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Por que tantos evangélicos defendem Israel no novo conflito?

Nova etapa do embate entre israelenses e palestinos revigorou popularidade do sionismo entre o segmento

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São Paulo

A erupção de um novo conflito em Israel cobriu redes sociais evangélicas com a bandeira branca e azul e uma estrela de Davi no meio. Esta nova etapa do embate entre israelenses e palestinos revigorou a popularidade do sionismo entre o segmento, com direito a desagravo dessa bancada religiosa no Congresso.

"O governo brasileiro deve condenar sem restrições esses ataques", diz a Frente Parlamentar Evangélica, "inclusive reconhecendo o direito legítimo de Israel à autodefesa".

Sistema de defesa israelense Iron Dome (domo de ferro) tenta interceptar mísseis disparados da Faixa de Gaza
Sistema de defesa israelense Iron Dome (domo de ferro) tenta interceptar mísseis disparados da Faixa de Gaza - Mohammed Abed - 7.out.23/AFP

Pastores correram à internet para se solidarizar com a nação surpreendida por múltiplos ataques do palestino Hamas neste sábado (7). "De todas as boas promessas do Senhor a Israel, nenhuma delas falhou; todas se cumpriram", postou André Valadão, da Igreja Batista da Lagoinha, citando o Livro de Josué. Essa parte do Antigo Testamento, comum a cristãos e judeus, narra a conquista da terra prometida pelos israelitas. A senadora Damares Alves (Republicanos-DF), outra prócer do evangelicalismo nacional, se disse "em lágrimas", pediu paz e fez uma declaração. "Ó, Israel, como te amo!"

Houve ainda lamentos pela sintonia perdida entre o Brasil e o país em guerra. Se Jair Bolsonaro (PL), enquanto presidente, dava corda ao afã sionista, muito para agradar sua polpuda base evangélica, a histórica simpatia do PT de Lula pela causa palestina é evocada com desconfiança. Lula já expressou seu choque com os ataques contra civis israelenses, chamados por ele de terrorismo, e disse que "o Brasil não poupará esforços para evitar a escalada do conflito".

Para quem é pouco familiarizado com a crença evangélica, pode a princípio parecer um contrassenso esse respaldo desmedido a uma religião que não crê no pilar máximo do cristianismo, que é reconhecer Jesus Cristo como seu messias soberano.

A bem da verdade, por muitos séculos, protestantes —precursores do pentecostalismo que hoje domina essa parcela cristã no Brasil— não deram muita bola para Jerusalém. A cidade disputada por palestinos e israelenses tinha mais capital simbólico para judeus, católicos e muçulmanos, como lembrou o pastor Valdinei Ferreira, líder da Primeira Igreja Presbiteriana Independente de São Paulo.

O que mudou então? A partir do século 20, popularizam-se teologias que passam a interpretar de modo literal profecias bíblicas que envolvem o Apocalipse e a volta de Jesus.

Fatos modernos, como a criação do Estado de Israel, em 1948, após o empenho nazista em exterminar a comunidade judaica, são lidos a partir dessa lente profética. Grupos evangélicos acreditam no retorno de Jesus à Terra para comandar o Juízo Final. E as profecias apontariam que o renascimento de Israel, ou seja, o Estado que surge após o Holocausto, seria contemporâneo a uma nova vinda do filho de Deus.

Claro que o projeto de salvação implicaria na conversão de judeus ao cristianismo. O Livro de Apocalipse fala ainda dos "144 mil selados de todas as tribos de Israel", que contemplariam os verdadeiros adoradores de Deus, com vaga garantida no céu. "Mas cremos que judeus podem ser salvos o tempo todo", diz o apóstolo Estevam Hernandes, fundador da Renascer em Cristo, igreja que adota artefatos judaicos como a mezuzá. Bastaria ceder ao que cristãos entendem como verdadeiro Senhor.

A ênfase no simbolismo judaico não se restringe à Renascer. A Igreja Universal do Reino de Deus chegou a erguer sua própria réplica do Templo de Salomão, do filho de Davi, o maior rei de Israel, com Bate-Seba, conforme a narrativa bíblica. A inauguração, em 2014, contou com o bispo Edir Macedo em trajes típicos do rabinato: quipá, talit (o xale de orações) e uma farta barba branca, tal qual um profeta.

No mesmo ano, em entrevista à Federação Israelita do Rio de Janeiro, o pastor Silas Malafaia deu seu pitaco: "Para nós, o Deus de Israel é o nosso Deus. Não tem nenhuma absolutíssima diferença".

Nos últimos anos, a defesa evangélica a Israel ganhou contornos políticos mais salientes, com pressões para a mudança da embaixada dos países de Tel Aviv para Jerusalém. Em 2017, o então presidente dos EUA, Donald Trump, assim determinou, e o embaixador americano até hoje fica em Jerusalém, assim como o de um punhado de nações de menor expressão, como Guatemala e Honduras. Bolsonaro bem que tentou seguir os passos de Trump, mas o plano não foi adiante no Brasil.

Tamanho é o apelo de Israel entre evangélicos que pululam agências de viagem com pacotes específicos para esse turista cristão, da Caravana Selados com Espírito de Deus ao Cruzeiro Gospel.

Não é um fenômeno de DNA brasileiro. Nos EUA, por exemplo, uma pesquisa de 2016 mostrou que 64% dos evangélicos republicanos, partido de Trump, vitorioso naquele pleito, diziam que a posição de um candidato sobre Israel importava e muito. A porção caía a 33% entre republicanos sem essa coloração religiosa, segundo o levantamento feito em parceria pelo instituto Brookings e a Universidade de Maryland.

Deixando de lado o componente evangélico, portanto, "muitas das diferenças entre republicanos e o resto do país desapareciam", reparou o diretor da sondagem, Shibley Telhami.

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