Parlamento do Irã endurece punição contra mulheres que não usam véu islâmico

Projeto prevê pena de até 10 anos de prisão; texto agora precisa ser aprovado por conselho ligado ao regime

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Teerã | AFP

Um ano após protestos violentos contra o regime do Irã desencadeados pela morte de Mahsa Amini, 22, sob custódia da polícia moral por descumprir o rígido código de vestimenta, o Parlamento do país aumentou nesta quarta-feira (20) a pressão sobre as mulheres que se recusam a usar o véu islâmico.

Com 152 votos a favor, 34 contrários e sete abstenções, os deputados aprovaram um projeto de lei intitulado "Apoio à cultura da castidade e do véu", que prevê mais punição, incluindo multas e penas de cadeia, às mulheres que não usam a peça em espaços públicos e em imagens publicadas na internet.

Mulheres com hijab caminham pelas ruas de Teerã
Mulheres com hijab caminham pelas ruas de Teerã - Atta Kenare - 12.jul.22/AFP

O texto diz que as mulheres sem a vestimenta "promovem nudez" e, em alguns casos, "zombam do hijab", o véu islâmico. O texto ainda determina o uso do item em veículos. Donos de empresas cujas funcionárias desrespeitarem a regra também poderão ser punidos com multas e até proibição de deixar o país.

"Qualquer pessoa que 'cometa o crime' de não usar véu ou vestir roupas inadequadas, em cooperação com governos, meios de comunicação, grupos ou organizações estrangeiros ou hostis [...] será condenada a uma pena de prisão", diz trecho do texto. As penas variam de 5 a 10 anos, segundo os autores do projeto.

O novo texto prevê o endurecimento das regras já em vigor. Atualmente, mulheres que aparecem em público sem o véu também podem ser condenadas à prisão, mas as penas são menores, de dez dias a dois meses de cadeia. O uso de roupas consideradas "apertadas" ou que "exponham uma parte do corpo" é considerado inapropriado e pode agravar a infração, segundo o projeto.

De acordo com os parlamentares, o projeto tem caráter experimental de três anos. Para virar lei, o texto agora precisa ser aprovado pelo Conselho dos Guardiões da Constituição, ligado ao regime e cuja função principal é garantir que as regras do país estejam em concordância com a sharia, a lei islâmica.

A votação no Parlamento aconteceu quatro dias após o aniversário de um ano da morte de Mahsa Amini. A jovem curda foi detida por supostamente não usar o hijab da forma correta em Teerã. Os policiais dizem que ela sofreu um ataque cardíaco enquanto estava sob custódia. Já a família de Mahsa alega que ela foi agredida por agentes da polícia moral, responsável por aplicar os códigos de conduta religiosos no país.

O episódio desencadeou uma onda de protestos em defesa dos direitos das mulheres e contra o regime do Irã, e a repressão foi dura. Pelo menos 22 mil pessoas foram detidas nos protestos –os maiores desde a fundação da República Islâmica, em 1979— e sete acabaram executadas pelo regime.

Um ano depois, as autoridades iranianas estão tomando medidas para evitar novos protestos. Ativistas relatam mais policiais nas ruas e restrições ao uso da internet. Além de bloquear milhares de páginas, o Irã tem imposto uma espécie de "toque de recolher digital", interrompendo o acesso virtual à noite, quando as manifestações são mais frequentes.

Apesar da repressão, cada vez mais mulheres iranianas têm saído às ruas com as cabeças descobertas, principalmente nas grandes cidades. Em resposta, as autoridades passaram a investir na instalação de câmeras nas ruas para identificar e punir quem desobedece o código de vestimenta.

Organizações apontam que o regime também recrudesceu a perseguição à imprensa. Em relatório recente, a Repórteres Sem Fronteiras afirmou que autoridades detiveram 79 jornalistas desde o início dos protestos —31 deles são mulheres. A entidade descreve as prisões e acusações arbitrárias como "um labirinto de repressão estatal". Dos 79 jornalistas que foram presos, 12 ainda estão atrás das grades.

Os conservadores são maioria no Parlamento do Irã e defendem a obrigação do véu nos espaços públicos. Segundo eles, o desaparecimento da peça daria início a um processo que modificaria profundamente as "normas sociais" no Irã. Ativistas, porém, dizem que a norma contraria a liberdade das mulheres.

Na semana passada, a missão internacional independente criada pela ONU após os protestos de 2022 alertou que, se a nova lei fosse adotada, as mulheres ficariam expostas a "riscos crescentes de violência, assédio e detenção arbitrária".

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