Irã aumenta restrições à internet um ano após morte de Mahsa Amini

Jovem de 22 anos morreu sob custódia da polícia moral após supostamente descumprir código de vestimenta

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Sanam Mahoozi
Reuters

Quase um ano após a morte de Mahsa Amini, 22, sob custódia da polícia por supostamente descumprir o rígido código de vestimenta no Irã, o regime que comanda o país voltou a restringir a internet numa aparente tentativa de coibir novos protestos, dizem ativistas que atuam em defesa dos direitos humanos.

Uma série de manifestações eclodiu em todo o Irã após a morte da jovem curda em 16 de setembro do ano passado, três dias depois de ela ser presa em Teerã por supostamente não usar o hijab, o véu islâmico, da forma correta. Policiais dizem que ela sofreu um ataque cardíaco após a detenção. A família de Amini, porém, alega que ela foi agredida por agentes da polícia moral, responsável por aplicar os códigos de conduta religiosos do regime.

Mulher sem véu em cima de veículo em estrada no Irã diante de pessoas a caminho de cemitério após morte de Mahsa Amini, em 2022
Mulher sem véu em cima de veículo em estrada no Irã diante de pessoas a caminho de cemitério após morte de Mahsa Amini, em 2022 - UGC - 26.out.22/AFP

Pelo menos 22 mil pessoas foram detidas na repressão aos protestos –os maiores desde a fundação da República Islâmica, em 1979— e sete acabaram executadas pelo regime. Agora, as autoridades iranianas estão tomando medidas para evitar que o assunto volte à tona, acusam ativistas.

Além de bloquear milhares de páginas na internet, o Irã tem imposto uma espécie de "toque de recolher digital", interrompendo o acesso à noite, quando os protestos são mais frequentes. As autoridades também vêm bloqueando aplicativos de mensagens e criminalizando o uso de redes privadas virtuais (VPNs), que contornam as restrições.

O Irã ficou em terceiro lugar no mundo em número de vezes em que a internet foi bloqueada no ano passado, de acordo com o grupo de direitos digitais Access Now. As medidas impostas pelo regime incluem o encerramento de redes móveis, tanto em nível nacional como em áreas específicas, e o bloqueio ao Instagram e ao WhatsApp, plataformas que ainda não estão sujeitas a proibições completas.

"Os fechamentos da internet violam os direitos humanos", disse Marwa Fatafta, gerente de políticas e defesa do Access Now. "Tratam-se de ataques desproporcionais e draconianos aos direitos humanos, implementados para manter as pessoas na ignorância, impedir os fluxos de informação, ocultar atrocidades e violações e, consequentemente, proteger as autoridades da responsabilização."

O acesso à internet nunca esteve tão ruim no Irã como nos últimos dias, acrescenta Amir Rashidi, diretor de direitos digitais do Miaan, grupo com sede no Texas que atua em defesa dos direitos humanos no país do Oriente Médio. Segundo ele, as dificuldades são maiores em regiões onde vivem minorias étnicas e religiosas, caso do Curdistão, onde Mahsa viveu, e o Khuzistão, lar de muitos árabes iranianos.

Após a imposição de sanções, alta da inflação e crescimento do desemprego, as interrupções da internet custaram ao Irã US$ 773 milhões (R$ 3,7 bilhões) em 2022, segundo o grupo de pesquisa de privacidade digital TOP10VPN. O impacto é sentido principalmente pelas pequenas empresas.

"Não tivemos um dia sem que a internet causasse algum tipo de problema. É impossível ter uma vida normal nessas condições", disse Saeed Souzangar, que luta para manter sua empresa de tecnologia em Teerã funcionando. "Vendi minha casa e meu carro só para manter as luzes do escritório acesas".

Apesar do custo, as autoridades iranianas vêm adotando medidas duras contra possíveis opositores. O líder supremo, o aiatolá Ali Khamenei, apelou em junho ao poder judicial para reprimir com força a dissidência online. Enquanto isso, o ministro das Comunicações, Issa Zarepour, disse em agosto que o país tinha "o dobro" do acesso à internet de que precisava. O ministério não respondeu a pedidos de comentários.

Apesar dos riscos, Rashidi diz que a repressão à internet estimulou o crescimento de comunidades que atuam pelos direitos digitais e reúnem especialistas em tecnologia, jornalistas, advogados e membros da sociedade civil.

Essas comunidades, porém, são vistas como uma ameaça pelas autoridades iranianas, uma vez que atuam contra o controle estatal sobre as informações, disse Simin Kargar, membro do Laboratório de Pesquisa Forense Digital do Atlantic Council. "Tivemos ativistas tecnológicos que foram presos por ensinarem às pessoas sobre preservação da privacidade online", disse ele.

A organização sem fins lucrativos Fundação Thomson Reuters conversou com vários ativistas do Irã que falaram sob condição de anonimato devido ao medo de represálias. Eles afirmaram que as autoridades vêm utilizando filtros e vigilância na internet. Também tentam abrandar a velocidade da rede para suprimir narrativas da oposição.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.