Descrição de chapéu The New York Times

Praias noturnas se tornam opção para enfrentar calor extremo em Dubai

Clima que constituiria onda de calor mortal na Europa é apenas um típico dia de verão na cidade dos Emirados Árabes Unidos

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Vivian Nereim
Dubai | The New York Times

Crianças pequenas riam, o mar rugia e um alto-falante portátil abandonado na praia tocava uma música romântica. Em cima de um gigantesco cachorro-quente inflável, uma criança remava pelas águas rasas.

Essa cena poderia ser numa praia em qualquer lugar durante um fim de semana de verão, caso você fechasse os olhos o suficiente para ignorar a luz da lua. Mas era meia-noite numa segunda-feira. Os salva-vidas trabalhavam no turno da noite, e holofotes focavam a água, tingindo-a com um turquesa luminoso.

Mesmo a essa hora, fazia 32ºC, com 79% de umidade. Trata-se de um clima relativamente agradável, em termos de verão em Dubai, uma cidade repleta de arranha-céus reluzentes e portos movimentados nos Emirados Árabes Unidos, um centro de imigrantes onde os cidadãos locais são minoria.

Pessoas na faixa de areia da praia em Dubai. Cenário noturno
Autoridades descreveram as praias noturnas como uma forma de aumentar a qualidade de vida - Ahmed Jadallah - 14.jul.23/Reuters

"Está tão quente que não podemos vir à praia durante o dia", disse Ramshah Ahmed, 36, uma professora paquistanesa que viajou a Dubai para um casamento e passou a maior parte dos seus dias em shoppings com ar condicionado. Ela estava encantada por encontrar uma praia aberta à noite para que seus filhos pudessem gastar um pouco de energia; novos visitantes ainda chegavam à areia enquanto ela e seu filho jogavam uma peteca rosa de badminton de um lado para o outro. "Não vi isso em nenhum outro lugar."

A cada ano, à medida que o calor sufocante do verão chega, as praias de Dubai gradualmente ficam mais vazias. O clima que constituiria uma onda de calor mortal na Europa ou nos Estados Unidos é a norma na Península Arábica, e em agosto Dubai parece uma sala de vapor. Mas a costa ganha vida bem depois do pôr do sol, quando corredores e ciclistas aparecem, e famílias preparam piqueniques em mesas dobráveis.

À meia-noite ou mesmo às 4h em qualquer dia, a praia em Umm Suqeim, um bairro elegante na costa de Dubai, está movimentada. É a preferida entre várias localidades que a Prefeitura de Dubai designou como "praias noturnas", onde é permitido nadar 24 horas por dia e holofotes iluminam a água.

Os horários noturnos são uma das muitas adaptações culturais ao calor extremo que poderiam se espalhar para lugares como Los Angeles e Miami, à medida que a crise climática altera as vidas ao redor do mundo. Os anfitriões das conversas sobre mudanças climáticas da COP28 deste ano, os Emirados Árabes Unidos, são importantes exportadores de petróleo, com emissões per capita entre as mais altas do mundo. Mas também estão entre os lugares mais vulneráveis, à medida que as temperaturas sobem.

Quando Kristina Dovhanchyna, 26, mudou-se da Ucrânia para Dubai, há quatro meses, o calor a deixou atônita. "Era maio, e eu estava morrendo", diz ela. Ela fez o possível para ficar dentro de casa o máximo possível. À medida que fez novos amigos, começou a se adaptar às peculiaridades e aos ritmos da cidade.

Quando ela chegou à praia naquela segunda-feira, no final da tarde, o local estava quase vazio. Agora, à noite, ela estava tão envolvida em uma conversa com um amigo enquanto se deitava na areia, apoiando-se nos cotovelos, que mal percebia a agitação ao seu redor. Crianças chamavam seus pais em árabe, urdu, inglês e russo. O ar cheirava a sal marinho e fumaça de cigarro. Um hotel cinco estrelas em forma de vela gigantesca brilhava ao longe, iluminado em azul. "Dubai durante a noite é muito bonita", disse Mamadoto Momo, 32, um salva-vidas senegalês que trabalha na praia das 18h às 6h.

Décadas atrás, antes de Dubai se transformar numa metrópole, Umm Suqeim era uma faixa distante da costa para onde a cidade enviava seus doentes para convalescerem. O nome da área se traduz para algo como "mãe da doença". Desde que a rápida expansão da cidade a consumiu, a antiga quarentena virou um bairro rico, onde esteticistas e cirurgiões plásticos atendem ao lado de casas com portões de vidro.

As ruas estão quase desertas nos dias de verão, quando temperaturas de 38ºC ou mais se combinam à alta umidade, em uma mistura perigosa. Como as pessoas lidam com o calor depende em grande parte —como acontece no resto do mundo— da classe social.

Os trabalhadores migrantes suam em seus macacões azuis e se deitam em canteiros gramados para descansar, procurando preciosos filetes de sombra. Os que trabalham em escritórios se protegem o máximo que podem, indo e vindo entre casas com ar condicionado, carros com ar condicionado e academias com ar condicionado. Os ricos compram blocos de gelo para mergulhar em suas piscinas ao ar livre. Muitos vão embora, mudando-se para Londres ou outros locais na Europa por semanas ou meses.

O calor extremo de Dubai não é necessariamente a razão pela qual as praias noturnas foram criadas. Em um vídeo promocional, a prefeitura disse que as estabeleceu porque, numa cidade vibrante, até as praias "nunca dormem". Autoridades descreveram os locais como uma forma de aumentar a qualidade de vida.

Mas o calor se tornou a razão pela qual muitos residentes as utilizam, incluindo Falhad Mohammed, 32, somali que se mudou para os Emirados quando era adolescente. Supervisora numa escola de meninas, ela tem os verões de folga e muda sua programação para lidar com o calor. "Durante o dia, é só dormir", disse Mohammed, zombando de si mesma com um som alto de ronco. "E, à noite, temos o dia."

Alguns frequentadores da praia voltam para casa depois de algumas horas, mas muitos ficam a noite toda. Por volta das 4h30, a lua cobre-laranja, quase cheia, pairava baixa no horizonte. Um grupo de amigos chutava uma bola de futebol. Um homem ria incontrolavelmente enquanto tirava fotos de um amigo enterrado na areia, apenas a cabeça para fora. A maré havia recuado, esculpindo regos na areia.

E o calor finalmente tinha cedido. A temperatura era a mais baixa do dia: 30,5ºC.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.