Descrição de chapéu The New York Times

Negacionistas do naufrágio do Titanic espalham no TikTok versão falsa da tragédia

Algoritmos da rede social impulsionam desinformação sobre afundamento do transatlântico em 1912

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Tiffany Hsu Sapna Maheshwari
The New York Times

Os detalhes do que aconteceu com o transatlântico diferem conforme quem conta a história.

O iceberg que colidiu com a embarcação de luxo foi avistado às 23h40, segundo o Instituto Oceanográfico Woods Hole, ou 23h35, como afirma uma exposição sobre o navio em Nova York. O Museu Real de Greenwich, no Reino Unido, diz que o acidente fatídico custou a vida de 1.503 pessoas, enquanto o Museu Smithsonian, nos Estados Unidos, afirma que 1.522 passageiros e tripulantes morreram.

Historiadores atribuem a variação a fatores como listas de passageiros imprecisas e contagem apressada dos embarques, transmitidas por sinais fracos. As linhas gerais, porém, não estão em debate. Todos os especialistas confiáveis concordam que em 15 de abril de 1912, alguns dias após o início de sua viagem inaugural, o RMS Titanic acabou no fundo do Oceano Atlântico norte.

Primeira varredura tridimensional em tamanho real dos destroços do Titanic
Primeira varredura tridimensional em tamanho real dos destroços do Titanic - 18.mai.23/Atlantic Production/Magellan

Mais de um século depois, no aplicativo TikTok, está circulando uma versão muito diferente. Em uma postagem que teve mais de 11 milhões de visualizações antes de ser removida neste ano, um usuário escreveu: "O Titanic nunca afundou!!!". No aplicativo de vídeos curtos, fatos há muito tempo aceitos sobre o acidente estão sendo novamente discutidos, à medida que velhos rumores se misturam com novas desinformações e conteúdo manipulado —uma demonstração da poderosa capacidade da plataforma de semear o revisionismo histórico até mesmo nos casos mais profundamente estudados.

Um post de 32 segundos começa com um desenho em preto e branco do Titanic, sua popa apontando acima das ondas e repleta de pessoas, com uma melodia de sintetizador ao fundo. Um homem de moletom com capuz e boné de beisebol ao contrário, sobreposto ao quadro, faz uma afirmação conhecida (acompanhado de um emoji de um rosto gritando): "O Titanic NUNCA afundou realmente".

Olhando para a câmera, ele repete a chamada teoria da "troca", exaustivamente refutada: que os destroços no fundo do mar pertencem ao navio irmão mais velho e decrépito do Titanic, o Olympic, afundado numa tentativa de fraudar o seguro. Outro vídeo apresenta uma teoria da conspiração de que o naufrágio foi um assassinato por encomenda ordenado pelo financista J.P. Morgan —cujo nome verdadeiro era John Pierpont Sr.— para eliminar opositores do banco central, o Federal Reserve.

O ceticismo sobre o Titanic irritou os estudiosos do navio desde que ele afundou. Então, em dezembro, chegou o 25º aniversário do filme "Titanic", de 1997, o épico caro que criou um romance meloso sobre uma representação fictícia do desastre. A comemoração incluiu o relançamento do filme nos cinemas pouco antes do Dia dos Namorados. Também houve uma enxurrada de notícias sobre James Cameron, o diretor, ter trabalhado com cientistas e dublês para resolver um debate persistente sobre uma cena crucial do filme: quantos amantes infelizes poderiam sobreviver sobre uma porta flutuando na água gelada do oceano? (Testes mostraram que dois poderiam, de fato, ter conseguido.)

Os experimentos de Cameron pareceram acrescentar combustível a uma série de teorias da conspiração do TikTok sobre o verdadeiro Titanic —muitas das quais montadas a partir de diversas suposições e evidências mal interpretadas e postadas on-line em capítulos. "É meio desanimador ver tanto lixo surgindo", disse Charles A. Haas, fundador da Titanic International Society, que passou seis décadas estudando o malfadado navio. Ele é coautor de cinco livros sobre o assunto, mergulhou duas vezes no local do naufrágio e desmascarou mais teorias da conspiração do que gostaria de contar.

"Sinto-me como uma de poucas vozes gritando contra o som de um furacão", disse ele.

A Titanic International Society, uma das várias organizações históricas do mundo dedicadas ao estudo do Titanic, possui contas no Instagram, no Facebook e no Twitter, mas nenhuma presença no TikTok. Haas atribuiu a decisão em parte ao medo de que a reputação do TikTok como "um tipo de lugar selvagem e confuso" manche qualquer pesquisa séria nele compartilhada. "A pior parte é que muitas pessoas que seguem esse tipo de coisa são adolescentes e não estão dispostas a ir mais a fundo", disse ele.

O TikTok, que afirma ter 150 milhões de usuários americanos e é especialmente popular entre os jovens, tornou-se um vetor poderoso de desinformação, sobre o passado e o presente. Um período de ditadura violenta nas Filipinas, décadas atrás, foi reformulado no app como uma fase de crescimento econômico.

Assim como outras plataformas, o TikTok tentou reprimir algumas falsidades históricas prejudiciais, como esforços para negar o Holocausto, enquanto trabalhava para combater mentiras mais modernas sobre eleições, fraudes de saúde e outros tópicos. A empresa, que pertence à companhia de internet chinesa ByteDance, também luta por seu futuro nos EUA, em meio a preocupações de segurança nacional.

"A prioridade é proteger nossa comunidade, por isso removemos informações incorretas que causarão danos significativos e trabalhamos com verificadores de fatos independentes para avaliar a precisão do conteúdo em nossa plataforma", disse Ben Rathe, porta-voz do TikTok. De acordo com suas diretrizes, a empresa impede que vídeos com teorias da conspiração apareçam nos feeds, como os que afirmam que "grupos secretos ou poderosos" realizaram coisas. Mas o app não bloqueia totalmente esses vídeos.

Embora muitos jovens usuários do TikTok possam reconhecer e zombar das teorias da conspiração, a geração também luta para entender o passado. A proficiência em história dos Estados Unidos entre os alunos da oitava série diminuiu a cada ano desde 2014, segundo um levantamento federal. Uma pesquisa no ano passado perguntou se os astronautas da Nasa tinham pousado na lua; quase metade dos participantes que nasceram depois de 1997 respondeu que não ou que não tinham certeza.

Especialistas em desinformação dizem que o algoritmo do TikTok e os feeds personalizados que ele cria para os usuários podem torná-lo especialmente poderoso para espalhar teorias da conspiração. Para mostrar conteúdo aos usuários, o sistema depende menos de conexões sociais e seguidores, como Twitter e Facebook, e mais de engajamento, disse Megan Brown, engenheira de pesquisa sênior do Centro de Mídia Social e Política da Universidade de Nova York.

"Se alguém está gastando tempo em um vídeo, não importa se ele realmente acredita que J.P. Morgan afundou o Titanic ou se acha engraçado alguém falar sobre J.P. Morgan ter afundado o Titanic", disse Brown. "É o mesmo sinal no que diz respeito ao TikTok, então eles recomendam mais desse conteúdo."

Morgan, cuja companhia White Star Line era a dona do Titanic, figura com destaque nas lendas do naufrágio. Os vídeos repetem alegações de décadas de que o milionário desistiu de viajar no navio minutos ou horas antes de zarpar pois pretendia usá-lo para assassinar inimigos poderosos a bordo que se opunham a seus esforços para criar um sistema bancário centralizado. (Em algumas narrativas, os usuários do TikTok reformulam os vilões como a rica família Rothschild ou a ordem católica dos jesuítas.)

Especialistas apontam que o registro histórico e o senso comum não endossam tais afirmações. As evidências sugerem que Morgan não conseguiu embarcar no Titanic porque estava resolvendo uma situação inesperada sobre sua coleção de arte europeia. O empresário também precisaria ter certeza de que o Titanic colidiria com um iceberg com força catastrófica e que seus adversários não estariam entre as mais de 700 pessoas que sobreviveram ao naufrágio.

As teorias da conspiração do Titanic podem parecer relativamente inofensivas, sobretudo num ambiente moderno em que as mentiras online permitiram danos reais, como um ataque ao Capitólio ou um atirador numa pizzaria. Boatos sobre um naufrágio de 111 anos atrás recaem numa espécie de lacuna para as redes sociais, que já lutam para lidar com falsidades contemporâneas com moderadores de conteúdo.

Brown disse que a preocupação é uma erosão em longo prazo da verdade, e a ideia de que "as pessoas que acreditam em pelo menos uma teoria da conspiração tendem a acreditar em mais de uma".

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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