'Bidenomics' vira arma democrata contra Trump e alvo nas costas de Biden

Casa Branca ressignifica termo usado por críticos diante de índices econômicos positivos e busca mobilizar eleitores

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Washington

A Casa Branca partiu para o ataque. Há anos, críticos do governo Biden usam o termo "Bidenomics" para se referir de maneira jocosa à política econômica do democrata. Dados positivos recentes, porém, levaram o governo não só a abraçar a alcunha, como também a apostar nela para conquistar eleitores.

Só falta convencer os americanos de que as coisas vão bem –63% desaprovam a atuação do presidente na área, segundo pesquisa da CNN divulgada na última quinta-feira (3).

O presidente americano, Joe Biden, fala sobre as iniciativas econômicas do governo, chamadas de 'Bidenomics', em uma fábrica no Maine no final de julho - Brendan Smialowski - 28.jul.23/AFP

Na mão de Joe Biden, os principais trunfos são mais de 13 milhões de empregos criados, um Produto Interno Bruto crescendo acima das expectativas e a desaceleração da inflação após seguidos recordes.

No discurso da Casa Branca, esses números são resultado de megainvestimentos em infraestrutura, incentivos para a indústria, principalmente a de semicondutores, e uma legislação para reduzir a inflação e promover a energia limpa.

Esses devem ser inclusive os eixos centrais de um tour que o presidente vai fazer nesta semana pelos estados de Arizona, Novo México e Utah. Na eleição de 2020, Biden venceu no primeiro por uma diferença de apenas 0,4 ponto percentual e no segundo por quase 11, mas perdeu no terceiro por mais de 20.

De olho na classe média, o mantra que vem sendo repetido em discursos e nas redes sociais é que a Bidenomics significa fazer a economia crescer de baixo para cima. A estratégia é se opor à visão associada ao Partido Republicano de que benefícios aos mais ricos (como cortes de impostos) se transformam em ganhos para os mais pobres (via aumento de investimentos).

Congressistas do partido de Biden também receberam a missão de divulgar os feitos econômicos no retorno aos seus distritos durante o recesso legislativo, segundo memorando interno obtido pelo site Politico enviado pelo House Majority PAC (HMP), grupo que fornece recursos a candidatos democratas.

"À medida que nos aproximamos das eleições de 2024, é imperativo que os democratas destaquem suas realizações em nível local e nacional. Projetos de pesquisa de contraste econômico conduzidos pelo HMP mostraram repetidamente que os democratas melhoraram drasticamente sua posição quando partiram para o ataque para falar sobre a economia", diz o memorando. "Partam para o ataque e contrastem com os republicanos Maga [Make America Great Again, alinhados a Trump] da Câmara imediatamente."

E, numa estratégia à brasileira, centenas de milhares de placas estão sendo colocadas em frente a obras de infraestrutura pelo país para deixar claro de quem é o crédito, disse o governo à CNN. Segundo dados oficiais da Casa Branca, há cerca de 37 mil projetos em andamento financiados pelo pacote de Biden.

O termo Bidenomics foi cunhado pelo jornalista Edward Luce, do Financial Times, ainda em 2020, segundo levantamento do próprio jornal.

"Aqui está a definição central de Bidenomics: não é Reaganomics. Ronald Reagan acreditava que as nove palavras mais assustadoras da língua inglesa eram: ‘Eu sou do governo, e estou aqui para ajudar’. A filosofia de Biden pode quase ser sintetizada do mesmo modo, exceto pelo fato de ele ser a pessoa falando essas palavras", escreve Luce.

Barry Eichengreen, professor de economia e ciência política da Universidade Berkeley, também vê na Bidenomics uma tentativa de ampliar o papel do governo na economia. Em artigo, ele compara o democrata com o ex-presidente Lyndon Johnson (1963-1969), que governava o país quando Biden foi eleito para o Senado.

Um dos principais obstáculos para a estratégia democrata é que, apesar dos dados positivos, o descontentamento dos americanos com a própria situação financeira vem aumentando: de 47% para 55%, na comparação de maio do ano passado com julho deste ano, segundo a pesquisa da CNN. Considerando a economia em geral, 51% avaliam que ela ainda está retraindo, e as condições, piorando.

Um dos fatores que mais pesam para esse pessimismo é a inflação. Apesar de ter perdido ritmo neste ano depois de subir a taxas não vistas no país em mais de 40 anos, os preços seguem em patamar alto. Para combater o problema, o banco central americano também vem aumentando os juros, encarecendo o crédito tanto para consumidores quanto para empresas.

E ainda não há garantias de que os preços não voltarão a subir até a eleição. A onda de calor que atinge o país, por exemplo, prejudica o funcionamento de refinarias, o que já forçou para cima o preço da gasolina –em julho, a alta foi de US$ 0,23 por galão, o que equivale a 6,5%. Além de pesar diretamente no bolso de quem abastece o carro, o combustível tem um efeito em cadeia na economia, ao aumentar custos das empresas com transporte, que os repassam aos produtos e ao consumidor final.

Em um ano, a desaprovação do modo como o presidente lida com o problema foi de 74% a 70% –mudança inconclusiva, já que dentro da margem de erro.

Outro problema é que muitos americanos nem sequer conhecem as iniciativas do governo para combater a alta de preços. Um ano depois de ser aprovada pelo Congresso, a legislação para redução da inflação, que mescla incentivos verdes com barateamento de custos de remédios para idosos, é praticamente desconhecida por 71% da população, segundo pesquisa Washington Post/Universidade de Maryland.

A alta de preços é o principal ponto fraco no qual os republicanos vêm batendo. Diante dos esforços da Casa Branca para promover a economia, a campanha de Trump divulgou um novo vídeo nesta segunda (7) em que define a Bidenomics como "agenda econômica desastrosa". A peça destaca a disparada da inflação, destacando combustíveis, energia, alimentos, e a dívida do cartão.

É a segunda investida recente dos republicanos contra a Bidenomics. Há pouco mais de uma semana, o ex-presidente divulgou um vídeo em que diz que "a esquerda comunista sempre prejudica as pessoas que eles pretendem ajudar".

"Sob o desastre conhecido como Bidenomics, hispano-americanos, afro-americanos, e jovens estão sofrendo como nunca antes", completa.

No Wall Street Journal, a Bidenomics é definida como "capitalismo chinês com características americanas" em artigo de opinião assinado por Scott Hodge, presidente emérito da Tax Foundation, think tank voltado para a política fiscal.

Outra notícia ruim para Biden foi o rebaixamento da nota dos Estados Unidos pela agência de classificação de risco Fitch na semana passada –a primeira vez que isso acontece desde 2011. Em resposta, a Casa Branca culpou os republicanos.

"Está claro que o extremismo por parte de autoridades republicanas –desde incentivar o calote, minar a governança e a democracia, até buscar estender concessões fiscais que aumentam o déficit para os ricos e as grandes empresas— é uma ameaça contínua para nossa economia", disse Karine Jean-Pierre, porta-voz da Casa Branca.

Já os republicanos jogam o rebaixamento na conta da Bidenomics. "Quando as famílias ouvem 'Bidenomics', reviram os olhos porque sabem que os preços do combustível e dos alimentos ainda estão nas alturas", disse Will Reinert, secretário de imprensa do Comitê Nacional de Campanha Republicano.

Um alento para os democratas é que o ex-presidente Barack Obama passou por situação similar no primeiro mandato. Embora as condições da economia estivessem melhorando, a avaliação do governo na área ainda era muito ruim. O esforço para mudar a avaliação, propagandeando os feitos do governo, deu resultado, e ele foi reeleito.

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