Grupo Wagner, agora sem cabeça, enfrenta futuro incerto na Rússia de Putin

Moscou não quer desperdiçar força dos mercenários, mas é improvável que o Kremlin tolere ascensão de um 'novo' Prigojin

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Paul Sonne Valerie Hopkins
Berlim e Moscou | The New York Times

Seu líder está oficialmente morto, assim como seu comandante fundador. O presidente russo, Vladimir Putin, afirma que ele nem existe. O Grupo Wagner, a poderosa empresa militar privada russa que caiu em desgraça com o Kremlin após um motim fracassado em junho, está mergulhado em ainda mais incerteza desde a última quarta-feira (23), quando seu líder, Ievguêni Prigojin, morreu em uma queda de avião.

As autoridades russas disseram no domingo (27) que testes de DNA, realizados em corpos recuperados do local na região de Tver, confirmaram que Prigojin e outras nove pessoas listadas na lista de passageiros do avião morreram na queda suspeita.

Yevgeny Prigojin, líder do Grupo Wagner, morto em um acidente aéreo
Yevgeny Prigojin, líder do Grupo Wagner, morto em um acidente aéreo - Sergei Ilnitsky - 04.jul.2017/AFP

Agora a atenção se volta para saber se o Wagner, que Prigojin construiu ao longo de quase uma década em um império global que beneficiou Moscou e seu próprio bolso, também morrerá.

Autoridades dos Estados Unidos e do Ocidente afirmam que o Kremlin está considerando maneiras de trazer o Wagner sob controle mais direto do Estado russo, mas ainda não tomou nenhuma decisão final sobre o que fazer com o grupo.

É improvável que a Rússia queira desperdiçar os combatentes treinados, as incursões geopolíticas e os interesses comerciais que Prigojin cultivou desde a fundação do Wagner em 2014. Sua organização operou em pelo menos 10 países.

Mas encontrar uma maneira de neutralizar uma organização armada que representava uma das maiores ameaças ao mandato de Putin em 23 anos, ao mesmo tempo em que mantém seu poder de combate e suas conexões globais, é uma tarefa difícil, especialmente dada a inimizade de longa data entre os combatentes da empresa militar privada e a liderança do Ministério da Defesa russo.

"Acredito que o Grupo Wagner, em si, como estrutura, provavelmente não existirá", diz Alexander Borodai, membro do Parlamento russo que serviu brevemente como líder indicado por Moscou em Donetsk, na Ucrânia, em 2014. Borodai diz que os combatentes da Wagner continuarão lutando e já estavam se juntando a formações voluntárias, bem como a unidades oficiais, das Forças Armadas russas.

Putin tem enviado sinais contraditórios sobre seus planos. Durante uma reunião no Kremlin após a rebelião no final de junho, disse aos comandantes do Wagner que eles poderiam continuar servindo juntos sob uma liderança diferente, contou no mês passado em uma entrevista ao jornal russo Kommersant.

Depois contou como propôs que os comandantes continuassem servindo liderados por um ex-membro do Wagner aprovado pelo Kremlin que usa o pseudônimo de Cabelo Grisalho. Putin disse que Prigojin recusou em nome de seus comandantes, embora alguns tenham balançado a cabeça em concordância.

Na mesma entrevista, Putin também disse que o Wagner não existe, porque a lei russa não permite empresas militares privadas. O porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, fez declarações semelhantes, que parecem ter como objetivo sinalizar que o grupo, como está, não tem futuro na Rússia.

Teoricamente, o Wagner ainda poderia funcionar sem Prigojin e sem seu comandante fundador, Dmitri Utkin, que as autoridades russas também disseram ter morrido na queda do avião, junto com outros cinco passageiros ligados ao Wagner e três membros da tripulação.

O grupo de mercenários possui o que seus canais afiliados no Telegram descrevem como um "conselho de comandantes", que supervisiona os assuntos operacionais do dia a dia. Vários membros do conselho não estavam no avião de Prigojin. Nenhum desses comandantes do Wagner apareceu em público ou emitiu uma declaração desde o acidente, apesar de promessas repetidas de um anúncio iminente nos canais do Telegram. Não está claro se eles teriam capital político russo para liderar a operação do Wagner, enquanto outros provavelmente começam a cercar os ativos mais lucrativos de Prigojin.

Em um memorial improvisado na calçada em homenagem aos líderes do Wagner perto da Praça Vermelha, em Moscou, combatentes que foram prestar suas homenagens disseram ter certeza de que a empresa militar privada continuaria operando.

"Utkin e Prigojin não são a liderança toda", disse um voluntário do Wagner de 36 anos que se identificou apenas pelo seu apelido, Adjit, depois de colocar um buquê de lírios brancos em um vaso de plástico no memorial. "Se você conhece a estrutura interna do Wagner, pode entender uma coisa: a perda de um, dois ou três não afetará a eficácia dessa formação de forma alguma."

Ainda assim, sem o claro aval do Kremlin, as operações do grupo correm o risco de desmoronar. A conexão pessoal de Prigojin com Putin desde a década de 1990 em São Petersburgo, na Rússia, serviu como um cartão de visita no exterior, permitindo ao magnata vender poder geopolítico ao lado dos serviços de segurança no Mali, na República Centro-Africana, na Líbia e em outras nações.

Mesmo após o motim, Prigojin, que cuidava do lado comercial do grupo, estava viajando para locais na África tentando tranquilizar os clientes e continuar as operações. Seus interesses abrangiam petróleo, gás, metais preciosos e pedras, disse Putin na semana passada, observando que o magnata retornou da África para se encontrar com certos funcionários no dia anterior ao embarque no jato particular em Moscou. Suas viagens ocorreram em meio a relatos de que o Ministério da Defesa da Rússia estava tentando exercer controle direto sobre algumas de suas operações estrangeiras.

Catrina Doxsee, pesquisadora associada do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS), afirma que é possível que o modelo desenvolvido por Prigojin —usando uma organização paraestatal sombria para promover interesses internacionais, mas também para fazer negócios— continue de alguma forma na Rússia. Mas ela diz suspeitar que futuras operações desse tipo serão mais fragmentadas.

"Uma das grandes coisas que a rebelião em junho demonstrou foi o problema para Putin em permitir que uma empresa, e, na verdade, um homem, detenha o monopólio do poder e do conhecimento sobre todas essas diferentes operações", diz Doxsee. Segundo ela, no futuro poderia haver "muitos atores diferentes desempenhando esses papéis, em vez de um monopólio".

Putin também provavelmente garantirá que quaisquer operações subsequentes evitem o tipo de inimizade com a liderança militar russa que Prigojin cultivou.

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