses a três anos e três meses de prisão.

Manifestantes seguram faixas do lado de fora de tribunal em Dresden, no leste da Alemanha - Jens Schlueter/AFP

O caso foi amplamente acompanhado na Alemanha, cujas autoridades são acusadas de ignorar ou retardar processos de pessoas ligadas a ataques de direita. A crítica é feita especialmente no leste do país, onde o domínio de grupos de extrema direita há muito ofuscou a pequena cena de extrema esquerda —que também parece inclinada à violência. O julgamento forçou os progressistas a considerar até que ponto a luta contra seus oponentes deve ir, dizem os especialistas.

Nancy Faeser, ministra do Interior do país, disse em comunicado após a sentença que "em um Estado constitucional democrático não deve haver espaço para justiça de ‘vigilantes’". "Nenhum objetivo justifica a violência política", afirmou.

No centro do caso estavam seis ataques que os promotores disseram que o grupo sem estrutura ou nome planejou e executou de 2018 a 2020. Entre as vítimas pelos agressores mascarados estava um lutador de artes marciais de extrema direita, que está na prisão aguardando julgamento por seu papel na liderança de um grupo violento; homens que voltavam de um encontro de extremistas em Dresden; e um homem usando um chapéu de uma empresa de roupas de direita, que mais tarde negou ser neonazista.

Algumas das vítimas acabaram no hospital com ossos quebrados. Um testemunhou que ficou traumatizado para o resto da vida. Houve 13 vítimas conhecidas no total, disseram os promotores.

Os promotores afirmaram que Lina liderava o grupo com seu companheiro, que ainda é procurado pelas autoridades.

Os investigadores se concentraram nela, então estudante, após um segundo ataque ao lutador de artes marciais em 2019. Após a agressão, a polícia parou um Golf em alta velocidade com placas roubadas; lá dentro, encontraram as placas originais, registradas no nome da mãe de Lina. A partir daí, a polícia conectou a estudante a outros ataques por meio de depoimentos de testemunhas, vídeos, evidências de DNA e uma foto de cena do crime encontrada numa câmera em sua casa.

Os investigadores a prenderam em novembro de 2020, em sua casa na cidade de Leipzig, no estado da Saxônia, no nordeste da Alemanha. Ela foi acusada de causar danos corporais e organizar uma quadrilha criminosa.

O caso capturou a imaginação do público desde que ela desceu de um helicóptero cercada por policiais fortemente armados para sua acusação em Karlsruhe, a sede do Ministério Público da Alemanha. Ela foi chamada de criminosa violenta por alguns e celebrada por outros. Pichações com "Libertem Lina" surgiram em um bairro de Leipzig. Algumas lojas colocaram caixas de coleta para ajudá-la com os custos da defesa.

Em um tribunal de Dresden, um réu esconde o rosto atrás de uma folha em que se lê 'Libertem Lina' - Jens Schlueter/AFP

Hajo Funke, especialista em extrema direita, disse que a violência da qual o grupo foi acusado é incomum no leste da Alemanha, onde a corrente política oposta tende a ser a fonte de brutalidade em espaços públicos. "Especialmente na Saxônia, mas também em outros estados do leste, a extrema direita tem um domínio tático contra atores de esquerda e até cidadãos de mentalidade democrática em situações cotidianas", disse Funke. "Se você está fazendo algo de que eles não gostam, realmente está em perigo."

Em 2022, a polícia alemã registrou 23.493 crimes atribuídos a extremistas de direita no país. No mesmo ano, 6.976 crimes foram atribuídos à extrema esquerda, o menor número em uma década.

Devido ao seu passado nazista, a Alemanha tem leis rígidas de combate ao fascismo, proibindo símbolos e discursos nazistas. Logo após a reunificação do país, três décadas atrás, os neonazistas desencadearam uma onda de agressões contra os migrantes, visando centros de asilo, especialmente no leste. Embora a violência tenha diminuído, a sorte política da direita cresceu. No ano passado, um grupo de extrema direita foi acusado de conspirar para derrubar o governo.

Um relatório de comitê parlamentar publicado em 2013 concluiu que a polícia e os serviços de segurança da Alemanha tinham preconceitos profundamente enraizados que permitiram que uma célula neonazista realizasse ataques violentos –assassinatos, roubos e atentados– contra imigrantes durante mais de uma década sem ser detectada.

O julgamento de Lina e de seu grupo durou quase cem dias em um tribunal em Dresden, capital da Saxônia, sob alta segurança. Seus apoiadores inundaram a galeria dos visitantes e aplaudiram quando ela entrou. Ela os cumprimentou com um símbolo de coração ou um gesto de abraço.

A principal testemunha dos promotores foi um professor de jardim de infância ex-associado ao grupo, Johannes D., 30, que confirmou o papel de Lina como líder. Ele depôs sobre o treinamento e a organização do grupo e admitiu estar presente em pelo menos um ataque como vigia. Um tribunal o condenou a uma pena suspensa de um ano e meio por sua participação no crime.

No último dia do julgamento deste mês, Lina não insistiu em sua inocência nem explicou seus motivos, mas agradeceu à sua família, às suas avós e àqueles que lhe escreveram e a visitaram na prisão. Extremistas de esquerda anunciaram que manifestações violentas seriam realizadas em Leipzig no sábado (3).

Alexander Deycke, que estuda a extrema esquerda na Universidade de Göttingen, disse que o veredicto pode levar a um exame de consciência entre os seguidores da corrente política. "É uma contradição fundamental quando você quer uma sociedade sem violência e sem dominação, mas não está disposto a excluir a violência do caminho para chegar lá", disse ele.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves 

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