Descrição de chapéu The New York Times

Chimpanzés sob ameaça de clima extremo aprendem a correr para abrigos

Refúgio nos Estados Unidos ensina aos símios exercícios de segurança para momentos de emergência climática

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Emily Anthes
Keithville (EUA) | The New York Times

Quando Michelle Reininger foi para a cama em 15 de junho, não estava preocupada com o tempo.

A última vez que ela verificou, a previsão indicava chuvas esparsas. Mas no meio da noite um alerta de emergência tocou em seu telefone: um aviso de forte tempestade. A previsão era a de que os ventos chegassem a 80 km/h. As pessoas deviam se abrigar em suas casas. "Pensei: isso é uma piada?"

Dez minutos depois, a tempestade começou, e ela ficou sem energia. Às 5h, o pior já havia passado. Reininger vestiu-se rapidamente no escuro. Precisava verificar seus pupilos, os mais de 300 moradores de Chimp Haven, o santuário de chimpanzés próximo, onde ela era diretora da colônia.

Chimpanzés relaxam em uma plataforma no refúgio Chimp Haven, em Keithville, Louisiana (EUA), em junho
Chimpanzés relaxam em uma plataforma no refúgio Chimp Haven, em Keithville, Louisiana (EUA), em junho - Emil T. Lippe - 13.jun.23/The New York Times

Assim que saiu de casa, o custo da tempestade ficou claro. "Onde quer que eu fosse, havia uma árvore atravessando a estrada ou linhas de energia caídas", disse Reininger. Ela e seus colegas, que também iam para o trabalho, logo descobriram que uma árvore bloqueava a estrada principal para o santuário.

O grupo se reuniu numa loja de conveniência. Enquanto formulavam um plano, Reininger recebeu uma mensagem de texto do supervisor de manutenção, que havia encontrado uma rota alternativa para Chimp Haven. As árvores não tinham caído só nas estradas, disse o supervisor, e um grande pinheiro despencou num dos habitats dos chimpanzés. Os galhos superiores estavam apoiados no topo do muro de 5,5 metros que cercava o recinto, criando uma rampa que os chimpanzés poderiam usar para escapar.

Para sua própria segurança e a dos outros, os chimpanzés precisavam ser protegidos imediatamente. "Tinha que ser feito já", disse Reininger. "Não havia tempo a perder."

Dando o alarme

Chimp Haven é uma casa de repouso para chimpanzés de pesquisa, incluindo muitos pertencentes a ou sustentados pelos Institutos Nacionais de Saúde. Antes de chegar a Keithville, muitos haviam sido usados em pesquisas sobre HIV ou hepatite; outros estavam envolvidos em estudos que enfocavam a cognição ou o comportamento. O santuário, que fica em 80 hectares de floresta, visa a proporcionar aos chimpanzés um lugar tranquilo para viverem seu tempo restante.

Mas o clima extremo representa uma ameaça crescente para essa paz. "Tem sido tão estranho nos últimos anos", disse Reininger. "O clima simplesmente... Chega de repente."

Nos últimos anos, a área foi atingida por chuvas torrenciais e ventos com força de furacão. Os tornados passaram com uma frequência desconcertante; em dezembro, duas pessoas morreram depois que um deles pousou em Keithville. Prevê-se que o perigo aumentará à medida que as mudanças climáticas sobrecarregarem as tempestades, tornando os furacões mais intensos, e as chuvas pesadas, mais frequentes. Secas, inundações, incêndios florestais e ondas de calor são ameaças cada vez maiores.

Assim, Chimp Haven agora realiza exercícios de prática de clima extremo para ensinar os chimpanzés a se abrigarem em espaço fechado rapidamente, quando os funcionários acionarem o alarme. Ser capaz de chamar os chimpanzés sob comando ajudará o santuário a protegê-los antes de uma tempestade chegar, mantendo-os seguros –e impedindo-os de escapar, se novas oportunidades aparecerem repentinamente.

Durante uma recente tempestade, por exemplo, os fossos que servem como barreiras naturais começaram a congelar. "Poderíamos ter uma situação de fuga se os chimpanzés se aproximassem", disse Rana Smith, presidente e CEO da Chimp Haven. "Ou o gelo podia quebrar e eles caírem na água, o que seria lamentável."

Chimpanzés no refúgio Chimp Have durante exercício de segurança para situações climáticas extremas
Chimpanzés no refúgio Chimp Have durante exercício de segurança para situações climáticas extremas - Emil T. Lippe - 13.jun.23/The New York Times

O santuário tem 30 grupos sociais, cada um vivendo em seu próprio espaço designado, e algumas emergências podem exigir que apenas alguns grupos sejam protegidos em local fechado. Então Chimp Haven atribuiu uma pista auditiva única para cada grupo sendo treinado. "O que nos levou a pesquisar diferentes tipos de sons", disse Jordan Garbarino, supervisor do programa de treinamento. Um sino de vaca tocando significa que o grupo de Flora precisa se apressar para dentro, por exemplo, enquanto um alarme de bicicleta estridente significa que os chimpanzés do grupo de Daisy devem se abrigar.

Os treinadores começam dessensibilizando os chimpanzés ao som, distribuindo bananas, salgadinhos ou outras guloseimas enquanto ele toca. Então, eles movem os lanches para dentro. Os chimpanzés que entram em casa quando ouvem o alarme encontram "forragem" –uma mistura de pipoca, amendoim e sementes de girassol– e recebem outra guloseima, como um picolé. Uma vez que os animais estão entrando de forma confiável na hora certa, os funcionários começam a fechar e trancar as portas. Em seguida, eles treinam os chimpanzés para concluir o processo cada vez mais rapidamente.

Cinco grupos, que incluem ao todo 65 chimpanzés, estão em diferentes estágios de treinamento. Os 19 membros do grupo de Flora foram os primeiros a ser totalmente treinados, mas ainda praticam regularmente o recall para manter suas habilidades afiadas. Durante um exercício de rotina alguns dias antes da tempestade de junho, os chimpanzés mostraram o que podiam fazer. Clara Loesche, especialista em cuidados com animais, subiu no telhado de um prédio baixo de concreto. A partir desse telhado, o habitat arborizado de 2 hectares que o grupo de Flora chamava de lar parecia quase vazio.

Chimpanzés durante lanche no refúgio Chimp Haven, no estado de Louisiana, nos Estados Unidos
Chimpanzés durante lanche no refúgio Chimp Haven, no estado de Louisiana, nos Estados Unidos - Emil T. Lippe - 13.jun.2023/The New York Times

Então, Loesche começou a tocar o chocalho. De repente, chimpanzés saíram da floresta, saltitando pelo gramado e escalando os edifícios adjacentes. Loesche desceu as escadas, olhou para o relógio e levou um walkie-talkie à boca. "Dez segundos até as portas fecharem", disse ela. Exatamente dez segundos depois ela fechou um grande ferrolho metálico.

"Isso é maravilhoso!", exclamou ela, com uma voz cantante. Menos de dois minutos se passaram desde que ela começou a tocar a campainha, e 18 dos 19 chimpanzés estavam em segurança. A única resistente foi Flora, uma tímida fêmea de 41 anos que demorou a aceitar o treinamento. Ela vinha tendo um bom desempenho nos últimos meses, disse Loesche, mas naquele dia parou na porta, hesitando em entrar.

Naquela tarde em particular, eles decidiram deixar Flora do lado de fora. Mas se houvesse uma ameaça real eles poderiam tê-la persuadido, oferecendo um quarto seguro e privado ou ainda melhores guloseimas. "Em uma emergência real", disse Garbarino, "nós faríamos de tudo para trazê-los para dentro."

Susto, e depois alívio

Três dias depois, a tempestade e os danos que ela deixou se tornaram aquela emergência. Com a notícia da árvore caída, uma possível rota de fuga para os chimpanzés, vários funcionários partiram para o santuário, escalando a árvore que bloqueava a estrada. Chimp Haven foi duramente atingido. A passagem arborizada na entrada foi danificada. As árvores foram quebradas ao meio, e os galhos cobriam o chão. A energia havia acabado e assim permaneceria por seis dias seguidos.

Os funcionários correram para o habitat, sem saber se os 15 chimpanzés que viviam lá, todos membros do grupo de Daisy, ainda estavam em segurança depois de "não saber onde estiveram a noite toda", disse Loesche, "se estavam perdidos, se haviam sido atingidos por um raio". Os membros da equipe tinham armas de dardos prontas para o caso de avistarem um chimpanzé que tivesse escapado.

Felizmente, a maioria deles estava reunida perto do prédio, então os funcionários decidiram atraí-los com comida. Começaram a espalhar forragem e ração, o que atraiu alguns chimpanzés para dentro. Um cuidador correu para pegar uvas e morangos congelados, o que atraiu mais animais. Os picolés conquistaram os restantes. Com exceção de dois: Destiny e Jeff Lebowski. Ambos eram conhecidos por relutarem em entrar e não se comoverem com guloseimas. Assim, a equipe mudou de tática.

Os edifícios e os recintos em Chimp Haven são conectados por uma rede de passagens elevadas fechadas por malha, ou rampas, usadas para movimentar os animais para locais diferentes. A maioria dos macacos adora usar as rampas, que normalmente ficam trancadas. "Quando você permite que eles entrem numa área à qual normalmente não têm acesso, torna-se muito empolgante para eles", disse Reininger.

Talvez Destiny e Lebowski estivessem dispostos a correr para uma rampa? Eles mostraram pouco interesse nas duas primeiras que os funcionários abriram. Mas a terceira, que levava a um pátio habitado por outro grupo de chimpanzés, mostrou-se irresistível. "Eles entraram imediatamente", disse Loesche.

Os funcionários fecharam a porta da rampa, trancando-os temporariamente lá dentro. Finalmente, os 15 chimpanzés estavam protegidos.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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