Estado da Índia vai na contramão do país mais populoso do mundo e sofre com baixa natalidade

Governo de Sikkim oferece dinheiro e paga fertilização in vitro para moradores terem mais filhos

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Gangtok (Índia) | The New York Times

O estado de Sikkim, localizado no Himalaia e cercado por Nepal, Butão e Tibete, destaca-se na rica diversidade da Índia. Tem o pico mais alto do país, assim como é o maior produtor mundial de cardamomo preto defumado. Por outro lado, também contrasta com a mais baixa taxa de natalidade do país asiático.

Na nação mais populosa do planeta, Sikkim conta com menos de 750 mil habitantes. A reduzida taxa de natalidade preocupa os líderes locais pela sobrevivência da cultura produzida pela mistura de variados grupos étnicos, religiões e geografia.

Enquanto a Índia como um todo conta com 1,4 bilhão de habitantes e segue crescendo, logo se tornará o país mais populoso da história, a situação em Sikkim vai na contramão: é considerada tão complicada que o governo local tem pago para que os moradores tenham bebês.

 Centro de Fertilidade Newlife localizado em Sikkim
Centro de Fertilidade Newlife localizado em Sikkim, na Índia - Smita Sharma/The New York Times

A iniciativa aponta uma realidade demográfica na Índia que muitas vezes é ofuscada por sua escala. O crescimento populacional é altamente desigual. Alguns estados no norte subdesenvolvido respondem por grande parte dele. Outras partes da Índia –particularmente o sul, onde a renda é mais alta, e as mulheres, mais instruídas– se parecem mais com o Leste Asiático ou com a Europa ocidental, com populações envelhecidas que estão diminuindo ou diminuirão nos próximos anos.

Em Sikkim, a taxa de natalidade despencou, segundo autoridades, por um motivo diferente: a falta de oportunidades econômicas, que muitas vezes obriga homens e mulheres a procurar empregos fora do estado. Nesse cenário, casamentos acabam deixados em segundo plano e ficam para mais tarde na vida.

Mulheres em Sikkim desfrutam de maior liberdade do que em outras áreas rurais da Índia, onde muitas vezes se limitam ao trabalho doméstico e à criação dos filhos. Com taxa de participação feminina na força de trabalho de 59%, muito superior à média nacional de cerca de 29%, as jovens estão preferindo carreiras profissionais a casamentos precoces. Como resultado prático, têm menos filhos.

As autoridades estaduais desejam que os casais tenham pelo menos três filhos. As estatísticas do governo mostram números bem aquém do almejado: as mulheres estão tendo, em média, 1,1 filhos. Funcionários do Estado alegam que o número seria ainda menor: 0,89. A taxa é pouco superior à da Coreia do Sul, o país menos fecundo do mundo.

Em Sikkim, o governo aposta numa estratégia de três frentes. Desde agosto, oferece auxílio a cidadãos em idade reprodutiva e sem filhos para tratamento de fertilização in vitro —procedimento que consiste na união do espermatozóide ao óvulo em um laboratório.

O governo local também proporciona aos casais com um filho um bônus mensal de cerca de US$ 80 (R$ 406), se tiverem outros bebês. Por sua vez, os funcionários públicos recebem aumento salarial, licença-maternidade de um ano e até uma babá se aumentarem suas famílias.

Embriologista acompanha a fertilização in vitro no Centro de Fertilidade Newlife, na Índia
Embriologista acompanha a fertilização in vitro no Centro de Fertilidade Newlife, na Índia - Smita Sharma - 29.abr.23/The New York Times

Há muito em jogo com o declínio vertiginoso das taxas de natalidade entre todos os grupos étnicos dominantes de Sikkim: os nepaleses, predominantemente hindus, os lepchas e os bhutias, ambos principalmente budistas. "Eles verão sua cultura desaparecer, ou terão de convencer as pessoas a ter mais filhos para mantê-la viva", diz Alok Vajpeyi, funcionário da Fundação População da Índia.

Forças sociais que orientam decisões das pessoas sobre ter filhos dificilmente são modificadas por qualquer governo. Mas o de Sikkim espera que a fertilização in vitro ajude famílias que desejam ter filhos.

O governo local supervisiona um programa que paga cerca de US$ 3.600 (R$ 18,2 mil) para a primeira tentativa de tratamento de fertilização in vitro, além de cerca de US$ 1.800 (R$ 9.100) para a segunda.

Ao oferecer esse tipo de processo, o governo tem de enfrentar um estigma generalizado, incluindo rumores de que os bebês nascidos por meio do tratamento são feitos em "caixas de plástico", ou que as crianças são geneticamente de outras pessoas.

"Não estamos apenas lutando contra equívocos e rumores, mas também tentando salvar nosso modo de vida", disse Shanker Deo Dhakal, um alto funcionário do gabinete do ministro-chefe de Sikkim.

Desde que a política foi instituída, mais de cem casais optaram pelo tratamento de fertilização in vitro, enquanto outros estão se inscrevendo a cada dia. As autoridades também investem para educar as pessoas sobre o procedimento por meio de campanhas na mídia.

A funcionária pública Arpana Chettri, 40, com a filha de seis meses em sua casa em Gangtok, capital de Sikkim
A funcionária pública Arpana Chettri, 40, com a filha de seis meses em sua casa em Gangtok, capital de Sikkim - Smita Sharma - 1º.mai.23/The New York Times

Funcionária pública, Arpana Chettri, 40, experimentou o programa em primeira mão. Em uma manhã recente, ela estava embalando sua filha de seis meses, cantando uma canção de ninar para ela na língua nepalesa em sua casa em Gangtok, capital de Sikkim.

Chettri deu à luz após seu segundo procedimento de fertilização in vitro e está em licença-maternidade de um ano. "O problema agora é que as pessoas perguntam: 'Você pegou a criança depois da injeção?'", disse, referindo-se ao equívoco de que os bebês de fertilização in vitro são feitos em tubos de plástico.

"Como posso dizer a eles que este é meu bebê? Tomei dezenas de injeções, foi doloroso", disse ela. "Mas ela ficou dentro de mim durante nove meses, não em uma geladeira."

O casal Yogesh e Rupa Sharma recorreu à técnica de fertilização in vitro paga pelo governo
O casal Yogesh e Rupa Sharma recorreu à técnica de fertilização in vitro paga pelo governo - Smita Sharma - 29.abr.23/The New York Times

O casal Yogesh e Rupa Sharma aproveitou a oportunidade para se submeter ao tratamento de fertilização in vitro às custas do governo, após cinco tentativas fracassadas. O marido disse que queria falar abertamente sobre a experiência de sua própria família para encorajar as pessoas a "tentar".

"A falta de filhos pode ser muito solitária", disse ele. "Como nossa população está diminuindo rapidamente, apenas a ciência pode nos ajudar."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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