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Rússia

Crise inédita provocará mudanças no balanço de forças de Putin

Motim de grupo mercenário Wagner abre caminho para campanha de vingança

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Brasília

Inaudito desde 1993, o emprego de força federal para asseverar a autoridade do Kremlin é um golpe duro para a imagem de Vladimir Putin. Mas é muito cedo para saber se haverá erosão significativa no poder real do presidente russo, no comando da Rússia desde 9 de agosto de 1999.

A revolta do grupo mercenário Wagner é, antes de tudo, o resultado da leniência de Putin com a escalada retórica do falastrão Ievguêni Prigojin. Figura algo folclórica, o líder agora rebelde sempre se posicionou como porta-voz dos descontentes com os rumos da Guerra da Ucrânia.

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, durante uma reunião com membros do governo por videoconferência, no Kremlin - Gavriil Grigorov - 21.jun.23/Sputnik via AFP

Ele não era, contudo, um defensor do endurecimento puro e simples do conflito. Em seu manifesto golpista desta sexta (23), ele basicamente se colocou contra o casus belli da guerra —o risco de a Ucrânia entrar na Otan, o clube militar liderado pelos EUA.

No fundo, suas queixas insinuavam uma busca por maior protagonismo político. Ex-presidiário e empresário do ramo de alimentação, Prigojin cresceu sob o beneplácito de Putin, a quem tenta poupar em sua ofensiva. Só que não vai colar. Incitar uma revolta armada seria grave em qualquer situação, mas é especialmente explosivo enquanto a Ucrânia pressiona pontos da frente de batalha de 1.000 km no seu território ocupado no leste e no sul do país.

A reação rápida da instância mais temida da Rússia, o serviço de segurança FSB, deu a senha: Prigojin vai ter de encarar a prisão, ou coisa pior. Sedição dá ao menos 20 anos de cadeia na Rússia, isso sem considerar agravantes.

Naturalmente, é uma situação fluida. Putin sempre estimulou as brigas entre seus escalões inferiores, emulando a forma imperial clássica de gestão de governo de seu país. Agora, terá de intervir diretamente na crise.

O curioso é que, recentemente, observadores da cena russa apontavam um aumento da insatisfação de Putin com Serguei Choigu, o ministro da Defesa visto por radicais e pacifistas como inepto na condução da guerra.

Na semana retrasada, contudo, Putin apoiou o movimento da Defesa de enquadramento do Wagner e de outras forças irregulares, sob a desculpa de que era uma forma de garantir benefícios previdenciários aos soldados —no caso do grupo de Prigojin, muitos condenados retirados da prisão em troca do serviço militar.

Chama a atenção, assim, a posição de um antigo aliado que se afastou de Prigojin, o ditador da república russa muçulmana da Tchetchênia, Ramzan Kadirov. Ele também é crítico de Choigu e muito influente junto a Putin, mas aceitou imediatamente a proposta de submeter seus voluntários à Defesa.

Kadirov emerge como ator importante na crise ora em curso. As próximas horas e dias serão vitais para entender para onde a crise vai, se a uma acomodação ou a um agravamento, mas uma coisa é certa: o terremoto provocará mudanças na composição de forças sob Putin.

Em Kiev, certamente há torcida para um degringolamento geral, mas isso não é do interesse da Casa Branca, por exemplo. Nenhum país sério gostaria de ver uma insurreição armada em uma potência nuclear rival.

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