Mortes em série adicionam tensão à reta final de primárias na Argentina

Casos de violência nas vésperas de eleição tornam resultado ainda mais incerto; candidatos incluem tema na campanha

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Buenos Aires

A menina Morena Domínguez, 11, morreu na quarta (9), depois de ter a mochila roubada por dois motoqueiros na porta da escola. O manifestante de esquerda Facundo Molares, 47, morreu na quinta (10), ao sofrer um mal súbito enquanto era detido por policiais em frente ao Obelisco. Já o médico Juan Carlos Cruz, 52, morreu nesta sexta (11), baleado na cabeça enquanto via seu carro ser levado por ladrões.

As três mortes em série, sem relação direta entre si, geraram comoção na reta final da campanha às eleições primárias na Argentina e, somadas a uma nova corrida do dólar, lançaram mais tensão e incerteza sobre a votação que vai testar o poder das forças políticas do país antes do primeiro turno em outubro.

Mulher pede para manifestantes pararem de jogar pedras contra a polícia em ato nesta sexta (11), depois da morte de um militante em frente ao Obelisco na quinta (10) - AFP/Telám/Cristina Sille

"Se já era difícil fazer previsões até quarta-feira, agora tudo se potencializou exponencialmente", diz o jornalista e analista político Nicolás Lantos, que acompanhou de perto as últimas três eleições presidenciais. "O que está claro é que não há lembranças na história argentina moderna de um clima de comoção tão evidente, e o que aconteceu nos últimos dias adiciona mais uma camada de dúvidas".

Além de ocorrerem a poucos dias do pleito e de terem sido filmados, todos os casos se deram na cidade ou na província de Buenos Aires, região que concentra quase metade do eleitorado e, portanto, tem grande poder sobre os resultados nacionais. Também levaram os argentinos às ruas e deram munição aos discursos de todos os lados; por isso ainda é difícil saber quais efeitos terão nas urnas.

A Argentina tem uma das menores taxas de homicídio da América Latina —foram 4,2 a cada 100 mil habitantes em 2022, contra 19,5 no Brasil—, principalmente porque não sofre com a presença de grandes facções criminosas. No entanto, crimes como os roubos seguidos de morte ou lesão corporal, que vinham caindo nos últimos anos, voltaram a crescer junto com a piora da crise econômica.

A província de Buenos Aires, no entorno da capital, é uma das mais afetadas. Se em 2015 continha 11% desses delitos, agora concentra 38%. Por esses motivos, a insegurança ocupa o segundo lugar (38%) nas preocupações dos argentinos, depois da inflação (55%), aponta pesquisa da Universidade de San Andrés.

O ministro da Economia e candidato do governo peronista, Sergio Massa, gravou um vídeo em tom moderado insinuando que os três episódios recentes não devem contaminar a campanha. "A política de segurança não pode estar sujeita ao debate político eleitoral, deve ser uma política de Estado", disse.

Logo em seguida, porém, voltou à retórica de campanha. "Em 2009, a quatro quadras da minha casa, mataram um menino de 16 anos. [...] Nesse momento eu tomei a decisão de que Tigre, a minha cidade [da qual foi prefeito de 2007 a 2013], seria a mais segura possível", afirmou, listando medidas que implementou. Ele foi um dos presidenciáveis que suspendeu comícios na quarta, após a morte de Morena.

Outro deles foi o opositor de centro-direita Horacio Larreta, chefe de governo da capital, que optou pela mesma moderação: "Nós, argentinos, precisamos viver em paz. Especulações políticas como as que estamos presenciando são inaceitáveis. Como venho defendendo há algum tempo, precisamos deixar para trás a violência, as agressões e o confronto", afirmou.

Por outro lado, Larreta gerou polêmica ao respaldar os policiais subordinados a ele que detiveram o militante e fotojornalista Facundo Molares em manifestação em frente ao icônico monumento do Obelisco, no centro de Buenos Aires. "Quero destacar e apoiar totalmente a atuação da Polícia da Cidade, que agiu com profissionalismo contendo os atos de violência. Na cidade, a violência é o limite", escreveu.

O militante, ex-integrante das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), foi filmado no chão enquanto sofria o que parecia ser uma parada cardíaca. Movimentos de esquerda, que dizem que o ato era pacífico, foram às ruas nesta sexta, cobrando investigação e afirmando que policiais o pressionaram contra o piso durante vários minutos e não tentaram reanimá-lo imediatamente.

Movimentos de esquerda protestam no Obelisco, no centro de Buenos Aires, contra a morte do manifestante Facundo Molares nesta quinta (10) - Elena Boffetta/AFP

Larreta compete por uma vaga nas internas com Patricia Bullrich, candidata mais linha-dura da coalizão Juntos por el Cambio. A ex-ministra da Segurança, que cresceu politicamente defendendo abordagens punitivistas e criticando as greves frequentes, publicou um vídeo editado com imagens antigas em que diz: "O que os dirigentes sindicais fazem há 30 anos é encher de dinheiro os bolsos das pessoas".

Já o deputado de ultradireita Javier Milei usou os episódios para reforçar sua posição como terceira via. "Sobre os eventos dos últimos dias, quero dizer que as décadas passam, os governos mudam e os argentinos continuam vendo as mesmas imagens. Desvalorização. Pobreza. Violência. Caos. Crise. O problema não é o cozinheiro. É a receita. Não podemos continuar fazendo o mesmo e esperar resultados diferentes", publicou em redes sociais.

Esta eleição é vista como uma das mais incertas dos últimos 20 anos. Até o fim da semana passada, prazo final para divulgação de pesquisas, Larreta e Bullrich giravam em torno de 15% das intenções de voto e, juntos, somavam cerca de um terço do eleitorado, enquanto a coalizão peronista União pela Pátria seguia colada atrás. Milei registrava de 12% a 20%, perdendo fôlego, mas ainda com chances.

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