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Associar paz a governos de mulheres cria estereótipos, afirmam pesquisadoras

Teoria de que lideranças femininas geram menos guerras tira delas capacidade de decisão

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São Paulo

Em contextos de guerra, mulheres costumam ser reduzidas a pacificadoras ou associadas a tragédias, como a perda de familiares ou a violência sexual cometida por soldados. No conflito corrente entre Israel e o Hamas, elas são vítimas, junto com crianças, em postagens de protesto em redes sociais que enfatizam a escalada do conflito e seu impacto em civis.

A primeira-ministra britânica Margaret Thatcher (1925-2013) passeando de tanque com soldado, em visita ao pelotão de seu país na Alemanha Ocidental, em 1987
A primeira-ministra britânica Margaret Thatcher (1925-2013) passeando de tanque com soldado, em visita ao pelotão de seu país na Alemanha Ocidental, em 1987 - Reprodução

Ao mesmo tempo, existe a idealização da figura feminina angelical, capaz de negociações que jamais sensibilizariam os homens.

Não há mulheres na liderança de Israel nem da Palestina, embora os dois lados já tenham contado com importantes figuras femininas: Golda Meir primeira-ministra israelense durante a Guerra do Yom Kippur, em 1973, e Leila Khaled, militante histórica da causa palestina que participou de sequestros de aviões.

Mas as duas visões, afirmam pesquisadoras, criam estereótipos na política internacional. Para Mariana Bernussi, professora de relações internacionais da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) e especialista em estudos de gênero, as visões são reducionistas e tiram da mulher a capacidade de tomar as próprias decisões.

Já Elaini Silva, também docente da PUC-SP e especialista em direito internacional, diz que a raiz desse pensamento está na ideia de que mulheres exercem biologicamente funções de cuidado. "Na teoria chamamos de essencialismo", diz.

Segundo a professora, é uma ideia cientificamente questionável, mas que ganhou força cultural. "Um dos primeiros artigos publicados na famosa revista Foreign Affairs sobre mulheres na política internacional foi do Francis Fukuyama, em 1998, o autor da tese do fim da história, e defendia a ideia de que mulheres não deveriam governar o mundo, porque seriam propensas a comportamentos pacíficos e de concessão, quando o cenário exigia agressividade e disposição para guerras."

Partindo de estudos com chimpanzés, Fukuyama defende que a propensão a violência é uma questão biológica do homem. Ele diz que, em um mundo no qual Saddam Hussein dominava as reservas de petróleo e estava armado até os dentes, era preferível uma Margaret Thatcher a uma Gro Harlem Brundtland, primeira mulher a liderar a Noruega, em 1998.

Fukuyama foi rebatido por feministas, caso de J. Ann Tickner, que escreveu um artigo afirmando que esse tipo de estereótipo mantém as mulheres excluídas da política. Nos anos 2010, mais estudos se somaram a esse caldo. Na Universidade de Chicago, as professoras Oeindrila Dube e S.P. Harish fizeram um levantamento da atuação das rainhas na Europa do século 15 ao 20 e constataram que os reinados das rainhas casadas atacaram mais do que dos reis casados.

Por outro lado, Bernussi afirma que estudos feministas da década de 1990 também entraram na tese de que mulheres tendem à paz. Os trabalhos estavam alinhados a uma crescente influência dos estudos críticos, aqueles que olham para a desigualdade social, racial e de gênero como fatores importantes nas relações internacionais.

"É extremamente reducionista. Mulheres, assim como homens, têm convicções. Essa ideia de que a mulher não participa da guerra só porque é mulher esvazia a mulher de suas faculdades mentais", afirma.

Além de Golda Meir e Leila Khaled, ela cita os exemplos de Margaret Thatcher, primeira-ministra britânica durante a guerra das Malvinas, em 1983, e Indira Ghandi, que ocupava o mesmo cargo na Índia durante a terceira guerra da Caxemira, em 1971.

"Este tipo de trabalho em geral não consegue nem explicar porque há tantos governos liderados por homens que não se envolvem com guerras, nem governos liderados por mulheres que o fazem", diz a professora.

Apesar da defesa de que mulheres nem sempre tendem à paz, Bernussi reconhece que o militarismo é uma estrutura bastante masculina. A pesquisadora diz ainda que, em sociedades patriarcais, mulheres tendem a romper com expectativas de gênero e assumem características "masculinizantes".

Ela cita Thatcher, apelidada de Dama de Ferro, que sempre trajava terninhos, era dura na fala e ainda mais em suas políticas. "O que essas teorias ignoram é que a mulher, assim como o homem, é capaz de cometer atos de violência, seja por razões políticas, ideológicas, sociais", diz.

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