Kamala Harris muda de estratégia e assume papel combativo de olho em 2024

Vice-presidente vem se posicionando de forma mais assertiva em embates com republicanos

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Zolan Kanno-Youngs
Washington | The New York Times

Nas últimas semanas, a vice-presidente Kamala Harris foi à Flórida em viagem não anunciada previamente. Ela enfrentou o governador do estado, Ron DeSantis, em relação a como o tema da escravidão deve ser ensinado nas escolas. E viajou a Iowa para defender os direitos ao aborto enquanto 13 pré-candidatos presidenciais republicanos estavam almoçando a poucos quilômetros de distância.

Embora suas palavras fossem direcionadas contra republicanos, sua mensagem também foi endereçada a todos os que a encaram com ceticismo.

Como senadora na Califórnia, Kamala Harris era uma estrela em ascensão, mas vem sendo criticada há anos por sua atuação na Vice-Presidência. Ela tem encarado tarefas difíceis ligadas a questões como as origens da migração ilegal e o caminho estreito que conduz à proteção dos direitos de voto duradouros. Preocupações com seu futuro se alastraram, enquanto democratas questionavam se ela poderia representar um ônus político para a chapa democrata.

A vice-presidente dos Estados Unidos durante encontro multilateral em Nassau - Chandan Khanna - 8.jun.23/AFP

Suas iniciativas recentes representam sua mais nova tentativa de silenciar essas preocupações e recuperar o impulso que a levou para o lado de Joe Biden como candidata e depois à Casa Branca.

"É bom tê-la lá fora", comenta Cedric Richmond, assessor sênior do Comitê Nacional Democrata. Para ele, a decisão dde enfrentar o Partido Republicano de forma assertiva e em tempo real é fundamental para a estratégia da campanha. Além disso, permite que Biden se mantenha acima da disputa.

"Ele ainda está unindo o Ocidente contra a agressão russa e está lidando com a economia e a inflação", diz Richmond. "Ela pode sair destacando essas realizações e pode enfrentar pessoas como DeSantis."

Assessores entrevistados reconhecem que Kamala Harris foi afetada pelas críticas. Ela tem em vários momentos participado de eventos com uma atitude defensiva, mais focada em não cometer erros que em procurar oportunidades para atacar. Mas agora, motivada pelo que ela descreve como o extremismo crescente no Partido Republicano, Kamala está ampliando seu perfil.

A escaramuça com DeSantis, que se esforça para avançar em sua campanha para ser escolhido o candidato presidencial republicano, oferece um vislumbre do papel de Kamala.

No mês passado, quando a Flórida aprovou uma revisão de suas diretrizes sobre o ensino da história negra –que agora determina que os alunos do ensino médio devem ser ensinados que as pessoas escravizadas desenvolveram habilidades que poderiam ser para seu benefício pessoal—, Kamala mandou sua equipe levá-la imediatamente para Jacksonville, segundo um funcionário da Casa Branca.

Vinte e quatro horas depois ela já estava na Flórida, discursando para uma plateia lotada em um bairro historicamente negro, falando de "chamados líderes extremistas" que querem sanitizar a história.

"Como é possível que alguém possa sugerir que no meio daquelas atrocidades houvesse algum benefício a quem foi sujeito a esse nível de desumanização?", disse Kamala, sendo aplaudida em pé pela plateia.

Sua presença chamou a atenção de DeSantis. "A senhora evidentemente não tem dificuldade em dar um pulinho até a Flórida sem aviso prévio", ele disse em carta aberta na semana passada em que a acusou de tentar marcar pontos políticos e a convidou para discutir as novas diretrizes.

Kamala, que retornou à Flórida em uma segunda viagem menos de 15 dias depois, respondeu prontamente. "Bem, estou aqui na Flórida", disse, fazendo uma pausa enquanto a multidão presente em um evento da Igreja Episcopal Metodista Africana em Orlando explodiu em aplausos. "E posso lhe dizer que não há mesa-redonda, palestra ou convite que aceitaremos para debater uma verdade inegável: que a escravidão não teve nenhum aspecto que a redimisse."

A porta-voz da vice, Kirsten Allen, disse que Kamala "vai continuar a confrontar líderes extremistas quando eles se esforçam para arrastar o país para um retrocesso com proibições de livros, revisionismo da história e imposição de barreiras que dificultam a participação de americanos na democracia".

Apesar de seu papel mais público, os índices de aprovação de Kamala seguem baixos. Cerca de 52% dos americanos têm visão negativa sobre ela, e mais ou menos 40% têm opinião positiva, segundo o FiveThirtyEight. Biden também tem problemas com índices de aprovação persistentemente baixos.

Mas Kamala agrada partes do eleitorado que nem sempre aderem naturalmente a Biden, incluindo mulheres, grupos minoritários e eleitores mais jovens. Com 58 anos de idade, Kamala é décadas mais jovem que o presidente, que tem 80 e terá 86 ao término de um potencial segundo mandato.

Quando está fazendo campanha, Kamala frequentemente faz referências a sua formação e carreira jurídica, como maneira de destacar sua expertise –estratégia que serve de contrapeso às alegações republicanas de que ela seria incompetente.

Em discurso recente sobre a reforma das leis sobre armas, ela disse que já estudou fotos de autópsias, revelando: "Vi com meus próprios olhos o que uma bala faz com o corpo humano". E em julho, quando viajou a Iowa para um debate sobre direitos reprodutivos, ela disse que já investigou crimes sexuais, de modo que entende que é "imoral" negar o direito de aborto a mulheres que sofreram estupro ou incesto.

O momento escolhido para a viagem a Iowa não foi casual: enquanto Kamala estava discursando na Universidade Drake, dizendo que os críticos do direito ao aborto em legislaturas estaduais pelo país afora "nem sequer sabem como funciona o corpo da mulher", o ex-presidente Donald Trump e uma dúzia de seus rivais para a indicação presidencial estavam em um jantar promovido pelo Partido Republicano.

A participação de Kamala foi feita duas semanas apenas depois de a governadora republicana ter promulgado uma nova e rígida lei sobre o aborto que torna o procedimento ilegal após as primeiras seis semanas de gestação —um juiz suspendeu a implementação da medida.

A decisão de Kamala de sair na ofensiva constitui uma mudança notável de atitude. Apesar de ela ter rompido com muitos precedentes ao tornar-se a primeira mulher, a primeira pessoa afro-americana e a primeira pessoa asiático-americana a ser vice-presidente, Kamala sempre foi conhecida por seu pragmatismo, e, segundo seus críticos, por defender o status quo.

Ela já se descreveu como "promotora pública pragmática" que possui arma de fogo para sua proteção pessoal e também defende a reforma da justiça criminal. Como vice-presidente, ela vem tendo que dirigir-se a setores amplos do eleitorado. O fato de ser vista como moderada é uma vantagem em um momento em que críticos conservadores têm tentado retratá-la como radical e fora de sintonia com a nação.

Mas agora, com a campanha a pleno vapor, a Casa Branca está dando espaço a Kamala para agir mais assertivamente contra adversários republicanos. Stefanie Brown James, c-fundadora da Collective PAC, uma organização que ajuda a eleger políticos negros, exortou a equipe de Kamala a colocá-la na dianteira da discussão da ação afirmativa e do aborto, em especial. Ela disse que nos últimos dois anos e meio a vice esteve "um pouco no segundo plano demais, não sendo suficientemente vista ou ouvida".

"Ela está tendo um momento de visibilidade, sem dúvida", diz James, que acrescenta um toque de cautela, dizendo esperar que seja "um momento sustentável".

Tradução de Clara Allain 

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