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Filho de Petro teve relação tortuosa com o pai até detonar bomba no governo

Nicolás coroa dificuldades no primeiro ano no poder do líder colombiano ao afirmar que campanha recebeu dinheiro ilegal

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São Paulo

Mensageiro da bomba que abateu o governo colombiano na quinta-feira (3), Nicolás, filho mais velho do presidente Gustavo Petro, teve uma relação ambivalente com o pai antes mesmo de se tornar uma peça da investigação que apura se a campanha do líder esquerdista recebeu financiamento ilícito.

De acordo com o procurador Mario Burgos, Nicolás disse em um interrogatório ter recebido dinheiro ilegal para a campanha à Presidência de seu pai no ano passado —inclusive de um ex-narcotraficante. A declaração logo tornou-se combustível para os opositores.

Petro completa um ano no poder na próxima segunda-feira (7), e o mais recente desgaste coroa o ciclo, em que ele teve dificuldades para concretizar as reformas prometidas. O escândalo envolvendo seu filho, no entanto, é o mais alarmante dos obstáculos do presidente.

Então prefeito de Bogotá, Gustavo Petro acena a apoiadores ao lado de seu filho, Nicolás - Eitan Abramovich - 13.jan.2014/AFP

Assim como seu pai, Nicolás, 37, nasceu em Ciénaga de Oro, cidade a mais de 500 km da capital, Bogotá, e próxima do Caribe colombiano. Perto dali, ele desabrocharia politicamente em 2018 ao conseguir um cargo na Assembleia do Atlântico —região historicamente de direita e dominada pelo clã dos Char, família que se mantém no poder a despeito de carregar em seu currículo diversos escândalos de corrupção. Sua posição na região seria estratégica para a vitória de seu pai, então um senador, anos depois.

Nicolás, formado em direito pela Pontifícia Universidade Bolivariana e mestre em mudanças climáticas pela Universidade Iberoamericana, foi o único dos seis filhos do presidente a herdar a vocação política de seu pai, o que os aproximou na última década.

Nos anos 1980, durante parte da infância de Nicolás, Petro era um militante do Movimento 19 de abril, guerrilha urbana criada após a eleição presidencial de 1970, marcada por acusações de fraude. Em seu livro de memórias, "Una Vida, Muchas Vidas" (Editora Planeta, 2021), o atual presidente relata o momento em que conheceu o seu primogênito, ainda recém-nascido, na prisão La Picota.

"Quando o recebi em meus braços, tive uma sensação profunda. Surpreendeu-me que seu olhar de bebê era muito triste. Foi muito estranho conhecer meu primeiro filho na prisão, sabendo que não voltaria a vê-lo em muito tempo", escreveu Petro.

Após o período preso, o então guerrilheiro voltou a morar com a família e conseguiu ficar um ano com o filho e a mulher em Bucaramanga, capital do departamento de Santander, no nordeste da Colômbia.

"Eu era o chefe da M-19 em toda essa região. Até que li em uma matéria do Vanguardia, o jornal mais conhecido do nordeste, sobre uma operação do Exército contra um casal do ELN [Exército de Libertação Nacional, guerrilha colombiana ainda operante] na qual mataram um bebê. Por essa e outras razões, eu me separei do meu filho e da Katia. Comecei a traçar sozinho esses caminhos da clandestinidade. Até que veio a desmobilização do M-19, nos anos 1990", contou Petro à revista Cambio.

No momento em que o presidente concedeu a entrevista, a vida política no país estava em ebulição por declarações que Daysuris Vásquez, ex-mulher de Nicolás, fizera à revista Semana após uma traição do antigo companheiro. Segundo ela afirmou na ocasião, duas pessoas acusadas de envolvimento com o tráfico de drogas deram dinheiro a Nicolás para alimentar a vitoriosa campanha à Presidência de seu pai em 2022.

Um dos supostos financiadores seria Samuel Santander Lopesierra, que cumpriu 18 anos de prisão por narcotráfico nos Estados Unidos. Ele teria entregado a Nicolás o equivalente a cerca de US$ 124 mil (R$ 585 mil) —o filho do presidente, porém, teria ficado com todo o dinheiro e não teria conversado com o pai sobre essas transações. Na mesma época em que fez as revelações, Vásquez entregou um extrato bancário de Nicolás à revista Cambio que mostra um ritmo de gastos incompatível com o salário de um deputado na Colômbia, segundo a publicação.

Petro tenta se desvencilhar de tais polêmicas desde que vieram a público. Uma das primeiras ações do presidente foi publicar um comunicado em suas redes sociais pedindo que a Procuradoria-Geral investigasse seu irmão —Juan Fernando Petro, no qual as acusações respingaram— e Nicolás.

"Meu compromisso com a Colômbia é conseguir a paz, e quem quiser interferir nesse propósito ou tirar proveito pessoal disso não cabe no governo, inclusive se são membros da minha família" afirmou o presidente colombiano. "Acredito que meu irmão e meu filho possam demonstrar sua inocência, mas respeitarei as conclusões a que a Justiça chegar."

Além disso, na entrevista à revista Cambio, Petro afirma que não voltou a se relacionar com Nicolás após o ano em que viveram juntos. "Ele se criou em Córdoba. Estudou lá. Fez sua universidade. Realmente nunca tivemos a oportunidade de conviver. Não o criei, essa é a realidade", disse.

Essa não foi a primeira vez que o presidente mandou investigar seu filho mais velho. Em 2014, quando era prefeito de Bogotá, Petro pediu ao Ministério Público para investigar Nicolás após o primogênito ser acusado de interferir indevidamente em licitações. Meses antes, quando Petro foi temporariamente destituído da Prefeitura, seu filho o defendeu aguerridamente, segundo a mídia local.

Mais recentemente, porém, Nicolás não poupou a gestão de seu pai na Presidência de críticas. No final do ano passado, o deputado desaprovou publicamente a compra de novos aviões para a Força Aérea Colombiana. "Não estou de acordo com a compra de aviões de combate", afirmou pelo X, antigo Twitter. "Tudo para a paz, nada para a guerra."

O último capítulo da errante relação entre os dois políticos aconteceu na última quarta-feira (2), quando, de acordo com a mídia local, Nicolás se negou a ver o pai, que havia ido visitá-lo na cela onde está detido.

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