Descrição de chapéu África

Mulheres relatam estupros e agressões sexuais durante conflito no Sudão

Exército e grupo militar se acusam mutuamente por casos de violência e transformam cidades em zonas de guerra

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Cairo | AFP

Zeinab fugia do conflito na capital do Sudão, Cartum, em busca de segurança quando se viu presa ao chão, com um fuzil apontado para o peito, enquanto era estuprada por um paramilitar. Para ela, naquele momento, a morte era quase certa. "Tinha certeza de que íamos morrer", disse à agência de notícias AFP.

Dezenas de mulheres relataram ataques semelhantes —em suas casas, na beira da estrada e em outros lugares— desde que o conflito no Sudão começou, em abril, entre o Exército e o grupo paramilitar RSF (Forças de Apoio Rápido).

Mulheres caminham pelas ruas de Cartum, capital do Sudão - 28.mai.23/AFP

No mês passado, Zeinab relatou que as mulheres estavam saindo de Cartum quando o micro-ônibus em que estavam foi parado em um posto de controle paramilitar. Aterrorizadas, foram levadas a um armazém onde um homem "que aparentava ser o comandante" ordenou a Zeinab que se deitasse no chão.

"Um homem me segurou com uma mão enquanto outro me estuprou. Quando acabou, eles trocaram", disse à AFP. "Eles queriam pegar minha irmã. Eu implorei a eles de joelhos para deixá-la ir", disse ela.

As mulheres conseguiram fugir para Madani, a 200 km de Cartum, onde denunciaram o ataque à polícia e foram para um hospital. "Não somos as primeiras pessoas com quem isso aconteceu nem as últimas", disse Zeinab, que se refugiou em outro país.

O chefe do Exército sudanês, o general Fatah al-Burhan, e o grupo RSF, liderado por Mohamed Hamdan Dagalo, conhecido como Hemedti, acusam-se mutuamente por esse tipo de ataque. Advogada de direitos humanos, Jehanne Henry, no entanto, alega que ambos os lados cometeram "atos hediondos de violência sexual" no passado.

A agência governamental Unidade de Combate à Violência contra Mulheres e Crianças documentou 49 agressões nas duas primeiras semanas do conflito. Segundo Sulaima Ishaq al Khalifa, a chefe da unidade, 43 sobreviventes identificaram os perpetradores "em uniformes da RSF". "Não há uma única mulher em Cartum que se sinta segura, nem mesmo em sua própria casa", conta.

O Exército do Sudão e o grupo paramilitar RSF travam há semanas um conflito que transformou as ruas de Cartum em zonas de guerra e que, por ora, não tem perspectiva para acabar. Ao menos 1.800 pessoas foram mortas e outras 5.287 ficaram feridas, segundo a Organização Mundial da Saúde.

Os horrores do conflito foram agravados por uma onda de violência sexual. A maioria pediu anonimato ou, como Zeinab, usou um pseudônimo por medo de represálias.

Em um caso relatado por Amna, uma defensora local dos direitos humanos, 12 mulheres foram detidas por homens armados e forçadas a participar do saque de um armazém no final de abril. Lá dentro, elas ouviram a porta sendo trancada. "Todas foram estupradas. Havia homens com eles que foram forçados por combatentes em uniformes da RSF a estuprar as mulheres."

Amna contou que ela e outros ativistas registraram outros casos em Darfur, onde a vítima mais jovem tinha 14 anos. "Mulheres e meninas são sequestradas e levadas para um hotel controlado pelos paramilitares, no qual são mantidas por dois ou três dias e repetidamente estupradas", acrescenta.

Nuvens de fumaça saem de um incêndio em um depósito de madeira no sul de Cartum em meio aos combates em andamento entre o Exército e o grupo paramilitar RSF (Forças de Apoio Rápido)
Nuvens de fumaça saem de um incêndio em um depósito de madeira no sul de Cartum em meio aos combates em andamento entre o Exército e o grupo paramilitar RSF (Forças de Apoio Rápido) - 7.jun.23/AFP

Segundo médicos locais, muitas vítimas não recebem atendimento porque os hospitais foram saqueados ou destruídos. Um membro do comitê de resistência disse que em maio três soldados do Exército invadiram uma casa em Cartum, espancaram o filho e estupraram a mãe e a filha. Vizinhos teriam ouvido gritos nas casas durante horas.

Um advogado que documentou agressões por parte das forças de segurança disse que o fenômeno afeta todos os segmentos da sociedade sudanesa. Apesar da grave escassez de suprimentos médicos, profissionais de saúde tentam fornecer medicamentos contra HIV e contracepção de emergência.

Ativistas e médicos tentam documentar os ataques para garantir que não haja impunidade. Após vários de seus colegas serem interrogados violentamente, Amna diz que todos os ativistas estão em perigo.

Zeinab espera que seus estupradores enfrentem a Justiça, embora ela esteja resignada. "Compartilhei meu testemunho para tentar evitar que isso aconteça com outras pessoas", disse. "Mas mesmo quando fiz o boletim de ocorrência, sabia que nada iria acontecer. Nunca vão pegar o homem que fez isso."

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