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Justiça da Guatemala suspende partido de presidente eleito, mas diz que medida não afeta posse

Tribunal eleitoral confirma vitória de Bernardo Arévalo, cuja legenda é alvo de perseguição judicial desde 1º turno

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Boa Vista e São Paulo

A Justiça da Guatemala suspendeu provisoriamente, nesta segunda-feira (28), o Movimento Semilla, partido do improvável vitorioso nas eleições à Presidência do país, Bernardo Arévalo. Embora previsível para a sociedade civil, o movimento ameaça a combalida democracia do país centro-americano.

A decisão, por si só, não deve impossibilitar a posse, marcada para daqui a quatro meses —as autoridades eleitorais, aliás, confirmaram no mesmo dia a validade do segundo turno que elegeu o líder progressista. Mas coloca em xeque o reconhecimento do resultado do pleito por uma parte das elites política e jurídica acusadas nos últimos anos de perseguir e encarcerar críticos.

Bernardo Arévalo, presidente eleito da Guatemala, em entrevista na Cidade da Guatemala
Bernardo Arévalo, presidente eleito da Guatemala, em entrevista na Cidade da Guatemala - Pilar Olivares - 22.ago.23/Reuters

O processo desta segunda-feira é o mesmo que quase suspendeu a legenda no dia 12 de julho, menos de 20 dias depois da celebração do primeiro turno do pleito. Naquela votação, Arévalo, então candidato nanico de acordo com as pesquisas de intenção de voto, surpreendeu ao conquistar uma vaga na etapa seguinte das eleições —o que foi providencial, considerando que a candidatura de quatro presidenciáveis com chances de vitórias e de fora do establishment haviam sido tiradas da corrida.

Na ocasião, a ordem de suspensão emitida pelo juiz Freddy Orellana, a pedido do procurador Rafael Curruchiche, foi revertida horas depois —ambos são classificados pelos Estados Unidos como atores corruptos e antidemocráticos. Eles alegam que há supostas irregularidades nos registros de filiados à legenda.

Em julho, o Tribunal Supremo Eleitoral da Guatemala não cumpriu a ordem, sob o argumento de que as leis do país impediam a suspensão de um partido em meio ao processo eleitoral. Mas agora, com o fim do segundo turno, é possível acatá-la, disse o chefe do Registro de Cidadãos da corte, Ramiro Muñoz.

Para o advogado do Movimento Semilla, porém, o partido estaria protegido pelo menos até outubro, quando o calendário eleitoral chega ao fim. "A decisão de suspender o partido está baseada em uma ordem judicial ilegal", afirmou. A legenda ainda pode recorrer e a decisão será do Tribunal Supremo Eleitoral.

A União Europeia, que enviou uma missão eleitoral para acompanhar o pleito, divulgou nota em que se diz "profundamente preocupada" com as tentativas de minar os resultados eleitorais por meio de processos judiciais. "A UE apela a todos os partidos políticos, áreas do governo e instituições da Guatemala para que respeitem plenamente a integridade do processo eleitoral e o seu resultado, tal como claramente expresso pelos cidadãos guatemaltecos nas urnas."

"Parece uma piada que tenhamos que lembrar isso", afirma o diretor da área jurídica da Fundação Liberdade e Desenvolvimento, Edgar Ortiz, que não descarta novas investidas da procuradoria no futuro. "Agora, provavelmente o Semilla vai apelar e o Tribunal Supremo Eleitoral deve decidir favoravelmente à legenda. O problema é que a procuradoria não vai parar. Esse é um round, não o fim da briga."

Nesta terça-feira (29), o atual presidente da Guatemala, Alejandro Giammattei, divulgou vídeo em que diz que as "portas estão abertas para uma transição de governo ordenada, transparente e, acima de tudo, eficiente. Ele disse que se reuniria com Arévalo para dar início ao processo.

Filho do primeiro presidente eleito em eleições transparentes na Guatemala, na década de 1940, Arévalo prometeu uma nova "Primavera Democrática" para o país, como ficou conhecido o período de dez anos que seu pai inaugurou. Os últimos acontecimentos, porém, são uma amostra dos obstáculos que enfrentará para governar caso tome posse —se efetivada, aliás, a suspensão dificulta a vida da bancada do Movimento Semilla no Congresso, que com a decisão perde direitos como a possibilidade de presidir comissões.

Na última quinta-feira (24), supostos planos para assassiná-lo foram divulgados, dentre eles um nomeado Colosio —uma referência ao candidato à Presidência mexicano de mesmo nome que foi assassinado durante as eleições de 1994. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) pediu às autoridades do país que protejam Arévalo e sua vice, Karin Herrera, por considerar que ambos estão em "situação grave e urgente de risco".

Fundado em 2017, o Movimento Semilla surgiu na esteira dos grandes protestos que derrubaram em 2015 o então presidente Otto Pérez Molina, alvo de investigações da Cicig (Comissão Internacional contra a Impunidade na Guatermala), órgão independente apoiado pelas Nações Unidas para apurar casos de corrupção no país.

A Cicig foi dissolvida em 2019, e seu fim levou a uma onda de perseguições contra aqueles que participaram do projeto —o que continua até hoje. Nesta segunda, por exemplo, a polícia guatemalteca prendeu a advogada Claudia González, que havia trabalhado na comissão, sob o argumento de que ela teria supostamente iniciado uma investigação em 2017 contra uma magistrada do Poder Judiciário sem autorização —a detenção foi condenada pela nota da União Europeia.

Com AFP e Reuters

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