Drones caseiros de ataque são vitais no esforço da Ucrânia contra a Rússia

Dispositivos armados com explosivos se tornaram uma das inovações mais mortíferas na guerra no Leste Europeu

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Ivanivske (Ucrânia) | The New York Times

Zumbindo como um enorme mosquito, o pequeno drone decolou de um campo agrícola no leste da Ucrânia, pairou um instante e partiu veloz na direção das posições russas perto da cidade de Bakhmut.

"Amigos, vamos!", disse o piloto, o soldado Ievhen. Com um par de óculos de realidade virtual preso à cabeça, ele usava joysticks para conduzir o aparelho e sua carga de dois quilos de explosivos.

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Operador de drone segura aparelho durante exercícios de treinamento fora de Kiev, na Ucrânia - Nicole Tung - 2.mai.23/The New York Times

Construídos a partir de drones amadores, equipamentos eletrônicos e acessórios de videogames, os drones de ataque artesanais como este emergiram como uma das inovações mais mortíferas e difundidas nos mais de 14 meses de Guerra da Ucrânia.

Na linha de frente, os drones ampliam o alcance dos soldados, que podem conduzi-los com precisão para lançar granadas de mão em trincheiras ou bunkers inimigos, ou mergulhar sobre alvos e explodir com o impacto. Drones autodestrutivos, em particular, são facilmente construídos, e milhares de soldados de ambos os lados agora têm experiência em fabricá-los com peças encontradas sem dificuldade –embora os ucranianos digam que usam essas armas com mais frequência do que seus adversários russos.

Essas pequenas naves proliferaram no campo de batalha muito antes de a Rússia dizer, na semana passada, que duas explosões sobre o Kremlin foram um ataque de drones —incidente pelo qual ambos os países envolvidos no conflito acusam-se mutuamente. Se drones de ataque realmente voaram por cima dos muros do Kremlin, não está claro de que tipo eram, qual o seu alcance ou quem era o responsável.

Durante anos, os EUA implantaram no Iraque e no Afeganistão drones Predator e Reaper, que custam dezenas de milhões de dólares cada um e podem disparar mísseis e depois retornar às suas bases. A Ucrânia, por outro lado, adaptou uma ampla gama de pequenas aeronaves facilmente disponíveis como produtos de consumo, de quadricópteros a drones de asa fixa, para detectar alvos e lançar granadas.

Drones explosivos pertencem a uma classe de armas conhecida como munições vagantes, ou suicidas, por poderem circular ou pairar antes de mergulhar contra um alvo.

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Militar ucraniano conserta drone kamikaze - Nicole Tung - 2.mai.23/The New York Times

Soldados e voluntários civis os fabricam em oficinas de garagem, experimentando e inventando materiais impressos em 3D, explosivos e softwares personalizados para tentar evitar defesas russas. Eles produziram alguns drones que lançam bombas grandes o suficiente para destruir veículos blindados, que podem ser reutilizados e custam até US$ 20 mil.

Os drones autodestrutivos menores e mais comuns, como os pilotados por Ievhen, custam algumas centenas de dólares. São construídos em torno de um tipo de drone para corridas amadoras, em geral um modelo fabricado pela empresa chinesa DJI, com explosivos presos por braçadeiras ou fita adesiva. São armas de uso único e descartáveis; uma vez lançadas, não podem nem sequer pousar com segurança.

O major Kiril Veres, comandante de uma brigada ucraniana baseada perto de Severesk, no norte de Bakhmut, vê "um enorme potencial" para essa arma na luta de trincheiras que dominou a guerra. "Qualquer equipamento pode ser atingido num local onde o inimigo pensa que está um milhão por cento seguro."

A experiência de pilotar com óculos de realidade virtual, proporcionando uma visão imersiva da câmera do drone, é como jogar um videogame altamente estressante —as missões estão longe de serem isentas de riscos para os pilotos. Os drones que transportam cargas explosivas tem alcance curto, cerca de 6,5 km, normalmente, o que significa que os pilotos devem atuar em trincheiras na linha de frente ou perto dela, onde são vulneráveis à artilharia e a franco-atiradores.

Ainda assim, os aparelhos são eficazes. Militares ucranianos postaram dezenas de vídeos gravados pelos drones enquanto se aproximavam dos alvos, com uma precisão devastadora. Os pilotos perseguem e atingem tanques em movimento ou entram pelas portas abertas de veículos blindados para explodir lá dentro, enquanto os soldados tentam pular para fora no último momento. Habitualmente, porém, os drones são lançados contra bunkers —intenção de Ievhen naquela manhã na linha de frente em Bakhmut.

O bosque de onde ele operava era um verdadeiro aeroporto de drones: várias unidades manipulavam aparelhos de vigilância enquanto outras tentavam lançar granadas de mão nas trincheiras russas.

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Militar ucraniano opera drone, aparelho transformado em armas mortais pelas forças do país - Nicole Tung - 2.mai.23/The New York Times

Depois que o drone decolou com um zumbido, Ievhen o deixou pairar por um momento para testar os controles. O aparelho caiu de volta à terra –um momento de aflição, pois o explosivo já tinha sido acionado para detonar. Mas ele não explodiu e decolou novamente.

Se tudo corresse como o planejado, ele logo veria a entrada de um bunker se aproximando e, no último momento, talvez um vislumbre de soldados russos condenados. Suas mãos tremiam no console.

Dois outros drones acompanhavam a nave de ataque, voando para guiar e filmar a ação. Um redemoinho de cabos, plugues e telas em um bunker fechava o sistema. Momentos após a decolagem, os pilotos anunciaram a altitude e passaram os pontos identificados no terreno. "Faça-me um favor e vá direito", disse Ievhen a um piloto que o acompanhava. Os drones atingiram a área onde as defesas eletrônicas russas poderiam bloquear seus sinais, fazendo com que os pilotos perdessem o controle e até caíssem.

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Militar ucraniano limpa veículo aéreo não tripulado durante exercícios - Nicole Tung - 2.mai.23/The New York Times

"Estável, estável", disse ele sobre a conexão de rádio. Então Ievhen perdeu o controle. "Para onde você voou?", perguntou ele ao seu copiloto, tentando se orientar. "Estou aqui", disse o outro.

Mas o drone explosivo de Ievhen caiu várias centenas de metros antes do alvo. Nem ele nem os drones de vigilância que o acompanhavam, fora de posição quando caiu, puderam dizer se ele explodiu ou pousou num campo. Não estava claro se uma interferência russa ou uma falha técnica havia derrubado a nave.

Desta vez, o trabalho de construção do drone explosivo e o risco de chegar perto o suficiente para lançá-lo sob fogo de artilharia resultaram apenas em lições aprendidas, não em um ataque bem-sucedido. "Tudo está perdido", disse Ievhen, retirando os óculos. "Simplesmente caiu."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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