Rei Charles 3º é coroado em cerimônia apática, com protestos e sem juramento do povo

Abadia de Westminster abrigou 2.200 convidados; chuva fina desanimou parte da população que se espalhou por parques

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Londres

A festa para a coroação do rei Charles 3º, neste sábado (6), foi grande, mas não chegou aos pés do funeral da rainha Elizabeth 2ª, em setembro passado, quando cerca de um milhão de pessoas se mobilizaram em Londres para acompanhar as últimas homenagens à rainha. Há oito meses, as calçadas estavam lotadas por onde quer que se fosse, o trânsito, parado, e os pubs explodiam de gente, com rostos em contrição.

Agora, uma espécie de feriado ordinário encobriu a capital inglesa, num sábado como outro qualquer, em que grande parte da população escolheu ficar em casa. Diferentes jornais da imprensa londrina afirmaram que o número de pessoas nas ruas variou entre dezenas de milhares e centenas de milhares.

A chuva fina intermitente, a temperatura de 14º C e os ventos de 11 km/h podem ter contribuído para que o evento ficasse muito aquém do esperado. Pelo menos do ponto de vista das ruas e do público plebeu.

 Rei Charles 3º e rainha consorte Camilla deixam o Palácio de Buckingham em carruagem
Rei Charles 3º e rainha consorte Camilla deixam o Palácio de Buckingham em carruagem - Hannah McKay/Reuters

A inédita "homenagem do povo", que substituiu o tributo que antes era feito apenas por nobres, no qual é oferecido um juramento de lealdade ao novo monarca, tampouco engatou. Houve uma mudança de último minuto no texto do pedido, aprovada por Charles, claro, de acordo com o jornal britânico The Guardian.

Inicialmente, o arcebispo da Cantuária faria uma convocação às pessoas de "boa vontade" para repetir o juramento. Quando chegou a hora, ele apenas convidou a população a dizer "Deus salve o rei".

No pub The Three Tuns, onde a reportagem da Folha acompanhou parte da cerimônia, absolutamente ninguém levantou a voz para jurar lealdade a Charles 3º. Cerca de 50 pessoas assistiam à cerimônia pelas três TVs do bar, e o pedido do arcebispo para que o povo homenageasse o rei em voz alta foi ignorado, ao menos nesse simpático e tradicional estabelecimento em Marble Arch, na esquina do Hyde Park.

De nome céltico e nascida em Londres, a garçonete Belinda McGuirk estava em dúvida em prestar a homenagem a Charles. "Minha prioridade é servir os clientes", disse, com um sorriso carregado de ironia.

Antes do início do evento, dezenas de manifestantes foram detidos, entre os quais Graham Smith, chefe da Republic, um dos principais grupos antimonarquia do Reino Unido, o que fez a ONG de defesa dos direitos humanos Human Rights Watch condenar o que chamou de "alarmantes" prisões.

"É algo que esperaríamos ver em Moscou, não em Londres", disse Yasmine Ahmed, diretora da organização no Reino Unido. "Protestos pacíficos permitem que os que estão no poder sejam responsabilizados, algo que o governo britânico parece estar cada vez mais relutante em fazer." Cerca de 2.000 pessoas participaram dos atos em Londres, que tiveram 11 mil policiais fazendo a segurança.

O evento começou pontualmente às 11h, no horário local, na Abadia de Westminster. O início foi marcado pelo rei dizendo "Em Seu nome e segundo Seu exemplo, não venho para ser servido, mas para servir".

Pouco antes, o príncipe George, neto do rei, protagonizou um momento fofo e inédito ao entrar na abadia segurando uma das pontas da capa do avô, ao lado de outros jovens parentes de amigos ou familiares.

Trata-se do primeiro futuro monarca que tem papel ativo numa coroação. Aos 9 anos, ele é o segundo na linha sucessória, depois de seu pai, o príncipe William. Na coroação de Elizabeth 2º, em 1953, Charles tinha 4 anos e apenas assistiu à cerimônia desde um balcão. A mãe de George, Kate Middleton, também se destacou, ao usar brincos que pertenceram à sua sogra, lady Di (1961-1997).

Cerca de 2.200 convidados —entre os quais o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o líder francês, Emmanuel Macron, a primeira-dama dos EUA, Jill Biden, e o filho mais novo do rei, Harry, que veio sem a mulher— acompanharam o evento.

Charles recebeu do moderador da Igreja da Escócia uma Bíblia, referindo-se a ela como a "lei real". A Igreja da Escócia é de orientação calvinista presbiteriana, e é compromisso do rei defender sua independência.

Em seguida, fez o juramento de manter a fé, guiando-se pelos princípios cristãos na promoção da justiça, o que é curioso, já que o rei não governa e só tem os direitos de ser consultado, de encorajar e de alertar.

Após uma breve oração na intenção de que Deus proteja o rei, o premiê britânico, Rishi Sunak, que é hindu, leu o trecho bíblico de Colossenses 1:9-17, que proclama o reino de Cristo sobre todas as coisas.

O grupo gospel Ascension Choir, formado por cantores negros, selecionado a fim de sinalizar a diversidade de fé e de raças, cantou "Aleluia". A escolha pode ter sido feita para ajudar a afastar as acusações de racismo que pairam sobre a família real desde que Harry e sua esposa, Meghan Markle, disseram em entrevista que havia preocupações sobre o quão escura seria a cor da pele do filho do casal.

A unção foi um dos momentos mais importantes da liturgia. Ocorreu em discrição, com o rei longe das vistas do público, atrás de um dossel, uma espécie de biombo. Ele teve parte das vestes retiradas e recebeu o óleo na testa e no peito. Depois, foi entregue a ele o cetro e o cajado, símbolos de poder temporal e espiritual, além de peças como esporas, espada, manto, estola, orbe, anel e luva.

A histórica falta de charme de Charles foi exposta por seu semblante fechado em diversos momentos da cerimônia. Na hora da coroação em si, ele deu uma respirada tão profunda que poderia ter sido ouvida nas várias nações do Commonwealth, grupo de países explorados pelo império britânico.

A coroação foi o sinal para que os sinos bimbalhassem, ao mesmo tempo em que tropas de artilharia dispararam por todo o país. Após a entronização, o rei começou a receber homenagens. Primeiro da Igreja da Inglaterra, depois do sangue real, pelo príncipe William. E, por fim, a malfadada "homenagem do povo".

A seguir, foi o momento da coroação de Camilla, antes Parker-Bowles, que recebeu relíquias, como o anel de consorte, ainda que ela não vá carregar esse título, e a coroa da rainha Mary, de 1911, com três diamantes. Uma série de hinos e rezas finalizaram o serviço. Charles e a esposa então iniciaram o trajeto de volta a Buckingham, desta vez carregando as coroas em suas cabeças.

Lá, cercados por crianças, entre as quais os netos George, Charlotte e Louie, além de William e Kate à direita do rei, apareceram na sacada do palácio para saudar os plebeus. Parecia o fim dos trabalhos, quatro horas depois de terem iniciado a jornada em direção a Westminster, mas o casal voltou à cena por alguns minutos, com Camilla vestindo uma estola semelhante à que recobria Charles. Agora sim acabou.

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