Descrição de chapéu The New York Times

Testemunha do assassinato de JFK sugere em livro que havia mais de um atirador

Relato de Paul Landis, ex-agente do Serviço Secreto, pode mudar compreensão sobre o crime

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Peter Baker
Cleveland | The New York Times

Paul Landis, 88, ainda se lembra do primeiro tiro. Por um instante, de pé no carro da comitiva, ele acalentou a vã esperança de que o barulho pertencesse ao estouro de um rojão ou de um pneu. Mas ele conhecia armas de fogo, e não se iludiu. Então veio outro tiro. E outro. E o presidente desabou.

Landis reviveria aquele instante macabro em muitos de seus sonhos nos anos seguintes. Agora, 60 anos depois, ele, que era um dos agentes do Serviço Secreto a poucos metros do presidente John F. Kennedy naquele fatídico dia em Dallas, conta toda a sua história pela primeira vez. E seu relato difere da versão oficial de tal forma que ele pode mudar nossa compreensão sobre o acontecimento.

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O ex-agente do Serviço Secreto Paul Landis, autor de um livro que reacende teorias alternativas sobre assassinato de John F. Kennedy, posa em sua casa, em Cleveland - Amir Hamja - 7.ago.23/NYT

Sua memória desafia uma versão dos fatos que, cristalizada pela Comissão Warren, que investigou oficialmente os fatos, foi objeto de muita especulação e debate ao longo dos anos —a de que uma das balas disparadas contra o carro do então presidente John F. Kennedy atingiu não só ele, como também o governador do Texas à época, John Connally, que estava ao seu lado, em múltiplos locais.

Esse relato, reproduzido no livro de Landir "The Final Witness" (a última testemunha), com lançamento programado para 10 de outubro, tem potencial para alterar um aspecto crucial da narrativa sobre um dos dias mais impactantes da história moderna dos Estados Unidos, encorajando aqueles que suspeitam que havia mais de um atirador em Dallas em 22 de novembro de 1963.

Como ocorre com tudo relacionado ao assassinato de Kennedy, a origem do relato levanta por si só algumas questões. Landis permaneceu em silêncio por 60 anos, e memórias podem ser traiçoeiras mesmo para aqueles que confiam sinceramente em suas lembranças. Elementos de sua versão dos fatos contradizem as declarações oficiais que ele fez às autoridades imediatamente após os tiros, e alguns deles não podem ser facilmente reconciliadas com o registro existente.

Mas ele estava lá; foi uma testemunha ocular do assassinato. Agora, ele diz, tudo o que quer fazer é contar o que viu e fez. "Não há nenhum objetivo maior a essa altura", afirmou ele em entrevista concedida no mês passado. "Só achei que já tinha passado tempo o suficiente e que eu precisava contar minha história."

Tudo se resume a uma bala de 6,5 mm revestida de cobre. A Comissão Warren decidiu que uma das balas disparadas naquele dia atingiu o presidente por trás, saiu pela frente, por sua garganta, e seguiu o percurso de modo a atingir Connally nas costas, no peito, em um pulso e em uma coxa. Parecia improvável que uma única bala conseguisse fazer tudo isso, então os céticos chamaram a ideia de "teoria da bala mágica".

Parte do motivo pelo qual os investigadores chegaram a essa conclusão é que a bala foi encontrada em uma maca em que Connally teria sido carregado no Hospital Memorial Parkland. Eles concluíram, assim, que ela havia saído de seu corpo quando os médicos tentavam salvar sua vida. Mas Landis, que nunca foi entrevistado pela Comissão Warren, diz que não foi isso que aconteceu.

Na verdade, afirma o agente aposentado, foi ele que encontrou a bala —e não no hospital, mas no interior da limusine presidencial, alojada na parte de trás do banco onde Kennedy estava sentado.

Quando ele avistou a bala, depois que a caravana presidencial já tinha chegado ao hospital, pegou-a, segundo ele para evitar que caçadores de souvenires a levassem. Então, posicionou-a ao lado de Kennedy na maca do então presidente, presumindo que isso de alguma forma poderia ajudar os médicos a entender o que houve.

Hoje, ele acha que é possível que as macas tenham sido empurradas juntas e, com isso, a bala tenha passado de uma maca para a outra. "Não havia ninguém lá para proteger a cena [do crime]", afirma Landis. "Estava com medo —percebi imediatamente que era uma evidência, e muito importante. E não queria que ela desaparecesse ou se perdesse."

Landis especula que a bala atingiu Kennedy nas costas e saltou para fora de seu corpo antes que ele fosse retirado da limusine. O ex-agente conta que vinha relutando em refletir sobre as implicações disso. Ele sempre acreditou que Lee Harvey Oswald foi o único atirador na ocasião. Mas e agora? "Agora eu começo a me perguntar", diz ele.

Nos últimos anos, ele compartilhou sua história com várias figuras-chave, incluindo Lewis Merletti, ex-diretor do Serviço Secreto.

James Robenalt, um advogado de Cleveland e autor de vários livros históricos, foi um dos que ajudaram Landis a reviver suas memórias. "Se o que ele diz é verdade, o que eu tendo a acreditar, é provável que voltemos a discutir a possibilidade da existência de um segundo atirador, senão mais", diz Robenalt.

"Se a bala que conhecemos como a bala 'mágica' parou nas costas do presidente Kennedy, isso significa que a tese central do Relatório Warren, a teoria da bala única, está errada", explica ele. Além disso, acrescenta, se Connally tiver sido atingido por uma segunda bala, é possível que ela não tenha vindo da arma de Oswald, que segundo o historiador não poderia ter sido recarregada tão rapidamente.

Merletti, o ex-diretor do Serviço Secreto, encaminhou Landis para Ken Gormley, presidente da Universidade Duquesne e um historiador proeminente, que o ajudou a encontrar um agente para seu livro.

Gormley diz que não se surpreendeu com o fato de que um agente traumatizado se manifestasse anos depois. "É muito comum que as pessoas cheguem ao fim de suas vidas querendo colocar sobre a mesa coisas que estavam guardando, especialmente quando se tratam de peças da história cujo registro elas querem corrigir. Não me parece uma jogada de alguém tentando chamar a atenção para si mesmo ou ganhar dinheiro."

A versão do assassinato de Kennedy que Landis apresenta em seu livro traz algumas diferenças em relação às duas declarações escritas que ele submeteu na semana seguinte ao ataque. Além de não mencionar a descoberta da bala, ele relatou ter ouvido apenas dois tiros. Ele ainda omitiu que entrou na ala do hospital para a qual Kennedy foi levado.

Landis afirma que os relatórios estão errados; ele estava em choque e mal havia dormido por cinco dias. O ex-agente diz que foi só em 2014 que percebeu que a versão oficial da bala diferia daquela gravada em sua memória, mas não se manifestou na época por sentir que havia cometido um erro ao colocá-la na maca sem contar a ninguém.

Na verdade, seu parceiro na época, Clint Hill, o agente do Serviço Secreto que subiu na parte de trás da limusine em alta velocidade em um esforço fútil de salvar Kennedy, desencorajou Landis a falar. "Consequências demais", alertou Hill em um email de 2014.

Hill, que descreveu sua própria versão do que aconteceu, questionou a versão de Landis. "É preocupante que a história que ele está contando agora, 60 anos depois do fato, seja diferente das declarações que ele escreveu nos dias seguintes à tragédia", diz o antigo companheiro.

Depois que Kennedy foi eleito, Landis foi designado para proteger os filhos do novo presidente e, mais tarde, a primeira-dama, Jacqueline Kennedy, ao lado de Hill. Como a primeira-dama acompanhou o marido naquele dia de 1963, Landis, então com 28 anos, fez parte da comitiva, seguindo a limusine presidencial.

Landis conta que, no primeiro tiro, voltou-se para a direção do som, mas não viu nada. Então se virou para a limusine e viu Kennedy levantando os braços, em um sinal evidente de que tinha sido atingido. De repente, notou que Hill tinha pulado do carro que seguia a comitiva e estava correndo em direção à limusine.

Landis diz ter ouvido um segundo tiro e, finalmente, o terceiro tiro, fatal, que atingiu o então presidente na cabeça. Ele afirma que soube imediatamente que Kennedy tinha morrido. Hill, então na parte de trás da limusine, virou-se para ele e confirmou o óbito, fazendo um sinal de polegar para baixo.

Ainda segundo o relato de Landis, ele e Hill persuadiram a desnorteada primeira-dama a soltar o marido para que ele pudesse ser levado para o interior do hospital ao chegarem no prédio. Landis conta que notou dois fragmentos de bala em uma poça de sangue após sair do carro. Tocou um deles, mas o pôs de volta.

Foi então que, ele diz, notou a bala intacta na costura do estofamento de couro escuro. Ele afirma tê-la enfiado no bolso e ido para dentro do hospital, onde planejava entregá-la a um supervisor, mas, no meio da confusão, instintivamente a colocou na maca de Kennedy.

O engenheiro sênior do hospital supostamente a teria encontrado mais tarde quando estava movendo a maca de Connally, que naquele momento estava vazia, e a bateu contra outra maca no corredor, fazendo com que a bala caísse.

O relatório da Comissão Warren disse que "eliminou a maca do presidente Kennedy como origem da bala" porque o presidente permaneceu em sua maca até que seu corpo fosse colocado em um caixão.

Os investigadores determinaram que a bala foi disparada pelo mesmo rifle encontrado no sexto andar do Texas School Book Depository. Concluíram que a bala passou por Kennedy, entrou no ombro direito de Connally, atingiu sua costela, saiu por seu mamilo direito, e continuou pelo pulso direito e até a coxa esquerda.

Os médicos concordaram que a bala única poderia ter causado todos os danos. Mas a bala foi descrita como quase imaculada e havia perdido apenas um ou dois gramas de seu peso original (de 160 g ou 161 g), fazendo com que os céticos duvidassem de que ela fez tudo o que a comissão disse que ela fez. Ainda assim, especialistas em balística concluíram que a teoria da bala única era plausível usando técnicas forenses modernas.

Seis meses após o assassinato, Landis deixou o Serviço Secreto. Ele diz que estava ciente das teorias da conspiração, mas nunca leu um livro sobre elas —ou mesmo o relatório da Comissão Warren.

Então, em 2014, um chefe de polícia local que ele conhecia deu a ele uma cópia de "Six Seconds in Dallas" (seis segundos em Dallas), um livro de 1967 de Josiah Thompson que argumenta que havia vários atiradores. Landis afirma que leu a obra e passou a acreditar que a versão oficial da bala estava errada. Isso levou a conversas com Merletti e Gormley e, eventualmente, a seu livro.

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