Eleição na Eslováquia reforça incerteza de apoio incondicional à Ucrânia

Líder do partido vencedor do pleito, ex-premiê Robert Fico reforça críticas ao armamento de Kiev e deve se aliar à ultradireita

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São Paulo

Líder do partido populista Smer, que saiu vitorioso nas eleições legislativas da Eslováquia, Robert Fico não deu margem a dúvidas acerca de sua posição em relação à Guerra da Ucrânia ao falar sobre o triunfo à imprensa neste domingo (1º).

"A Eslováquia e seus habitantes têm problemas mais importantes do que a Ucrânia", disse ele, dando como exemplo os preços da energia e do alto custo de vida. "Estamos preparados para ajudar a reconstruir o Estado ucraniano, mas vocês conhecem nossa opinião sobre armá-lo."

Robert Fico (centro), líder do partido Smer, vencedor da eleição na Eslováquia, no dia seguinte ao pleito, em Brastilava
Robert Fico (centro), líder do partido Smer, vencedor da eleição na Eslováquia, no dia seguinte ao pleito, em Brastilava - Radovan Stoklasa/Reuters

A opinião, no caso, é da defesa do fim de envio de armas a Kiev, a quem Bratislava já repassou cerca de 1,3% de seu Produto Interno Bruto em auxílios militares e econômicos. A medida pode fazer do país o primeiro membro da Otan (a aliança militar ocidental) e da União Europeia a retirar seu apoio incondicional ao governo de Volodimir Zelenski e, de modo mais preocupante para o líder, ressoar entre outras administrações em que a fadiga com o conflito já se faz visível.

O Smer recebeu 23% dos votos e superou a legenda de centro Eslováquia Progressista (PS), com 18%. No total, obteve 42 cadeiras das 150 disponíveis no parlamento eslovaco, que é unicameral. Neste domingo, Zuzana Caputova, presidente do país, disse que vai solicitar ao Smer a formação de uma coalizão para assumir o governo.

O caminho para o controle do parlamento deve contar com o apoio do partido Hlas que, criado por dissidentes do Smer em 2020, conquistou 27 cadeiras neste pleito. A provável coalizão do Smer deve contar ainda com o Partido Nacional Eslovaco (SNS), sigla da ultradireita que obteve dez cadeiras e já participou de aliança com Fico, que já ocupou o posto de primeiro-ministro três vezes antes.

Somando as 79 cadeiras dos três partidos (Smer, Hlas e SNS), Fico ultrapassaria, assim, a maioria necessária para governar e retorna ao poder após cinco anos longe do cargo. O líder prevê que a formação da coalizão leve duas semanas.

Mas o PS, segundo colocado na disputa, já disse que vai embolar a formação de um novo governo tentando ele mesmo uma ponte com o Hlas. "Acreditamos que esta [a vitória do Smer] é mais uma notícia muito ruim para a Eslováquia e seriam notícias ainda piores se Robert Fico conseguisse formar um governo", disse Michal Simecka, líder da legenda, segundo a Reuters.

Fico lidera o Smer —palavra que significa "direção" em português— desde 1999. Com o partido, foi primeiro-ministro em duas ocasiões: a primeira entre 2006 e 2010 e a segunda entre 2012 e 2018. Aos 59 anos, ele é visto como um dos políticos mais habilidosos da Eslováquia e que sabe medir a temperatura conforme sopram os ventos da política europeia.

Nos últimos anos, o político apoiou posições mais extremas, além de se tornar um forte aliado de Vladimir Putin na guerra contra a Ucrânia. Ele criticou, por exemplo, as sanções à Rússia e fez ameaças de vetar qualquer convite da Otan para que a Ucrânia entrasse no bloco.

Essas opiniões ressoaram ao longo de sua campanha, na qual o político pregou contra a Guerra da Ucrânia e defendeu que o país amplie relações com Moscou.

Ele ainda prometeu que interromperia o envio de ajuda aos ucranianos —movimento semelhante ao da Hungria, que é crítica à Ucrânia, e da Polônia, que anunciou que investirá na própria defesa ao invés de fazer repasses para o país invadido.

O primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, parabenizou, aliás, Fico pelo resultado da eleição. "Adivinhe quem está de volta! Parabéns a Robert Fico pela vitória indiscutível nas eleições parlamentares eslovacas. É sempre bom trabalhar junto com um patriota. Estou ansioso por isso", escreveu o premiê nas redes sociais.

Fico, que ainda abordou outros temas comuns à direita europeia em sua plataforma de campanha, como a imigração irregular —composta principalmente por homens do Oriente Médio e do Afeganistão, no caso eslovaco—, buscou apaziguar, porém, suas posições em relação a seus aliados ocidentais após o anúncio do resultado oficial. O ex-premiê garantiu que seguiria um posicionamento em linha com a União Europeia, uma vez que é membro do bloco. "Isto não significa que eu não possa criticar coisas que não me agradam na UE", acrescentou.

Analistas internacionais sugerem que um governo liderado por Fico pode sinalizar uma nova mudança na Europa contra o liberalismo político. Pesa nesta avaliação a eleição da Polônia, marcada para meados de outubro, que pode terminar com nova vitória do conservador Lei e Justiça (PiS), hoje sob pressão de siglas ainda mais à direita.

Para o cientista político e pesquisador Vicente Ferraro, os posicionamentos no Leste Europeu sinalizam à Ucrânia que sua coalizão de apoio entre países da União Europeia e da Otan não é eterno e incondicional.

"O reposicionamento da Eslováquia, apesar de não ter um impacto significativo no montante total de ajuda à Ucrânia, pode ter consequências negativas no gerenciamento da coalizão, sobretudo em algumas decisões da Otan e da União Europeia que demandam aprovação unânime de seus membros", afirma o pesquisador.

Neste momento, as preocupações do presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, estão voltadas notadamente para dois grandes aliados no envio de armas para o país: os Estados Unidos e a Alemanha.

Para Ferraro, uma eventual vitória de Donald Trump ou de aliados do Partido Republicano mais afeitos à Rússia em Washington pode ter consequências avassaladoras para a Ucrânia.

No quintal europeu os problemas vão além, já que as políticas domésticas de países aliados podem ser condicionadas às insatisfações econômicas com o desenrolar da guerra.

"Os altos custos de energia na Europa, o baixo desempenho econômico, a concorrência de produtos agrícolas ucranianos para os produtores do Leste e um eventual impacto de refugiados no mercado de trabalho podem influenciar tais realinhamentos", afirma Ferraro.

Com AFP e Reuters

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