Eleição pode fazer da Eslováquia 1º país da Otan a retirar apoio à Ucrânia

Se vencer no sábado (30), ex-premiê promete encerrar ajuda militar a Kiev e sanções à Rússia

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São Paulo

Usualmente um assunto que seria tratado como provinciano em relações internacionais, a eleição parlamentar na pequena Eslováquia está no foco das atenções da Europa neste fim de semana.

O motivo é a possibilidade de o país sair do pleito no sábado (30) com um governo que promete deixar o até aqui firme apoio dado a Kiev na Guerra da Ucrânia contra as forças russas que invadiram o vizinho em 2022, a começar pelo cancelamento do envio de armas e da adesão às sanções ocidentais contra Moscou.

Um MiG-29 eslovaco, igual ao modelo que foi doado pelo país para a Ucrânia, decola da base de Silac
Um MiG-29 eslovaco, igual ao modelo que foi doado pelo país para a Ucrânia, decola de Silac - Ministério da Defesa da Eslováquia - 23.mar.2023/Reuters

É o que promete Robert Fico, que já ocupou o cargo de primeiro-ministro em três ocasiões, caso o seu partido, o nacionalista Smer (Direção), consiga derrotar o maior rival na disputa, o liberal PS (Eslováquia Progressista).

Se isso ocorrer e ele mantiver o discurso na prática, será o primeiro país da Otan (aliança militar ocidental) e do bloco União Europeia a retirar apoio a Kiev. Com eleições em outubro na vital Polônia, bastião crescentemente crítico à Ucrânia que já retirou o envio de novas armas para combater a Rússia, o cenário está turvo na vizinhança de Volodimir Zelenski.

Robert Fico (esq.) cumprimenta Michal Simecka, líder do partido rival PS, durante debate na TV eslovaca na terça (26)
Robert Fico (esq.) cumprimenta Michal Simecka, líder do partido rival PS, durante debate na TV eslovaca na terça (26) - Radovan Stoklasa - 26.set.2023/Reuters

Isso fica ainda mais explícito com a retórica atual de outro vizinho da equação, a Hungria, cujo premiê Viktor Orbán é próximo de Vladimir Putin e que fez duras críticas à Ucrânia nesta semana. Assim como no caso polonês, subjacente a isso está a disputa sobre o veto feito pelos dois países e pela Eslováquia à importação de grãos ucranianos, que azedou relações.

Segundo a última pesquisa nacional feita antes da eleição, divulgada pelo instituto AKO na quarta (27), ambos estão empatados, após semanas de vantagem do Smer, com o PS ultrapassando ligeiramente o partido de Fico, com 18% das intenções de voto, ante 17,7% do rival.

Se o resultado for confirmado, nenhum dos partidos deverá ter mais do que 30 cadeiras no Conselho Nacional, o Parlamento unicameral de 150 vagas do país. Composições terão de ser feitas, e o cipoal político instalado nos últimos anos no país não permite uma visão clara de qual governo irá emergir.

Em 2020, uma coalizão liderada pelo partido antiestablishment Pessoas Comuns e Personalidades Independentes venceu o pleito, instalando um governo conservador liderado por Eduard Heger. Mesmo adotando algumas agendas da direita europeia, a exemplo do que ocorreu na Itália quando Giorgia Meloni chegou ao cargo de primeira-ministra, não houve um rompimento com as estruturas ocidentais.

O governo implodiu em março, sendo liderado desde então de forma interina por um tecnocrata independente, Ludovit Ódor. Ele manteve a política de apoio decidido à vizinha Ucrânia, que viu o pequeno país enviar o equivalente a 1,3% de seu Produto Interno Bruto em ajuda militar e econômica, incluindo aí repasses via União Europeia.

É o sexto país nesse ranking até julho, segundo o Instituto para Economia Mundial de Kiel, na Alemanha. Fico diz que não mais enviará caças MiG-29 e sistemas antiaéreos S-300, que a Ucrânia já opera, mas aí pode haver uma bravata embutida: os eslovacos talvez não tenham mais nada a oferecer de seus estoques.

A julgar pela retórica, um governo liderado pelo PS, que hoje só tem uma cadeira no Parlamento, ante 27 do Smer, manteria a política de alinhamento com os ucranianos. Mas mesmo assim há alguns nós a desatar, a começar por um acordo sobre a questão dos grãos de Kiev.

Zelenski precisa redirecionar suas exportações desde que a saída da Rússia de um acordo para escoamento pelo mar Negro e a subsequente campanha de bombardeio de portos por Putin, e os vizinhos de fronteira seriam ideais para isso. Só que os governos acreditam que uma inundação de produtos poderia desequilibrar a economia e prejudicar produtores locais.

Há, como seria previsível, a questão da ainda instável retomada econômica eslovaca após o auge da pandemia da Covid-19, quando o país tomou um tombo e ficou com o PIB 10% negativo em 2021, recuperando-se na sequência.

Minúcias à parte, nunca uma eleição no pequeno país de 5,8 milhões de habitantes, visto como o primo pobre da partilha da Tchecoslováquia em 1993, chamou tanta atenção na Europa. Uma vitória de Fico poderá deixar a Hungria mais à vontade em seu discurso crítico a Kiev e inspirar o partido que governa a Polônia a manter a agressividade recente caso vença o pleito parlamentar de 15 de outubro.

Na sequência, neste ano, ainda haverá a eleição na Holanda, que tem partidos contrários à União Europeia em destaque. Isso tudo com Kiev enfrentando dificuldades crescentes em sua contraofensiva, com questionamentos de seus principais aliados sobre o impacto dos estimados R$ 500 bilhões já enviados em armas para resistir à invasão.

Isso estará no centro da principal eleição do ano que vem, nos EUA. A virada do ano trará a campanha eleitoral para a Casa Branca, na qual o presidente Joe Biden será cobrado, se for mesmo o candidato, pela liderança no apoio a Kiev. Seu rival presumido, Donald Trump, já indicou que vai nessa linha e que "acabaria com a guerra em 24 horas", sugerindo o fim dos bilhões dados a Zelenski.

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