Armênia aponta situação 'à beira da catástrofe' após bloqueio do Azerbaijão

Ierevan pede interferência da ONU para prevenir o que chama de genocídio em Nagorno-Karabakh; Baku fala em revanchismo

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Boa Vista

A Armênia solicitou ao Conselho de Segurança das Nações Unidas uma intervenção em Nagorno-Karabakh, enclave no território do Azerbaijão que abriga maioria étnica armênia, para prevenir crimes de guerra e genocídio diante do que chama de deterioração da situação humanitária na região.

Em carta à Presidência do órgão da ONU, neste mês a cargo dos Estados Unidos, o representante armênio no grupo, Mher Margaryan, acusou o Azerbaijão de bloquear há meses o corredor de Lachin, única rota da área à Armênia, impedindo assim o transporte de comida, remédios, combustível e ajuda humanitária.

Veteranos e voluntários do Exército armênio são bloqueados por policiais na região do corredor de Lachin, rota entre a Armênia e Nagorno-Karabakh
Veteranos e voluntários do Exército armênio são bloqueados por policiais na região do corredor de Lachin, rota entre a Armênia e Nagorno-Karabakh - Karen Minasyan - 9.ago.23/AFP

Na carta, enviada na última sexta (11), Margaryan diz que as tropas azeris atiram em camponeses em áreas rurais, o que, segundo o documento, dificulta a produção de alimentos e está deixando crianças e idosos em situação de desnutrição. Também são relatados cortes no fornecimento de energia elétrica e gás —Nagorno-Karabakh é reconhecida internacionalmente como parte do território do Azerbaijão.

O governo azeri nega as acusações e afirma controlar Lachin como medida de segurança em razão do que chama de abusos por parte da Armênia. "Os esforços de paz entre Azerbaijão e Armênia se tornaram reféns da política deliberada de tensão e revanchismo armênio e enfrentam sérios desafios", escreveu o Ministério das Relações Exteriores do Azerbaijão em um comunicado.

"A Armênia novamente tenta instrumentalizar o Conselho de Segurança da ONU para sua campanha de manipulação política, militar e informacional", segue a pasta em longa nota, na qual Baku menciona supostos recuos de Ierevan em negociações para facilitar o trânsito de ajuda humanitária na região.

No comunicado, o governo azeri também denuncia ações militares ilegais que o Exército armênio teria realizado nas últimas semanas, sem, no entanto, detalhar o que elas seriam e onde teriam ocorrido.

O pleito e os argumentos armênios ganharam um forte aliado no último dia 7. Em relatório, Luis Moreno Ocampo, primeiro promotor-chefe do Tribunal Penal Internacional e um dos responsáveis pela prisão de generais da ditadura argentina nos anos 1980, afirma que o bloqueio deve ser considerado genocídio.

"Não há crematórios ou ataques a golpes de machete. Inanição é a arma invisível do genocídio. Sem uma imediata e dramática mudança, esse grupo de armênios será destruído em poucas semanas", afirmou Ocampo na introdução do documento de 28 páginas em que lista medidas possíveis, o histórico do conflito, eventuais responsáveis e ações de órgãos internacionais de Justiça já tomadas em relação ao tema. O texto, porém, é um parecer independente do jurista, e não há acusação formal.

"É um posto de controle [o bloqueio em Lachin], com guarita, cancela. Eles param todos os veículos vindos da Armênia", afirma Heitor Loureiro, doutor em história pela Unesp (Universidade Estadual Paulista) e pesquisador associado ao Grupo de Estudos e Pesquisa sobre o Oriente Médio (Gepom). "Mas sair, em tese, pode. Esse foi um argumento de Baku para dizer que a estrada não está fechada."

Loureiro esteve na região em julho, quando entrevistou pessoas que moravam nas proximidades de Lachin e agora vivem como refugiadas em Tegh, último vilarejo na Armênia antes da fronteira com o Azerbaijão.

"Em 2020, devido ao genocídio sofrido na Primeira Guerra Mundial sob o Império Otomano, os armênios falaram muito que a ajuda turca ao Azerbaijão —que é um povo túrquico— seria uma continuidade do projeto de extermínio do povo armênio", afirma Loureiro. Ancara é aliada de Baku no conflito.

Os conflitos em Nagorno-Karabakh remontam ao final da década de 1980, quando os dois países faziam parte da antiga União Soviética. Na época, Ierevan ocupou faixas de terra perto do território, chamado de Artsakh pelos armênios. A região foi retomada pelo Azerbaijão há dois anos, depois de uma série de ataques que causaram a morte de mais de 5.000 soldados.

Acusações de parte a parte são a regra do conflito que vive um frágil cessar-fogo, mediado pela Rússia em 2020 e violado por confrontos entre tropas armênias e azeris algumas vezes desde então. Em 2022, outra tentativa de diálogo durou poucos minutos e viu as novas hostilidades deixarem mais 99 mortos.

Os líderes de ambos os países se reuniram várias vezes desde o acordo para negociar um tratado de paz permanente, embora as tensões na região nunca tenham chegado a zero. Em entrevistas separadas dadas no final de julho, o presidente azeri, Ilham Aliyev, e o premiê armênio, Nikol Pashinyan, sustentaram que a paz era possível —antes de reafirmar condições até aqui inaceitáveis para os dois lados.

"Aliyev quer integrar a população de Nagorno-Karabakh à sua dinâmica e faz um movimento para que essas pessoas, que não reconhecem Baku como soberana, saiam de lá ou se submetam", diz Loureiro.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.