Descrição de chapéu BBC News Brasil Guerra da Ucrânia Rússia

Sexo após a guerra: veteranos ucranianos reaprendem a amar

ReSex oferece orientação para soldados feridos que buscam ajuda para retomar vida sexual

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Toby Luckhurst
Kiev | BBC News Mundo

Em um escritório moderno no centro de Kiev, um veterano de guerra ucraniano de 26 anos exibe orgulhosamente um vídeo em seu telefone em que aparece beijando apaixonadamente uma jovem. É um anúncio da ReSex, uma instituição que tenta ajudar ex-soldados que sofreram traumas físicos e mentais a retomar suas vidas sexuais.

Em março do ano passado, as forças invasoras da Rússia lançaram um cerco brutal à cidade portuária ucraniana de Mariupol, transformando grande parte dela em ruínas. Hlib Strijko —então fuzileiro naval— era um dos defensores da cidade.

Hlib Stryzhko, homem branco de caleos curtos e escuros sentado em uma cama, ele se recupera de fratura na pélvis e na feitas enquanto servia como fuzileiro naval em Mariupol
Hlib Strijko quebrou a pélvis e a mandíbula em março de 2022, enquanto servia como fuzileiro naval em Mariupol - BBC

Uma explosão russa o derrubou do terceiro andar de um prédio. Ele foi esmagado sob os escombros.

Strijko quebrou a pelve, a mandíbula e o nariz e, além de sofrer uma forte concussão, conta que o calor da explosão derreteu os óculos táticos em seu rosto. Foi então capturado pelas forças russas e feito prisioneiro de guerra.

No mês seguinte, foi libertado e enviado de volta ao território ucraniano como parte de uma troca de prisioneiros. Mas diz que recebeu poucos cuidados médicos durante seu tempo em cativeiro.

A BBC falou pela primeira vez com Strijko apenas algumas semanas após sua libertação. Depois, entrevistou-o durante sua reabilitação. Foi nesse período que a ReSex o procurou.

"Depois da minha lesão na pelve, tive feridas que demoraram a cicatrizar. [A questão do sexo] não era muito discutida, e eu não gostaria que isso acontecesse com outras pessoas como ocorreu comigo", diz ele. "Isso foi uma motivação para participar do projeto."

Ivona Kostina é uma das fundadoras do Veteran Hub, grupo que dirige o projeto ReSex. Ela diz que eles tiveram a ideia do projeto em 2018, depois de ler sobre como o Exército americano lida com o tema.

Depois de conseguir financiamento, após o início da invasão da Rússia, eles conversaram com soldados e especialistas ucranianos para garantir que estavam adaptando seu trabalho especificamente para os homens e mulheres com necessidades.

Quando pediram pela primeira vez respostas a perguntas online, enfrentaram questionamentos do público —e dos próprios veteranos. "As pessoas estão morrendo, você está pensando em sexo!", repete Kostina sobre o que costumavam ouvir no início do projeto.

Cartilhas impressas da ReSex para mulheres e para homens intituladas 'Faça Amor' - BBC

Eles também tiveram que enfrentar alguns de seus próprios preconceitos —como a falsa suposição de que os veteranos feridos estariam enfrentando dificuldades em suas vidas sexuais. "Tem sexo no hospital, sexo em casa, sexo antes dos procedimentos, sexo depois. Tem muito sexo bom acontecendo", diz Kostina. "Nós pensamos, uau, ok, como podemos ser úteis aqui?".

Mas no geral, ela diz, a resposta tem sido extremamente positiva. A instituição de caridade imprimiu cerca de 6.000 cartilhas e as enviou para centros médicos, veteranos e suas famílias em toda a Ucrânia, além de disponibilizá-las online.

A ReSex também lançou uma campanha nas redes sociais com vídeos, gráficos e um telefone para prestar auxílio. A instituição de caridade trata de todos os temas, desde masturbação e brinquedos sexuais até biologia básica.

"Tentamos cobrir tudo", diz Kostina, acrescentando que também há uma seção do livreto específica para jovens veteranos virgens. "Portanto, o sexo após a lesão seria o primeiro sexo de todos, o que pode ser bem diferente do que eles imaginavam."

Katerina Skorokhod, gerente de projeto da ReSex, diz que publicou guias separados para mulheres e homens para garantir que os respectivos parceiros recebam conselhos específicos e adaptados às suas experiências e corpos.

Ela ressalta, porém, que o foco do projeto tem mais a ver com o lado emocional do sexo do que com o físico. "É sobre como você pode se aceitar e amar e construir um relacionamento consigo mesmo e com seu parceiro após essas lesões, em relacionamentos que tenham sexo e intimidade."

Gerente de projeto da ReSex Katerina Skorokhod folheia brochura da iniciativa - BBC

Ainda segundo Skorokhod, como a pesquisa é muito baseada nas respostas dos veteranos aos questionários distribuídos pela organização, muitas vezes há lacunas, especialmente para obter respostas da comunidade LGBTQIA+.

Mas eles também aprenderam muito sobre os veteranos da Ucrânia. Especificamente, perceberam que lesões cerebrais traumáticas muitas vezes não são diagnosticadas e tratadas no país, algo que ela diz afetar "muito a libido e todo o desempenho sexual".

A linguagem usada para falar sobre sexo também é importante, diz Kostina. "Definitivamente não é uma linguagem dramática. Não se trata de 'superar obstáculos' —isso provavelmente é bom no esporte, mas acontece que o sexo não está na mesma escala."

Ela diz que é importante garantir que os veteranos saibam que não precisam fazer sexo, a menos que queiram, e que o sexo pode ser difícil ou doloroso no início.

Hlib certamente vê o projeto ao qual se juntou com bons olhos. Quando a reportagem pergunta se ele teve relacionamentos desde que se feriu, ele ri. "Depois que voltei do cativeiro e do hospital tive uma namorada, e depois outra enquanto respondia ao questionário do projeto. E hoje tenho uma parceira", conta. "Mas posso estar esquecendo de algum."

Ele disse ser grato por todas as pessoas com quem se relacionou no ano passado. "Cada parceira que tive foi importante para mim, para recuperar minha confiança. Sou muito grato por isso."

Esse texto foi publicado originalmente aqui.

Reportagem adicional de Svitlana Libet

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.