Areia desaparece de praias turísticas da Califórnia e mobiliza os moradores

Ação humana e fatores ligados à crise do clima afetam local antes marcado pelo slogan 'bronzeie sua pele em Oceanside'

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Jill Cowan
Oceanside | The New York Times

Em Oceanside, um subúrbio costeiro ao norte de San Diego, as palmeiras balançam e a temperatura é quase sempre perfeita. Pescadores lançam suas linhas do longo píer de madeira. Adolescentes com cabelos descoloridos pelo sal observam os surfistas.

"Todo dia aqui parece o dia de verão mais perfeito", diz Mercedes Murray, 38, na praia de Buccaneer, local popular entre moradores. Há apenas um problema: a areia está desaparecendo.

Mulher observa as ondas à beira de uma estrada em Oceanside, na Califórnia
Mulher observa as ondas à beira de uma estrada em Oceanside, na Califórnia - Maggie Shannon/The New York Times

Onde os moradores costumavam jogar vôlei de praia em Buccaneer, agora há montes de seixos naturais. Visitantes que antes podiam se espalhar em grandes extensões de areia perto do píer precisam competir por espaço em uma faixa estreita cheia de pedras.

Uma cidade praiana não pode existir sem uma praia, e apenas cerca de um terço dos 6 quilômetros de litoral da cidade ainda tem areia suficiente para as pessoas desfrutarem. Isso é um problema para uma cidade que costumava atrair turistas com o slogan "bronzeie sua pele em Oceanside" e sediar várias competições de surfe.

Líderes locais agora correm para reinventar a linha costeira na esperança de que Oceanside possa se transformar em um novo tipo de cidade praiana da Califórnia —antes que seja tarde demais.

Embora muitos visitantes e até mesmo californianos possam ver as vastas extensões de areia como parte da beleza natural da Califórnia, a realidade é que, ao longo de décadas, isso se tornou uma maravilha artificial.

Areia de outras partes da costa ou de bancos offshore conhecidos como "locais de empréstimo" foi adicionada ao longo das décadas para construir praias dignas de cartão postal, como a de Santa Monica. Em Newport Beach e Ventura, paredes estreitas de rochas chamadas quebra-mares foram instaladas décadas atrás para combater a erosão e ajudar a manter essas praias abastecidas.

Areia e pedras ao longo de praia em Oceanside, na Califórnia
Areia e pedras ao longo de praia em Oceanside, na Califórnia - Maggie Shannon/The New York Times

Mas uma série de fatores conspirou para diminuir as praias ao longo de toda a costa da Califórnia. Estudo recente previu que o estado poderia perder até 75% de suas praias até 2100, dada a elevação do nível do mar relacionada à emergência climática. Com o tempo, a areia da praia é levada para a água. Parte dela migra para outras praias como parte de um fenômeno complexo conhecido como deriva litorânea.

Se a linha costeira pudesse evoluir e recuar sem intervenção humana, as praias poderiam continuar a existir como as conhecemos. Mas, na Califórnia, a ocupação em muitos lugares ao longo da costa criou uma barreira sólida, interrompendo esse recuo natural.

Ao mesmo tempo, barragens e canais de concreto reduziram a quantidade de sedimentos fluviais que fluem rio abaixo e poderiam ajudar a repor a areia da praia. E os penhascos próximos, que normalmente erodiriam, foram fortificados para proteger casas e trilhos de trem construídos sobre eles.

Oceanside cresceu de uma cidade resort à beira-mar incorporada em 1888 para um importante subúrbio de San Diego com 172 mil habitantes. A extensão da costa foi alterada por dois grandes projetos.

Durante a Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos construíram uma base dos fuzileiros navais, Camp Pendleton, ao norte da cidade, e incluíram um local para barcos que seguiam para o Pacífico. Mais tarde, na década de 1960, a cidade fez seu próprio porto recreativo.

Com o tempo, o porto e o local de barcos, protegidos por uma rede de quebra-mares de rochas, começaram a impedir que a areia chegasse às praias da cidade.

Engenheiros do Exército americano dragam a foz do porto todos os anos. Isso custa à cidade um adicional de US$ 600 mil para bombear sedimentos finos e lamacentos do rio San Luis Rey para as praias ao sul. Mas o esforço geralmente produz areia suficiente apenas para cobrir uma pequena área, e ela é rapidamente levada pelas ondas.

Outras comunidades no condado de San Diego também estavam lidando com o mesmo problema, então, ao longo dos anos, os governos locais se uniram em alguns grandes projetos de reposição de areia. Mas esses também se mostraram soluções passageiras.

Em maio de 2022, a cidade contratou Jayme Timberlake como sua primeira administradora da zona costeira. Nativa da região, ela surfa todas as manhãs e leva seus dois filhos para aulas de salva-vidas juniores. Timberlake diz que viu o momento como uma oportunidade.

Ela lançou uma competição internacional com o objetivo de encontrar novas maneiras de obter e manter areia nas praias da cidade. "É realmente uma corrida", diz. "Precisamos começar e implementar algo antes que haja um aumento excessivo do nível do mar ou muitas tempestades que tenham um impacto catastrófico."

A cidade solicitou inscrições de 36 empresas e, em agosto, reduziu os concorrentes para três equipes. Em uma reunião comunitária na última terça-feira, moradores lotaram a Câmara Municipal de Oceanside para ouvir representantes das equipes apresentarem suas ideias pela primeira vez.

A Deltares, empresa holandesa, mostrou imagens de ilhas flutuantes, construídas sobre a água, com florestas de algas marinhas abaixo delas. A Scape, empresa de arquitetura paisagística dos EUA, sugeriu a criação de um sistema de dunas que usaria as pedras naturais como uma espécie de âncora para a areia. A International Coastal Management, empresa de engenharia da Austrália, propôs um recife artificial offshore para coletar areia, semelhante ao que construiu na Gold Coast.

Mas, em última análise, Oceanside e outras cidades costeiras podem ter que aceitar que praias largas de areia não farão mais parte de seu futuro, diz Gary Griggs, professor especializado em ciência costeira na Universidade da Califórnia, Santa Cruz, que atua como consultor para a competição. "Acho que temos que encarar a realidade de que, a longo prazo, não há absolutamente nada que possamos fazer para conter o oceano Pacífico. Tudo o que fazemos é de curto prazo."

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.