Descrição de chapéu Governo Biden

Kamala Harris vai para linha de frente da campanha com idade avançada de Biden

Antes vista como potencial sucessora, vice-presidente dos EUA não decolou e será alvo primordial dos republicanos

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Washington

No mesmo dia em que o presidente dos EUA, Joe Biden, anunciou que tentaria a reeleição para a Casa Branca em 2024, sua vice, Kamala Harris, fez um discurso na Universidade Howard, em Washington, que condensou a imagem que o Partido Democrata quer vender.

Na universidade historicamente de maioria negra onde ela mesma se formou em ciência política e economia nos anos 1980, a primeira vice-presidente de origens africana e asiática do país defendeu o direito ao aborto e atacou o que chamou de extremistas conservadores.

O presidente dos EUA, Joe Biden, e sua vice, Kamala Harris, durante evento na Casa Branca, em Washington - Brendan Smialowski - 1.mai.23/AFP

O momento também condensou as críticas que recebe desde que assumiu o segundo maior cargo de comando dos EUA.

"Uma salada bizarra de palavras" e "incapacidade de se expressar normalmente", chamaram a Fox News e outros veículos conservadores ao destacarem um excerto em que Kamala diz: "É muito importante, como vocês ouviram de tantos líderes incríveis, para nós, em todos os momentos e certamente neste, ver o momento no tempo em que existimos e estamos presentes e ser capaz de contextualizá-lo, para entender onde existimos na história e no momento que se relaciona não apenas com o passado, mas com o futuro".

Com o anúncio da candidatura de Biden, que estará às vésperas de completar 82 anos na próxima eleição, todos os olhos se voltam para Kamala, 58, que assumiria o governo em eventual afastamento do presidente —e a colocam na linha de tiro da campanha.

Os baixos índices de aprovação ao redor de 40%, segundo agregador de pesquisas do site FiveThirtyEight, e uma gestão considerada errante na Vice-Presidência devem torná-la alvo preferencial dos republicanos.

O governo tenta vender uma imagem de união da vice com o presidente. No vídeo do lançamento da campanha democrata, há uma série de imagens de Biden com Kamala e até algumas dela sozinha com eleitores. No site oficial, também salta aos olhos uma imagem em que ela aparece com o mesmo destaque que ele.

Mas nem sempre foi assim. O portal americano Axios classificou os dois primeiros anos de governo democrata de "desconfiança mútua e tiroteios anônimos".

No livro "This Will Not Pass: Trump, Biden, and the Battle for America’s Future" (não vai passar: Trump, Biden e a batalha pelo futuro dos EUA), lançado no ano passado, os autores, repórteres do jornal The New York Times, relatam que Kamala e sua equipe se queixavam de que ela recebera uma missão impossível de se lidar, a crise migratória na fronteira com o México.

Incumbida de ser a face pública do governo na área de migração, um dos assuntos pelos quais a gestão democrata é mais atacada, Kamala, ela própria filha de migrantes, foi questionada pela pouca atenção dada ao tema. A situação piorou quando deu uma entrevista considerada desastrosa à NBC, em que teve dificuldades em explicar porque ainda não havia visitado a fronteira —ela passou um ano evitando entrevistas exclusivas para não causar mais mal-estar à Casa Branca, ainda segundo o NYT.

Do outro lado, Kate Bedingfield, então porta-voz da Casa Branca, começou a dizer que a culpa da crise de imagem era dela, que seu período como senadora (de 2017 até assumir como vice, em 2021) foi uma bagunça e que sua campanha presidencial em 2020 foi um fiasco.

A obra também relata insatisfação da primeira-dama, Jill Biden, com a escolha dela para a composição da chapa. Os dois lados negaram os episódios relatados no livro e qualquer entrevero entre eles.

Se teve dificuldades com a questão migratória, Kamala encampou outras bandeiras importantes do governo Biden, a principal delas o aborto, sobretudo depois que as eleições legislativas de outubro mostraram que o tema foge da disputa entre direita e esquerda no país e mobiliza até mulheres em estados mais republicanos.

Kamala também representou o governo Biden em polêmicas recentes. No começo do mês, ela viajou ao Tennessee para se encontrar com os dois deputados negros que foram expulsos da Câmara por participarem de manifestações por mais rigor no controle de armas. Ela também foi ao funeral de Tyre Nichols, homem negro que morreu após ser espancado por policiais de Memphis, no mesmo estado.

Recentemente, Kamala recebeu incumbências importantes na arena global. Em fevereiro, participou da Conferência de Segurança de Munique, na Alemanha, que reuniu autoridades de defesa do mundo todo, onde fez forte discurso condenando a Rússia pela invasão da Ucrânia. Neste mês, fez um giro por países da África, em uma contraofensiva para conter o avanço da influência chinesa na região.

Mas a atuação prática mais valiosa de Kamala no começo do governo Biden foi doméstica. Isso porque nos EUA o vice-presidente é também presidente do Senado e tem o poder de desempatar votações.

Nos primeiros dois anos da atual gestão o Senado tinha 50 republicanos e 50 democratas, e Kamala é a segunda vice-presidente com mais votos de desempate na história do país. Em apenas dois anos ela votou 29 vezes para resolver votações apertadas.

Mais que isso, apenas John C. Calhoun, com 31 votos quase dois séculos atrás, entre 1825 e 1832. Para efeitos de comparação, o vice de Donald Trump, Mike Pence, deu 13 votos de desempate em quatro anos, e Joe Biden, quando vice de Barack Obama, zero.

A escolha do vice é importante para balancear características de quem ocupa a cabeça de chapa, disse um estrategista democrata à Folha. Dick Cheney e Joe Biden emprestavam credibilidade e experiência aos jovens George W. Bush e Barack Obama, respectivamente —o primeiro chegou a ser descrito como mais poderoso que o presidente. Pence era um elemento de estabilidade para o imprevisível Trump, e, além do histórico como governador e deputado, tinha credenciais de conservador cristão que faltavam ao cabeça.

Já Kamala tem a função oposta: ainda que com alguma experiência na gestão pública, primeiro como procuradora e depois como senadora, sua função simbólica é trazer frescor e diversidade à imagem do homem branco e idoso encarnada por Biden.

"Kamala tem falado sobre assuntos como aborto, inclusão, mudanças climáticas. Essas questões podem ser um ativo nas urnas a um ponto em que as posições de candidatos a vice-presidente normalmente não são", diz Joel Goldstein, professor da Universidade de Saint Louis e um dos maiores especialistas em Vice-Presidência dos EUA.

Para ele, Kamala não decola devido à impressão negativa deixada no começo do governo e ao fato de ser a primeira mulher e pessoa de uma minoria racial no cargo. Contudo, se o candidato republicano de fato for Trump, que terá 78 anos na eleição, seu vice será tão escrutinado quanto Kamala, uma vez que a idade avançada do ex-presidente também será contestada. "A eleição vai girar muito em torno dos vices, porque serão eles quem poderão assumir a Presidência."

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