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Discurso de Lula na ONU está igual, mas mundo mudou e vê rebelião dos emergentes

Nações pobres ressentem-se do controle das ricas sobre a agenda global e apostam em foros alternativos e foco em desigualdade

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São Paulo

O discurso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na Assembleia-Geral da ONU não mudou muito –mas o mundo está diferente. Os países em desenvolvimento estão em rebelião aberta contra o controle das nações ricas sobre a agenda global.

Como em todos os seus discursos anteriores na ONU, Lula focou sua fala no combate à desigualdade e à fome e pediu a reforma do Conselho de Segurança da ONU.

O presidente Lula discursa na Assembleia-Geral da ONU, em Nova York
O presidente Lula discursa na Assembleia-Geral da ONU, em Nova York - Spencer Platt/Getty Images via AFP

Mas nunca antes o mundo esteve tão maduro para uma mudança nas instituições multilaterais que reflita melhor o peso dos emergentes. Os países em desenvolvimento não querem mais se submeter a uma agenda pautada pelas nações ricas, e foros alternativos ganharam muita força.

O Brics, após a expansão no número de países integrantes, na reunião da África do Sul em agosto, emerge como um bloco anti-Ocidente liderado pela China. A vitória dos emergentes na cúpula do G20 ao forçarem os países do G7 a eliminar menção à agressão da Rússia contra Ucrânia do comunicado final é outra prova dessa nova assertividade dos emergentes.

"O Conselho de Segurança da ONU vem perdendo progressivamente sua credibilidade —essa fragilidade decorre em particular da ação de seus membros permanentes, que travam guerras não autorizadas em busca de expansão territorial ou de mudança de regime", disse Lula. "Sua paralisia é a prova mais eloquente da necessidade e urgência de reformá-lo, conferindo-lhe maior representatividade e eficácia."

Segundo o líder brasileiro, a ampliação recente do Brics "fortalece a luta por uma ordem que acomode a pluralidade econômica, geográfica e política do século 21."

O Brasil, ao lado de outras nações em desenvolvimento, ressente-se do fato de a Guerra da Ucrânia sequestrar a agenda internacional. Esse grupo vê o Ocidente praticando o que interpreta como uma revolta seletiva, ao não se indignar com outros conflitos por puro cálculo geopolítico —como Iêmen, Palestina, Sudão, todos citados por Lula em sua fala. O raciocínio é que a Guerra da Ucrânia não pode sugar a atenção e os recursos necessários para lidar com o que mais importa para as nações pobres —financiamento do desenvolvimento e combate a mudanças climáticas.

Daí o foco redobrado de Lula em desenvolvimento. "Se tivéssemos que resumir em uma única palavra esses desafios [globais], ela seria desigualdade. A desigualdade está na raiz desses fenômenos ou atua para agravá-los", disse.

O presidente mantém a crítica contra o que vê como hipocrisia de países ricos ao pedir combate a mudanças climáticas, mas não cumprir os compromissos de financiamento de US$ 100 bilhões ao ano acordados na COP de Paris. E também ao cortejar em diversos foros internacionais a potência petrolífera Arábia Saudita, maior resistência a acelerar a transição energética para eliminar combustíveis fósseis.

Ainda que o próprio Brasil também se engaje na sedução à Arábia Saudita e ressalta que terá considerações desenvolvimentistas em primeiro lugar –ao insistir em pesquisar a viabilidade de exploração de petróleo na margem equatorial, criticada pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, e ambientalistas.

Ele também aproveitou para alfinetar o que vê como um neocolonialismo ambiental das potências ocidentais, ao imporem metas de preservação às nações pobres e legislação com sanções, como vem fazendo a União Europeia. Lula pediu "uma visão conjunta que reflita, sem qualquer tutela, as prioridades de preservação das bacias Amazônica, do Congo e do Bornéu-Mekong a partir das nossas necessidades."

Por mais que as declarações de Lula sobre a Guerra da Ucrânia tenham repercutido muito mal –sua tentativa de fazer uma equivalência entre o país agressor, a Rússia, e o país agredido, a Ucrânia foi duramente criticada– a posição do governo brasileiro vai se provando profética.

O assessor internacional Celso Amorim e o Itamaraty vinham batendo na tecla de que o mundo vai cansar da Guerra da Ucrânia e o presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, vai ser obrigado a negociar.

Com a contraofensiva morna e fracasso em convencer o chamado Sul Global a apoiar sanções contra a Rússia, a negociação surge cada vez mais como um imperativo.

O establishment acusou o golpe. O secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, foi enfático ao pedir, em seu discurso, reforma do Conselho de Segurança da ONU para refletir melhor a realidade atual, ecoando a insatisfação dos países em desenvolvimento. "A alternativa a reforma não é status quo, é mais fragmentação. Reforma ou ruptura". Mas ele admite a dificuldade de tirar a reforma do papel. A China, por exemplo, não aceita que a Índia seja um membro permanente em um conselho de segurança ampliado.

O presidente americano, Joe Biden, também incluiu uma defesa à reforma do Conselho de Segurança em seu discurso. "Precisamos de mais vozes, de mais perspectivas à mesa. Abraçamos nações que estão se destacando para liderar novos caminhos e buscar novas soluções para questões difíceis", disse ele.

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