EUA e Armênia provocam Rússia com exercício militar

Agravamento da crise com o Azerbaijão faz Ierevan criticar papel protetor de Moscou

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São Paulo

Em meio ao agravamento na crise regional com o vizinho Azerbaijão, o governo da Armênia iniciou nesta segunda-feira (11) uma série de exercícios militares com forças dos Estados Unidos, provocando imediata reação negativa na Rússia.

As manobras em si são ínfimas, envolvendo 85 soldados americanos e 175 militares armênios, mas altamente simbólicas, já que são desenhadas para simular operações de manutenção de paz. Justamente o trabalho que Ierevan acusa a Rússia de não estar fazendo como sua principal aliada e garantidora do cessar-fogo que encerrou a guerra com Baku em 2020.

Posto de controle do Azerbaijão no início do corredor de Lachin, que liga Nagorno-Karabakh à Armênia
Posto de controle do Azerbaijão no início do corredor de Lachin, que liga Nagorno-Karabakh à Armênia - Karen Minasyan - 30.ago.2023/AFP

Desta forma, o exercício pode ser visto como uma provocação direta a Moscou, mas no sentido de querer chamar a atenção para a situação. Para os americanos, é uma oportunidade única de mostrar sua presença naquilo que é visto por Vladimir Putin como um de seus principais quintais geopolíticos.

Do ponto de vista estratégico, o Cáucaso é uma rota de invasão histórica e de conflitos com a Rússia, particularmente com a Turquia, que apoia o Azerbaijão e lhe deu condições militares para a vitória tática no conflito de 2020 —que era a continuação de um conflito vencido nos anos 1990 pelos armênios pelo controle da região de Nagorno-Karabakh.

Trata-se de um encrave armênio no território azeri, uma cortesia da colcha de retalhos que era a União Soviética, país que ambos os rivais integravam até sua dissolução, em 1991. Com a retomada de vários territórios em torno da região, coube aos russos estabelecerem uma missão de paz para evitar escaladas e manter aberta a rota que liga Nagorno-Karabakh à Armênia, o chamado corredor de Lachin.

Nos últimos nove meses, ela foi fechada diversas vezes, levando às queixas de Ierevan. Neste domingo (10), um acordo parece ter garantido a reabertura do caminho.

O problema para a Armênia é sua grande dependência dos russos, que mantêm no país sua maior base militar no exterior. O governo do premiê Nikol Pashinyan tem feito críticas abertas a Moscou e disse que seria necessário abrir negociações com a Otan [aliança militar liderada pelos EUA], já que a concorrente russa Organização do Tratado de Segurança Coletiva não lhe garantia estabilidade.

"Mas tanto Ierevan quanto Moscou entendem que a Armênia é dependente economicamente da Rússia e que seus laços, especialmente por meio da União Econômica Eurasiana [outra estrutura dominada por Moscou] apenas cresceram. Após as sanções ocidentais contra os russos, a Armênia foi a maior beneficiária no grupo", afirmou Ekaterina Zolotova, da consultoria americana Geopolitical Futures.

O comércio entre os dois países praticamente dobrou depois da invasão da Ucrânia, com a Armênia servindo de rota alternativa no comércio exterior russo.

Pashinyan sempre se equilibrou entre a vontade de abertura ao Ocidente e a realidade pós-soviética de seu país, sendo uma figura não muito bem vista em Moscou. Desta forma, esticar a corda com Putin pode ter o condão de lhe trazer mais pressão interna, o que não seria uma má ideia sob a ótica do Kremlin.

Outros atores se posicionam na conturbada região, a começar pela Turquia, mas também o Irã, que tem fortes laços étnicos com os azeris. Para Washington, se uma guerra aberta entre Ierevan e Baku não é do interesse imediato, uma tensão forte o suficiente para drenar atenção russa em meio ao conflito na Ucrânia é uma perspectiva vantajosa.

No meio de tudo isso, contudo, estão os moradores da região. Não há um acordo de paz definitivo acerca da disputa de Nagorno-Karabakh, e o Azerbaijão tem um pedaço de seu território, Nakhchivan, ensanduichado entre a Armênia e o Irã.

"Conflito sobre Nagorno-Karabakh vai muito provavelmente ocorrer, dada a natureza das disputas. A questão é quando e quão severo será. Enquanto isso, o jogo geopolítico na região vai seguir o mesmo: a Rússia não vai embora, os EUA estão prontos para irritar Moscou com aparições periódicas e a Turquia irá avançar seus interesses", afirmou Zolotova em sua análise sobre a tensão nesta segunda.

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