Descrição de chapéu terrorismo

Entenda o conflito no Afeganistão e a ofensiva do Taleban até tomar o poder

Saiba como surgiu o grupo fundamentalista, após guerrilhas contra os soviéticos apoiadas pelos EUA

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São Paulo

Duas décadas depois de sair do comando do Afeganistão, o grupo fundamentalista Taleban reconquistou o governo do país.

A milícia extremista deixou um rastro de violência à medida em que foi conquistando cidades e províncias e, neste domingo (15), entrou na capital, Cabul.

Afegão carrega o filho na tentativa de cruzar a fronteira com o Paquistão, em Chaman - AFP

Entenda, a seguir, a guerra em curso no Afeganistão.

O que está acontecendo no Afeganistão? O grupo fundamentalista islâmico Taleban fez uma campanha militar para tomar o comando do Afeganistão. Desde que os Estados Unidos começaram a retirar tropas militares após 20 anos de guerra no país, os rebeldes lançaram uma ofensiva pelo interior e foram conquistarando a maior parte do território. O grupo conquistou as maiores cidades e cercou a capital, Cabul.

O que é o Taleban e como o grupo surgiu? A palavra Taleban significa "estudantes" em pashto, um dos idiomas oficiais do Afeganistão, língua da etnia majoritária pashtun. O grupo surgiu de milícias estudantis apoiadas pelo Paquistão, que faz fronteira com o Afeganistão, e pelos Estados Unidos, em um contexto de Guerra Fria, para expulsar a União Soviética, que ocupava o país desde o fim dos anos 1970.

Com o colapso do bloco comunista e a saída das tropas soviéticas, o grupo se organizou e disputou, contra outras facções, uma guerra civil, da qual saiu vitorioso em 1996, o que lhe deu o comando do Afeganistão.

Como foi o período em que o grupo governou o país? Em 1996 o Taleban estabeleceu o Emirado Islâmico do Afeganistão, com o religioso e veterano de guerra Mohammed Omar como seu comandante supremo. O grupo foi bem recebido por algumas camadas da sociedade afegã pela promessa de devolver alguma estabilidade ao país devastado por quase duas décadas de guerra. Os extremistas, no entanto, nunca chegaram a controlar o território por completo, encontrando resistência sobretudo a nordeste do país. Apesar de ter o controle do Estado, o Taleban não tinha respaldo internacional.

Com um discurso anticorrupção e em um esforço de moralização de uma sociedade supostamente corrompida, o Taleban impôs uma interpretação severa da "sharia", a lei islâmica. Relatório da ONG Human Rights Watch aponta que o grupo cometeu violações sistemáticas de direitos humanos, com castigos corporais, execuções e supressão de liberdades de expressão e religião.

O governo do Taleban, por exemplo, não permitia que meninas estudassem, mulheres não podiam sair de casa desacompanhadas e sem burca, e homens tinham que manter a barba grande.

O grupo também proibia manifestações culturais ocidentais de modo abrangente, incluindo música e cinema, o que levava a punições até a quem tivesse aparelhos de televisão. Sob ordens de destruir todas as estátuas do país, o Taleban explodiu em 2001 dois monumentos gigantes que representavam Buda, que datavam do século 6 e tinham 38 metros e 55 metros de altura, ação amplamente condenada pela comunidade internacional.

Como o grupo saiu do poder e por que os Estados Unidos tinham tropas no país? Os ataques de 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos foram atribuídos à rede terrorista Al Qaeda, sob o comando de Osama Bin Laden, que observadores internacionais diziam ter proteção do Taleban no Afeganistão —relatório do Conselho de Segurança da ONU aponta que em 2021 os dois grupos ainda mantêm laços.

Com a recusa do governo afegão a entregar o grupo terrorista, os Estados Unidos lideraram uma coalizão militar que invadiu o país em outubro de 2001. Os principais líderes do Taleban, incluindo o chefe supremo do grupo, Mohammed Omar, fugiram, e o governo caiu pouco depois, em dezembro.

Como foi a ocupação militar e o que aconteceu no país nos últimos 20 anos? Com a expulsão do Taleban, os Estados Unidos estabeleceram um governo provisório, e desde 2004 o país começou a ter eleições democráticas.

Mas o grupo fundamentalista nunca deixou de reivindicar o poder e continuou realizando atentados tanto no país como em Estados vizinhos. Um dos ataques de maior repercussão ocorreu em 2012, no Paquistão, onde o grupo também é influente, contra Malala Yousafzai, então estudante de 14 anos que denunciava à imprensa internacional a violência do Taleban na região. A menina sobreviveu e ganhou o Nobel da Paz, e o atentado gerou nova onda de reação internacional contra o grupo extremista.

Como o Taleban sobreviveu longe do poder? Segundo o centro de pesquisas americano Council on Foreign Relations, o grupo se financia com o fornecimento de ópio a produtores de heroína, tráfico de drogas, extorsão e sequestro, e tem uma renda anual que varia entre US$ 300 milhões e US$ 1,6 bilhão.

Por que os Estados Unidos decidiram retirar tropas do país? Com os atentados constantes, a missão americana não foi encerrada e se tornou a guerra mais longa já enfrentada pelos Estados Unidos, superando inclusive a Guerra do Vietnã.

Segundo estimativa do observatório Custos da Guerra da Universidade de Brown (EUA), desde a invasão em 2001 até abril deste ano, os confrontos no Afeganistão e no Paquistão mataram cerca de 240 mil pessoas, a maioria de soldados locais e forças inimigas, mas também mais de 71 mil civis e pouco mais de 6.000 americanos. Além disso, a missão dos Estados Unidos já custou cerca de US$ 2,3 trilhões no mesmo período.

Com esses resultados e sem perspectiva de vitória, diferentes governos americanos prometeram retirar os soldados do país, o que finalmente foi levado adiante pelo novo presidente dos EUA, Joe Biden, que anunciou que a missão seria concluída até 31 de agosto.

A retirada, porém, deu nova força para os extremistas islâmicos, que agora estão mais perto do que nunca de retornar ao comando do país.

Qual a reação ao anúncio dos Estados Unidos? O governo do Afeganistão culpou o governo americano pela escalada da violência no país, mas a reação internacional foi mais comedida, já que junto dos americanos também estão saindo as tropas da Otan (aliança militar do Atlântico norte). O presidente Joe Biden respondeu às críticas, afirmando que "os afegãos têm que lutar por eles próprios, lutar por sua nação", e que não se arrepende da decisão.

Segundo o Acnur, agência de refugiados da ONU, cerca de 400 mil afegãos foram forçados a deixar suas casas desde o começo do ano.

Com a recente escalada da violência e a queda do governo, países do mundo convocaram seus cidadãos a deixar o país e resolveram fechar temporariamente suas embaixadas e consulados —o Brasil já não tinha mais representação diplomática no Afeganistão.

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