Russos que ajudam migrantes da Ucrânia temem repressão do governo Putin

Moradores da Rússia relatam fazer trabalho humanitário para dar vazão a espírito pacifista e mitigar impacto da guerra

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São Petersburgo | AFP

Galina Artiomenko arrecada dinheiro há um ano e meio para ajudar os ucranianos refugiados na Rússia devido à guerra iniciada em fevereiro de 2022. De repente, em meados de julho passado, seus cartões e os de outros voluntários foram bloqueados.

"Segundo o banco, nossas arrecadações tinham 'objetivos duvidosos'", relata ela, afirmando poder justificar "cada rublo [moeda russa] gasto".

A voluntária Galina Artiomenko, 58, no centro de ajuda humanitária Humsklad, em São Petersburgo, na Rússia; o espaço é voltado para ajudar a ucranianos refugiados no país
A voluntária Galina Artiomenko, 58, no centro de ajuda humanitária Humsklad, em São Petersburgo, na Rússia; o espaço é voltado para ajudar a ucranianos refugiados no país - Olga Maltseva/AFP

Esse bloqueio demonstra que seu compromisso humanitário é alvo de suspeitas em um país onde a repressão contra aqueles que criticam o ataque à Ucrânia está no apogeu.

Junto com outros voluntários em São Petersburgo, Galina divulga na internet pedidos de doações. E, com o dinheiro arrecadado, ela compra roupas, medicamentos e alimentos para aqueles que foram obrigados a chegar ao território russo devido às hostilidades.

Ela recebe ucranianos na estação de São Petersburgo, ajuda-os a encontrar acomodação e trabalho ou a realizar os trâmites administrativos para tentar ir à União Europeia a partir da Rússia.

"Há milhares de pessoas que ajudam [os ucranianos] mas preferem não falar sobre isso por razões de segurança. Embora não haja nenhuma lei que proíba ajudar pessoas que caíram em desgraça."

Milhões de refugiados

Em um contexto de repressão, muitos voluntários se recusam a falar sobre o conflito e sua ajuda aos refugiados por medo de chamar a atenção das autoridades, que prendem pessoas anônimas acusadas de colaborar com Kiev ou de criticar o Exército russo.

Segundo Liudmila, 43, voluntária que prefere manter seu sobrenome em segredo, muitos desses russos são "pacifistas" que não podem expressar abertamente suas posições e aliviam suas consciências ajudando as vítimas. "Não podemos ficar de braços cruzados, temos que ajudar aqueles que estão em uma situação pior que a nossa e que sofrem", diz. "É a única forma de existir que nos resta."

Segundo levantamento da ONU no final de dezembro de 2022, cerca de 1,3 milhão de ucranianos estão refugiados em território russo. Moscou estima que sejam mais de 5 milhões, cifra questionada por ONGs. Alguns estão em trânsito, especialmente na região fronteiriça com a União Europeia. Outros dizem que querem ficar no país.

Kiev acusa o Kremlin de ter deportado ucranianos para a Rússia e de pressioná-los a obter passaportes russos. O Tribunal Penal Internacional (TPI) emitiu em março um mandado de prisão contra o presidente russo, Vladimir Putin, e sua comissária para a infância, María Lvova Belova, por "crime de guerra de deportação ilegal" de crianças.

Moscou nega e afirma que os deslocados vêm voluntariamente ou foram retirados por sua própria segurança.

'Só quero a paz'

Na Rússia, redes de solidariedade que ajudam os refugiados funcionam ativamente desde o início da ofensiva. A AFP esteve com Galina em um de seus dias de trabalho. A voluntária compra produtos e os deposita em um ponto de coleta de itens de primeira necessidade para os ucranianos.

O centro, chamado Gumsklad e aberto todos os dias, recebe diariamente até dez famílias beneficiárias. Em várias prateleiras, há sapatos, roupas, alimentos e eletrodomésticos.

Depois, ela sai para comprar óculos em uma loja no centro da cidade para Elena e Igor, vindos de Bakmut, cidade do leste da Ucrânia cuja conquista Moscou reivindica, embora os combates continuem.

A ONG Mayak.fund, sediada em Moscou, tem mais recursos. Atualmente, recebe até 50 pessoas por dia, após recordes de afluência em 2022, segundo uma voluntária Julia Makeieva, 49.

Para ela, o fator emocional é o mais difícil de lidar diante do sofrimento dos refugiados. "Para conservar a energia e a esperança, tento manter certa distância, caso contrário não consigo trabalhar, só choro."

Naquele dia, Julia e seu marido, Alexander, que fugiram da cidade ucraniana de Kupiansk há quase um ano com seus dois filhos, de 7 e 3 anos, contam entre lágrimas como tiveram que sobreviver sob os bombardeios. "Só quero a paz", diz Julia.

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